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domingo, 25 de outubro de 2015

A criação do mundo segundo o Candomblé

Todas as religiões acreditam num modo de criação do mundo e, com o Candomblé não é diferente. Dessa forma, transcrevemos abaixo, uma das mais importantes histórias do oráculo de Ifá, que discorre sobre a criação do mundo em que vivemos.

Quando Olórun decidiu criar a terra, chamou Obàtálà, entregou-lhe o Àpò Ìwà (saco da existência) e deu-lhe as instruções necessárias para a realização da magna tarefa. Obàtálà reuniu todos os Òrìsà e preparou-se, sem perda de tempo. De saída, encontrou-se com Odùduwà que lhe disse que só o acompanharia após realizar suas obrigações rituais, já no Òna-Òrun, caminho, Obàtálà passou diante de Èsù. Este, o grande controlador e transportador de sacrifícios que domina os caminhos, perguntou-lhe se já tinha feito as oferendas propiciatórias. Sem se deter, Obàtálà respondeu-lhe que não tinha feito nada e seguiu seu caminho sem dar mais importância a questão. E foi assim que Èsù sentenciou que nada do que ele se propunha empreender seria realizado.
Em efeito, enquanto Obàtálà seguia seu caminho começou a ter sede. Passou perto de um rio, mas não parou. Passou por uma aldeia onde lhe ofereceram leite, mas ele não aceitou. Continuou andando. Sua sede aumentava e era insuportável. De repente, viu diante de si uma palmeira ("Igi-Òpe" - Dendezeiro - "Elaeis Guineenssis") e, sem se poder conter, plantou no tronco da árvore seu cajado ritual, o Òpásóró, e bebeu a seiva ("emú" - vinho de palma). Bebeu insaciavelmente até que suas forças o abandonaram, até perder os sentidos e ficou estendido no meio do caminho.
Nesse meio tempo, Odùduwà, que foi consultar Ifá, fazia suas oferendas à Èsù. Seguindo os conselhos dos Babaláwos, ele trouxera cinco galinhas, das que têm cinco dedos em cada pata, cinco pombos, um camaleão, dois mil elos de cadeia e todos os outros elementos que acompanham o sacrifício. Èsù apanhou estes últimos e uma pena da cabeça de cada ave e devolveu a Odùduwà a cadeia, as aves e o camaleão vivos.
Odùduwà consultou outra vez os Babaláwos que lhe indicaram ser necessário, agora, efetuar um ebo, aos pés de Olórun, de duzentos ìgbín, os caracóis que contêm o "sangue branco", "a água que apazigua", Omí-Èrò. Quando Odùduwà levou o cesto com ìgbín, Olórun aborreceu-se vendo que Odùduwà ainda não tinha partido com os outros. Odùduwà não perdeu sua calma e explicou que estava obedecendo as ordens de Ifá. Foi assim que Olórun decidiu aceitar a oferenda e ao abrir seu Àpére-Odù - espécie de grande almofada onde geralmente ele está sentado - para colocar a água dos ìgbín, viu com surpresa, que não havia colocado no Àpò Ìwà - bolsa da existência - entregue a Obàtálà, um pequeno saco contendo a terra. Ele entregou nas mãos de Odùduwà para que ele, por sua vez, a remetesse a Obàtálà.
Odùduwà partiu para alcançar Obàtálà. Ele o encontrou inanimado ao pé da palmeira, contornado por todos os Òrìsàs que não sabiam o que fazer. Depois de tentar em vão acordá-lo, ele apanhou o Àpò Ìwà que estava no chão e voltou para entregá-lo a Olórun. Este decidiu, então, encarregar Odùduwà da criação da terra. Na volta de Odùduwà, Obàtálà ainda dormia; ela reuniu todos os Òrìsàs e explicou-lhes que fora delegada por Olórun e eles dirigiam-se todos juntos para Òrun Àkàsò por onde deviam passar para assim alcançar o lugar determinado por Olórun para a criação da terra.
Èsù, Ògún, Òsóòsì e Ìja conheciam o caminho que leva às águas onde iam caçar e pescar. Ògún ofereceu-se para mostrar o caminho e converteu-se no Asiwajú e no Olúlànà - aquele que está na vanguarda e aquele que desbrava os caminhos. Chegando diante do Òpó-Òrun-Oún-Àiyé, o pilar que une o Òrun ao mundo, eles colocaram a cadeia ao longo da qual Odùduwà deslizou até o lugar indicado por cima das águas.
Ela lançou a terra e enviou Eyelé, (a pomba), para esparramá-la. Eyelé trabalhou muito tempo. Para apressar a tarefa, Odùduwà enviou cinco galinhas de cinco dedos em cada pata. Estas removeram e espelharam a terra imediatamente em todas as direções, à direita, à esquerda e ao centro, a perder de vista. Elas continuaram durante algum tempo, Odùduwà quis saber se a terra estava firme. Enviou um camaleão que, com muita precaução, colocou primeiro uma pata, tateando, apoiando-se sobre esta pata, colocou a outra e assim sucessivamente até que sentiu a terra firme sobre suas patas (Olé? "ela está firme?" Kole "ela não está firme?").
Quando o camaleão pisou por todos os lados, Odùduwà tentou por sua vez. Odùduwà foi a primeira entidade a pisar na terra, marcando-a com sua primeira pegada. Essa marca é chamada de Esè Ntaiyé Odùduwà. Atrás de Odùduwà vieram todos os outros Òrìsàs, colocando-se sob sua autoridade. Começaram a instalar-se. Todos os dias Òrúnmìlà, consultava Ifá para Odùduwà. Nesse meio tempo, Obàtálà acordou e vendo-se só, sem o Àpò Ìwà retornou a Olórun, lamentando-se de ter sido despojado do Àpò. Olórun tentou apaziguá-lo e em compensação transmitiu-lhe o saber profundo e o poder que lhe permitia criar todos os tipos de seres que iriam povoar a terra ("os trabalhos transcendentais de criação permitir-lhe-iam criar todos os seres humanos e as múltiplas variedades de espécies que povoariam os espaços do mundo: todas as árvores, plantas, ervas, animais, aves, pássaros, peixes e todos os tipos de humanos).
Foi assim que Obàtálà aprendeu e foi delegado para executar esses importantes trabalhos. Então, ele se preparou para chegar à terra. Reuniu os Òrìsàs que esperavam por ele, Olúfón, Eteko, Olúorogbo, Olúwofin, Ògìyán e o resto dos Òrìsàs Funfun. No dia em que estavam para chegar, Òrúnmìlà, que estava consultando Ifá para Odùduwà, anunciou-lhe o acontecimento. Obàtálà, ele mesmo, e seu séquito vinham dos espaços do Òrun. Òrúnmìlà fez com que Odùa soubesse que se ela quisesse que a terra fosse firmemente estabelecida e que a existência se desenvolvesse e crescesse como ela havia projetado, ela devia receber Obàtálà com reverência e todos deveriam considerá-lo como seu pai.
No dia de sua chegada, Obàtálà foi recebido e saudado com grande respeito: "Obá Áláá, seja bem vindo! Oba Nlá (o grande rei) acaba de chegar... Os escravos vieram servir seu mestre..... Oh! senhor dos habitantes do mundo!".
A exemplo de muitas histórias, essa também narra sobre a importância da realização dos sacrifícios, sobre a importância de realizarmos aquilo que o oráculo sagrado nos prescreve e muitas lições que, certamente valem para a vida toda.