Às 11 horas
da manhã de 11 de novembro de 1918, a Alemanha assinou o armistício que pôs fim
à Primeira Guerra Mundial – conhecida à época como a Grande Guerra.
Quatro anos de trincheiras, de lama, de horror, de gás, nos dois campos de batalha. O armistício não era percebido como o fim apenas daquela guerra, mas como o fim definitivo das guerras. Eis que a Alemanha se rende ainda que não tenha sido vencida militarmente. E o Tratado de Versalhes viria a lhe impor modalidades de paz excessivamente duras para fazer com que rancores e desejos de vingança fincassem raízes.
Quatro anos de trincheiras, de lama, de horror, de gás, nos dois campos de batalha. O armistício não era percebido como o fim apenas daquela guerra, mas como o fim definitivo das guerras. Eis que a Alemanha se rende ainda que não tenha sido vencida militarmente. E o Tratado de Versalhes viria a lhe impor modalidades de paz excessivamente duras para fazer com que rancores e desejos de vingança fincassem raízes.
No final do
outono de 1918, a aliança das potências da Europa Central desmoronava diante
das Forças Aliadas, melhor supridas e coordenadas. Com suas tropas no campo de
batalha próximas da exaustão, o apoio logístico encontrando enormes
dificuldades, agitação social no front doméstico, rendição dos aliados mais
fracos, Império Austro-húngaro, Bulgária, Império Otomano, a Alemanha viu-se
forçada a buscar um armistício com os Aliados nos primeiros dias de novembro de
1918.
Durante a maior parte dos mais de quatro anos
em que o planeta se viu engolfado na mais cáustica batalha de sua história, a
Alemanha esteve sempre um passo adiante de seus oponentes. Não foram poucas as
vezes que o alto comando germânico, com absoluta propriedade, pensou estar
próximo de celebrar o triunfo definitivo contra a aliança de seus férreos
antagonistas. Parecia que Grã-Bretanha, França e Rússia, mesmo abraçadas,
seriam incapazes de conter o inigualável ímpeto ofensivo tedesco. Nem sequer o
anúncio da entrada dos Estados Unidos nas hostilidades refreou os ânimos dos
oficiais alemães, confiantes no magnífico poderio de sua máquina de guerra. Sem
dúvida, a Alemanha ofereceu inúmeras demonstrações de seu estarrecedor colosso
militar. E, mesmo rodeada por aliados que se revelariam pouco resilientes, ao
final das contas, quase garantiu a vitória. Quase.
No último
dia 11 de novembro, consolidou-se a arrebatadora virada aliada verificada nos
últimos meses no teatro de operações da Grande Guerra. Com a assinatura do
armistício entre as delegações beligerantes, chegam ao fim as hostilidades que
consumiram pouco mais de 4 anos e três meses do planeta. Quase 10 milhões de
vidas foram perdidas na carnificina mundial. Mais de 20 milhões de militares
foram feridos. Em estimativa que certamente será afinada em breve, foram gastos
mais de 249 bilhões de dólares na batalha. Exaurida, a Alemanha não teve outra
opção senão capitular, sob termos que imputam inassimilável revés a Berlim.
Afinal, quando maior a altura, maior o tombo.
Falsa esperança – No início
deste ano, uma derrota germânica parecia fora de questão. A retirada da Rússia
dos combates possibilitou ao comandante Erich Ludendorff deslocar tropas da
frente Oriental para a Ocidental e planejar com perícia a irresistível ofensiva
que levaria a Alemanha à vitória, antes mesmo da chegada dos americanos. Paris
jamais havia sido um objetivo tão real. Mas as três principais ofensivas alemãs
do primeiro semestre – Michael, Georgette e Blücher-Yorck – repetiram um padrão
que trazia prenúncios sombrios para Ludendorff. Inícios arrasadores, como no
episódio da virtual destruição do Quinto Exército britânico em apenas três
dias, na ofensiva Michael, eram seguidos pela falta de punch no momento de
conquistar os objetivos da operação. Nas três vezes, os alemães foram repelidos
e encerraram, frustrados, as ofensivas. A exaustão chegava à Alemanha.Três anos
e meio de batalhas levam a isso, como bem sabiam as igualmente depauperadas
Grã-Bretanha e França. Estas, contudo, ainda tinham a retaguarda do apoio
material americano. Mais importante, as duas potências aliadas europeias também
sabiam que suas perdas humanas, em que pese terríveis, seriam supridas com a
chegada de milhões de soldados dos Estados Unidos, já em plena travessia do
Atlântico. Os germânicos, portanto, tinham pressa – mas já não podiam vencer
seu próprio esgotamento, quanto mais competir com um novo e robusto oponente.
As duas últimas ofensivas tedescas, Gneisenau e Marne-Reims, em junho e julho,
foram uma pálida lembrança do poderio do orgulhoso e brioso exército de Berlim.
Bebedeiras, deserções e saques disseminados indicavam que a balança começava a
pender para o outro lado.
Nação ferida – Diante dos
inequívocos indícios de fadiga da Alemanha, o supremo comando aliado, sob a
firme liderança do marechal francês Ferdinand Foch, preparou uma série de
contra-ofensivas. Cada uma delas teve objetivos claros, limitados e
específicos, visando recuperar territórios conquistados pelo oponente nos
primeiros meses desde 1918. Levadas a cabo entre julho e setembro, foram
executadas com maestria, sempre com rigor estratégico, exemplar disciplina e
superioridade numérica, e impuseram aos tedescos não apenas derrotas militares
como também uma pressão insuportável. No Marne, em Amiens, em Bapaume, em Saint
Mihiel – no qual o recém-ativado Primeiro Exército dos Estados Unidos entrou em
ação – ou em Argonne, a demonstração de superioridade dos aliados era
inconteste, vencendo focos de resistências de setores ainda valentes do
exército germânico.No final de setembro, o colapso definitivamente se avizinhou
da Alemanha. A Linha Hindenburg – o sistema de fortificações alemãs na França –
foi rompida entre Cambrai e Saint Quentin; a derrota na Quarta Batalha de Ypres
ameaçou as posições germânicas na costa da Bélgica. Novas ofensivas aliadas em
outubro e uma situação política interna explosiva colocaram a Alemanha contra a
parede; ciente da irreversibilidade dos fatos, a nação ferida começou a
negociar um armistício.Ao mesmo tempo, longe da Frente Ocidental, seus aliados
começavam a desmoronar, abandonando o barco em acordos individuais com os
gigantes ocidentais. A Bulgária, derradeiro país das Potências Centrais a
entrar nas hostilidades, foi a primeira a deixá-las, em acordo datado de 29 de
setembro. A Turquia, há muito incapaz de suportar o consumo voraz de recursos
exigidos pela guerra de longa duração – com mais de 1,5 milhões de baixas, seu
exército era um sexto da força inicial –, abandonou o conflito em 30 de outubro
de 1918. O império Austro-Húngaro também sofria com a fome, agitações políticas
e com insurreições nacionalistas, e baixou as armas em 3 de novembro.
Catorze pontos – As tratativas
entre a Alemanha e os aliados por um armistício haviam sido abertas em 4 de
outubro, com o governo germânico dispostos a negociar com base nos catorze
pontos de Woodrow Wilson. O documento que o presidente americano apresentara ao
Congresso como base para uma paz duradoura elencava elementos como o princípio
da autodeterminação nacional, a restauração do estado belga, o restabelecimento
de todo o território francês, o fim dos impérios Austro-Húngaro e Otomano, a
abertura de negociações diplomáticas, o fim das barreiras econômicas e
garantias recíprocas de independência política e territorial para todos os
estados. Obviamente, esses três últimos itens eram especialmente caros aos
alemães. França e Grã-Bretanha, porém, não subscreviam todos os pontos do
pacto. Londres era radicalmente contra ao fim dos bloqueios, enquanto Paris,
sedenta de sangue, desejava impor punições radicais ao inimigo vencido e exigir
dele reparações pesadas. Hábil, Wilson aceitou as objeções dos aliados, mas ao
mesmo tempo ameaçou negociar uma paz em separado com os alemães caso os
parceiros ocidentais fizessem novas contestações. Os primeiros-ministros David
Lloyd George e George Clemenceau não se opuseram mais – ainda que este último,
especialmente, tenha ficado descontente com os termos –, e a minuta,
oficialmente chancelada pelo Supremo Conselho de Guerra, foi enviada à Alemanha
em 5 de novembro. Como condição para a assinatura do armistício, Woodrow Wilson
exigiu a abdicação do Kaiser Guilherme II. A insistência causou desconforto no
governo alemão, mas foi resolvida pelo chanceler germânico, príncipe Max von
Baden, que anunciou em público, no dia 9 de novembro, a abdicação do Kaiser –
ainda que este não tivesse consentido com o fato (apenas no dia 28 Guilherme II
proclamou oficialmente sua abdicação).
Derrota total – Com todas – ou quase todas – as
arestas aparadas, o encontro entre a delegação aliada, comandada pelo marechal
Foch e pelo almirante inglês Rosslyn Wemyss, e a alemã, conduzida por Matthias
Erzberger, aconteceu em no vagão de trem de Foch, na floresta de Compiègne, no
Norte da França, às 2h05 da madrugada do dia 11 de novembro. Os termos do
acordo foram severos para a Alemanha, especialmente no que diz respeito a seu
desarmamento como forma de prevenir novas hostilidades. Mas não havia margem de
negociação para a delegação germânica, que também concordaram em recolher, em
um prazo de duas semanas, todos os seus soldados espalhados pela Europa
Ocidental e recuar suas tropas dentro da Alemanha a até 40 quilômetros a leste
do Rio Reno. Outras resoluções de efeito imediato: a evacuação dos territórios
ocupados na Europa Oriental – anulando assim os acordos assinados com Rússia
(Brest-Litovsky) e Romênia (Bucareste) – e o fim dos combates na África
Oriental.Todo o material militar tedesco será entregue aos aliados – 5.000
peças de artilharia, 30.000 metralhadoras, 2.000 aviões, 5.000 locomotivas,
150.000 vagões, 5.000 caminhões e a totalidade de sua frota de submarinos (no
dia 27 de novembro, 114 U-boats chegaram ao porto de Harwich, na Inglaterra). O
restante da frota naval e aérea precisa ser reunida e imobilizada com urgência.
Previsivelmente, a Alemanha fica ainda obrigada a libertar todos os
prisioneiros de guerra. Em resumo: derrota total e implacável aos
alemães.Assinado depois de três horas de tratativas, às 5h10, o armistício
entrou oficialmente em vigor às 11 horas – a décima primeira hora do décimo
primeiro dia do décimo primeiro mês de 1918. A notícia foi recebida com gosto
agridoce pelos exércitos e populações de todos os países envolvidos nas
hostilidades. Em meio aos estampidos que se fizeram ouvir por toda a cidade de
Londres, ainda na manhã de 11 de novembro, homens e mulheres olhavam incrédulos
uns para os outros, sem conseguir desfrutar do júbilo da vitória. “Eles apenas
diziam: a guerra acabou”, testemunhou a enfermeira voluntária Vera Brittain.
Vencedores e vencidos unem-se agora em um sentimento de alívio: depois dos
1.567 dias mais longos da história do planeta, chegou a hora de recomeçar.