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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Luis XVI vai a julgamento na França



 
Acusado de alta traição, o veredito para o monarca deposto foi a pena de morte.
Em 11 de dezembro de 1792, é iniciado o julgamento do rei deposto Luis XVI, na França. Ele foi acusado de alta traição por tentar fugir ao estrangeiro e de ter conspirado com potência estrangeira.

Apesar de uma equipe tentar fazer sua defesa em 26 de dezembro, o veredito, dado em 20 de janeiro, foi a pena de morte. No dia seguinte, ele foi executado na guilhotina, na Praça da Revolução, hoje Praça da Concórdia. Sua esposa, Maria Antonieta, foi executada nove meses depois.

Entenda o contexto

Luís XVI foi o último rei da França antes da Revolução Francesa. Durante a revolução, ele perdeu seu reino e, depois, sua vida.

Primeiros anos

Luís nasceu em 23 de agosto de 1754, em Versalhes, na França. Quando tinha apenas quinze anos, casou-se com Maria Antonieta da Áustria. Seu avô, o rei Luís XV, morreu em 1774, e Luís se tornou rei no mesmo ano.

Em 1789, Luís XVI tinha 35 anos e reinava havia quase 15. Preparado para seu ofício de rei por seu avô, Luís XV, era leitor assíduo, um amante das ciências e das técnicas e, provavelmente, um dos príncipes mais cultos a ascender a um trono europeu até então. Lia emitaliano, inglês e espanhol. Em seus pequenos apartamentos de Versalhes, dispunha de bibliotecas destinadas a seu uso exclusivo, além de salas de geografia, física e artilharia. Dotado de uma sólida constituição física, esse homenzarrão (media 1,92 metros) era, como todos os Bourbons, um caçador apaixonado.

Quando criança, apresentaram-lhe como um modelo acabado de virtude o seu irmão mais velho, o duque de Borgonha, morto prematuramente de tuberculose, em 1761. Já seus irmãos menores, o conde de Provença e o conde de Artois, eram considerados mais talentosos e amáveis do que ele. Desajeitado e taciturno, o duque de Berry não brilhava nem na dança nem na conversação. Caminhava de maneira oscilante. Ironizavam seu gosto por trabalhos manuais e artesanais – daí a lenda do “rei serralheiro”.

Naqueles tempos de libertinagem, o muito tímido Luís só consumou seu casamento com Maria Antonieta da Áustria depois de sete anos; tiveram uma filha em 1778, um delfim em 1781 e um segundo filho em 1785. Frívola, esbanjadora, dominada por um grupo restrito da corte, a rainha, impopular, contribuiu bastante para enfraquecer a posição e a imagem de um marido que ela, ao cabo, desprezava.

Luís XVI realizou reformas internas e obteve sucessos externos – o mais notável foi a independência das colônias britânicas da América do Norte, reconhecida pela Grã-Bretanha em 1783 –, mas o rei e o regime estavam inegavelmente fragilizados.

CERIMONIAL HERDADO DE LUÍS XIV

Nascido e criado sob a proteção de Versalhes, Luís só deixou a Île-de-France uma vez, para uma curta viagem a Cherbourg, em 1786. Ele possuía apenas um conhecimento livresco de seu reino ou de qualquer outro e vivia isolado da vida da capital e pouco prestava atenção aos movimentos da opinião pública. Prisioneiros do cerimonial herdado de Luís XIV, Luís XVI e Maria Antonieta eram compelidos a se voltar para suas vidas privadas: o Pequeno Trianon e a Pequena Aldeia (Petit Hameau) da rainha refletiam até a caricatura essa restrição progressiva, atingindo dimensões de uma vida campestre quase simples.

O estilo de governo de Luís XVI foi dos mais incertos. Ainda que consciencioso e trabalhador, o monarca não tinha nem o gosto pelo poder nem a perspicácia que faz os grandes políticos. Ele inaugurou seu reinado com a demissão dos ministros de Luís XV, cujo autoritarismo era odiado, e chamou o conde de Maurepas, antigo cortesão destituído por seu avô em 1749. Em seguida, a instabilidade ministerial se instalou: secretários de Estado e controladores-gerais caíram uns após os outros, vítimas de intrigas de corte ou da dificuldade crescente das finanças.

O controlador-geral Jacques Turgot, demitido em 1776, enviou ao rei uma carta profética: “Falta-vos experiência, Majestade! Sei que aos 22 anos, e na vossa posição, o senhor não tem o recurso que o hábito de viver com iguais dá aos particulares para julgar os homens (...). Vossa Majestade não tem a experiência pessoal, mas para sentir os reais perigos de vossa posição, não possuis a experiência tão recente de seu avô? Não vos esqueçais, Majestade, que é a fraqueza que colocou a cabeça de Carlos I (rei da Inglaterra decapitado em 1649) no cepo (...). Ela que provocou todas as desgraças do último reino. Consideram-no fraco, Majestade, e há ocasiões em que temo que vosso caráter tenha esse defeito”.

IMPOTÊNCIA POLÍTICA

Sucederam a Turgot Clugny (1776) Necker (1776-1781), Joly de Fleury (1781-1783), D’Omersson (1783), Calonne (1783-1787), depois vários tecnocratas insignificantes colocados sob a tutela do ambicioso Loménie de Brienne, arcebispo de Toulouse. Este último, antes de, por sua vez, ser também defenestrado, convenceu o rei a convocar os Estados Gerais, que não tinham se reunido desde 1614.

Necker, chamado em 1788, revelou-se incapaz de preparar as eleições e de propor ao rei um plano de ação em vista da reunião dos estados, que ocorreriam em Versalhes em 5 de maio de 1789. Às vésperas da revolução, a dívida do Estado havia atingido um nível tal que os pagamentos das despesas correntes não estavam mais garantidos, salvo se o rei conseguisse impor as reformas fiscais necessárias.

A partir de 1787, a desordem se instalara no reino, e alguns historiadores veem nesse período uma “pré-revolução”. Hesitando, submetendo-se a influências contraditórias, desconfiando de seus ministros, Luís se mostra tomado por sua impotência política. Esses traços de personalidade explicam por que, diante da aceleração da história que ocorreu a partir de 1789, Luís XVI não demorou a adotar uma atitude passiva.

A cada fase do processo revolucionário, o monarca “cede”, sem aderir ou tentar conduzir o novo curso das coisas: em junho, sob pressão das ruas, reconhece a constituição do terceiro estado, que representava a burguesia e os setores populares, em Assembleia Nacional; em 16 de julho, após a Tomada da Bastilha, aceita chamar novamente Necker, que havia demitido uma semana antes; em 6 de outubro, é levado à força pela massa parisiense, de Versalhes para as Tulherias, onde deveria se instalar, tornando-se prisioneiro de sua capital. O povo o queria em Paris.

No ano seguinte, o rei sanciona a Constituição Civil do Clero, a qual reprova em seu foro íntimo. Em alguns meses, a monarquia absoluta havia desaparecido. Surdo às ordens dos apoiadores das novas ideias, Luís XVI se negaria a ficar à frente da revolução. Fiel às doutrinas do absolutismo, lamentou o abandono da soberania que teve de consentir em benefício da Assembleia Nacional.

DECISÕES ARRANCADAS À FORÇA

Luís revelou por completo seu pensamento em uma carta secreta enviada ao rei da Espanha, Carlos IV, em 12 de outubro de 1789: ele afirmou sua recusa em “deixar aviltar entre suas mãos a dignidade real que uma longa sequência de séculos confirmou em sua dinastia” e manifestou a seu primo um “protesto solene” “contra todos os atos contrários à autoridade real que lhe foram arrancados pela força em 15 de julho último”. Essa atitude reticente, facilmente percebida pela opinião pública, alimentou a radicalização dos adversários da monarquia.

Por seu lado, Luís XVI evitou afirmar abertamente sua oposição aos representantes da nação – ele que se sentia o primeiro representante de seu povo. Seja por incapacidade, seja pelo desejo de salvaguardar uma unanimidade em torno da monarquia que havia muito não mais existia, ele se negou a tomar a direção de um “partido do rei”, cuja organização Mirabeau lhe propôs, em 1790, e deixou sem um apoio muitos franceses de todas as classes que continuavam ligados aos princípios do regime monárquico.

Entre recuos e abstenções, Luís XVI nunca conseguiu retomar o cetro que lhe caiu das mãos no verão de 1789. Um observador estrangeiro naqueles dias julgou-o “incapaz de reinar”. Seu único ato essencialmente político naquele momento foi a sua tentativa de fuga que terminou tragicamente em um vilarejo próximo da floresta de Argonne cujo nome ecoaria dali em diante: Varenne.

Thierry Sarmant, curador-chefe do Museu Carnavalet, é autor de 1715: la France et le monde (Perrin, 2014)