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domingo, 21 de fevereiro de 2016

A Historia em sua integridade: a propósito da Base Nacional Comum Curricular

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A História em sua integridade: a propósito da Base Nacional Comum Curricular
 It's all now you see. Yesterday won't be over until tomorrow and tomorrow began ten thousand years ago.
Tudo está no presente, entenda isso. Ontem só acabará amanhã e amanhã começou há dez mil anos
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. A pedido do Secretario da SEB/MEC Prof. Manuel Palácios, a professora Maria Helena Rolim Capelato, presidente da Associação Nacional de Historia (Anpuh-Brasil), solicitou a mim, como especialista, que emitisse Parecer sobre a Base  Nacional Comum Curricular, no que se refere à área de História, num texto curto. O ensino da História, tanto para a formação do professor, como, ainda mais, do cidadão, deve visar ao conhecimento crítico do presente, para poder contribuir para um futuro melhor. Por isso, a profundidade temporal e espacial deve ser a mais ampla e abrangente. Não se pode entender o ser humano sem conhecer os hominídeos, cuja antiguidade ultrapassa, em muito, os dez mil anos de William Faulkner. Isto já o ressaltava Darwin, em meados do século XIX e, mais ainda, os estudos recentes nas áreas mais variadas, da Biologia à Arqueologia. Tampouco convém limitar a abrangência geográfica, pois desde os hominídeos e, mais ainda, nos últimos milhares de anos, houve conexão constante entre as áreas mais afastadas do globo. Portanto, uma História focada na nação, embora possa ser bem intencionada, nunca poderá  possuir a devida conexão no tempo e no espaço. Os países que o têm feito, como no caso notável dos Estados Unidos da América, têm produzido um fosso profundo entre uma população que desconhece a História e a Geografia do mundo e uma elite que, esta sim, produz conhecimento profundo e bem fundamentado dos mais variados aspectos do passado, nas diversas partes do mundo. Um currículo escolar baseado nesse modelo tenderá a aprofundar o fosso entre as pessoas comuns, desconhecedoras do mundo, e os poucos que terão sempre acesso ao conhecimento universal e que estarão habilitados à devida inserção no mundo. Trata-se, ainda, do imperativo ético do fornecimento de um repertório cultural que não deve ser apanágio de poucos, se estivermos preocupados com a igualdade de acesso ao conhecimento e às oportunidades. A História universal, assim, está no centro do ensino primário e secundário em países com as menores disparidades sociais, como Portugal, Espanha, França, Alemanha, ou Suécia, pelo princípio de permitir a todos conhecer o passado, próximo ou distante, para que todas as pessoas tenham as mesmas oportunidades. O repertório é cultural e se refere tanto àquilo que é mais recorrente em
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 William Faulkner (1897-1962),
Intruder in the dust
. (O intruso, 1948).



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uma tradição, quanto ao que lhe é estranho. Assim, na China e na Índia, há estudo de obras com milhares de anos, algumas de caráter religioso, mas que constituem fundamentos dessas civilizações. Este é o caso de Confúcio na China, mas também das obras budistas, oriundas de outra civilização, a indiana. Não se trata, pois, apenas de história do estado nacional. Ao contrário, o conhecimento das tradições, do repertório, é a única maneira de produzir um conhecimento crítico, não servil, sobre os usos do  passado. A sociedade brasileira tem sido caracterizada, em termos seculares, pela desigualdade. Um currículo centrado no estado nacional tenderá a aprofundar o fosso entre os poucos que conhecem o mundo para além do local e a maioria que terá ainda menos recursos cognitivos para lutar para diminuir as desigualdades. Isto foi reconhecido pelos educadores brasileiros e políticas de estado foram implementadas  para o desenvolvimento de conhecimento de primeira mão sobre o passado, em geral, e, em particular aquele relativo ao repertório cultural da tradição. Assim, a Capes tem apoiado pesquisas no Brasil e no estrangeiro sobre a Antiguidade, a Idade Média, mas também sobre os povos ameríndios, como os maias e os incas, sobre a África, do Egito antigo às civilizações subsaarianas anteriores e posteriores ao islamismo. Portanto, tem-se incentivado o estudo das culturas da tradição brasileira (América, Mediterrâneo, África), mas também as outras e diferentes, que tanto nos ensinam por isso mesmo, pelo inventário das diferenças. O próprio programa Ciência sem Fronteira também se insere nessa perspectiva de inserção no mundo. Por tudo isso, um currículo centrado no estado nacional tenderá a aprofundar as desigualdades sociais e a distanciar o país do objetivo compartilhado de inserção no mundo contemporâneo. Enquanto na China milhões de pessoas, mais do que em qualquer outro país do mundo, estudam e tocam Mozart, voltar as costas ao repertório só poderá ter efeitos deletérios para a grande maioria das pessoas. Ainda na mesma China, Heráclito e Lao Tse são estudados, pois sem eles não haveria Mao. Os chineses, preocupados com a igualdade de oportunidade de conhecimento, não abandonam um conhecimento universal, até mesmo por saberem dos efeitos iníquos de uma formação centrada no estado nacional. Isto tudo está a indicar que um currículo de História deveria incorporar maior  profundidade temporal e espacial. Ao lado do repertório tradicional que permite um conhecimento crítico da nossa sociedade
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 Antiguidade, Idade Média, Modernidade, Contemporaneidade
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 deve não restringir-se ao estado nacional, mas ampliar para incluir os hominídeos e a Pré-História humana, as antigas civilizações asiáticas, mas também aspectos essenciais, mas pouco conhecidos de outros períodos históricos, como as civilizações islâmicas. Portanto, um currículo que almeje formar cidadãos  bem informados não pode prescindir de um referencia universal que extrapole o estado nacional. Não se trata, em um parecer curto, de entrar em detalhes sobre o conteúdo da Base Nacional Comum Curricular, mas, na essência, as páginas dedicadas à História abandonam o objetivo de formar cidadãos com um conhecimento universal e, de forma tácita, consagram uma formação superficial para a imensa maioria, deixando

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aos poucos a oportunidade de um conhecimento de significado integrado ao mundo. Apenas a inclusão de uma perspectiva universal, que dê conta do repertório da tradição e inclua um inventário de diversidades, poderá resultar em uma educação menos excludente. Tal como está, contraria as políticas de estado de inclusão social e de inserção mundial, praticadas há tempo, e aprofundará as desigualdades. Sua reformulação deve, portanto, incluir, de forma explícita e detalhada, os conteúdos essenciais do repertório universal, dentre os quais, em particular: A antiguidade oriental e o surgimento das antigas civilizações letradas (Egito, Mesopotâmia, Vale do Indo, Vale do Rio Amarelo); as civilizações Mediterrâneas antigas (Fenícios, Hebreus e outros povos semitas antigos; persas, gregos e romanos); A antiguidade tardia Ocidental e Oriental (desintegração do império romano no Ocidente, reinos germânicos no Ocidente, Bizâncio, crescimento do Islã e sua expansão); a Idade Média (alta e baixa Idade Média no Ocidente, Império Bizantino, Islã e expansão turca; a rota da Seda); o declínio da Idade Média, o renascimento e a emergência da modernidade, das nacionalidades e a expansão europeia a ocidente,  pelo Atlântico (Portugal, Espanha) e a oriente, até o Pacífico (Rússia); A modernidade, os conflitos religiosos na Europa e o pensamento político e científico; O iluminismo, o nacionalismo, as revoluções burguesas e os germes do imperialismo; a revolução industrial, o imperialismo e a conquista do mundo pelo capital; o conflito imperialista, as guerras imperialistas (século XIX e primeira e segunda guerra mundiais); o mundo da guerra fria (1947-1989) no cenário mundial; o mundo multipolar (1989 em diante). Estes temas todos são essenciais, ainda que não seja uma lista exaustiva, para que um  jovem brasileiro possa entender aspectos essenciais da sociedade brasileira, como os referenciais judaico-cristãos e clássicos, suas releituras e reelaborações posteriores, assim como a conexão em acontecimentos locais e o que se passava no mundo. Um único exemplo bastará: não se pode explicar a ditadura militar (1964-1985) sem referência à Guerra Fria. Além disso, pelo princípio da diferença, será importante constar do currículo aquilo que é diverso na origem, mas que, hoje, no século XXI, está em relação, como: a história e cultura chinesa, tanto por seu valor em si, como pelo papel da China hoje; o mesmo vale para a Índia, com sua imensa riqueza histórica e cultural, mitológica e ritual; assim, também, as civilizações ameríndias e africanas pré-históricas, pois estão na gênese de parte significativa das concepções de mundo e cultura no Brasil e são  pouco conhecidas. Em todos os temas de interesse universal, deve buscar-se a inclusão dos grupos subalternos, das mulheres, dos comportamentos minoritários, da cosmovisões também minoritárias. A historiografia brasileira sobre a Antiguidade, a Idade Média e a Modernidade tem se destacado, aqui e lá fora, também por estudar esses aspectos, sempre com o apoio das agências de fomento e das universidades. O mais importante, deve ressaltar-se, é que tais conteúdos da História universal devem estar explicitados e detalhados em um currículo, como é o caso em outros países que se preocupam com a inclusão social, de modo que esse conhecimento universal não fique restrito a poucos.





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Campinas, 17/02/2016
Pedro Paulo A.Funari

Pedro Paulo A. Funari é bacharel em História (1981), mestre em Antropologia Social (1986), doutor em Arqueologia (1990), pela USP, livre-docente em História (1996) e Professor Titular (2004) da Unicamp, coordenador do NEPAM (05/2014). Professor de programas de pós da UNICAMP e USP, Distinguished Lecturer University of Stanford, Research Associate - Illinois State University, Universidad de Barcelona, Université Laval (Canadá), líder de grupo de pesquisa do CNPq, assessor científico da FAPESP, orientador em Stanford e Binghamton, foi colaborador da UFPR, UFPel, docente da UNESP (1986-1992) e professor de pós das Universidades do Algarve (Portugal), Nacional de Catamarca, del Centro de la Provincia de Buenos Aires e UFRJ. Supervisionou 16 pós-doutoramentos, 33 doutoramentos, 36 mestrados, hoje destacados pesquisadores e líderes em instituições de prestígio (London School of Economics, Université de Mulhouse, Universidad del Norte (Barranquilla, Colômbia), UNICAMP, USP, UNESP, UFF, UFMG, UFPR, UFRJ, MASJ, UEL, UFPel, UCS, UEMG, UEM, UMESP, Uniplac, PUCPR, FESB, UNIFAP, UFS, UNIP, Unifesp, U. Einstein de Limeira, UFG, UFBA, UNIFAL, UFMA, UFPA, UFOP, Museu Nacional - UFRJ, UEG, UFPE, UFMS, Museu da Bacia do Paraná, UFAL, Unip, F.I. Maria Imaculada, Museo Nacional de Colombia). Na Unicamp, Coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos (2007-2009), representante do IFCH na CADI (2005-2009) e dos titulares no DH (2015), membro da CAI/Consu (2009), Assessor do Gabinete do Reitor e Coordenador do Centro de Estudos Avançados da Unicamp (2009-2013), apresentador do programa da RTV Unicamp "Diálogo sem fronteira", desde 2011, com mais de 200 entrevistas. Participa do conselho editorial de mais de 50 revistas científicas estrangeiras e brasileiras. Publicou e organizou mais de 90 livros e reedições e de 250 capítulos nos Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Áustria, França, Holanda, Itália, Espanha, Argentina, Colômbia, Brasil, entre outros, assim como mais de 590 artigos, resenhas e notas em mais de 130 revistas científicas estrangeiras e brasileiras arbitradas, como Current Anthropology, Antiquity, Revue Archéologique, Journal of Social Archaeology, American Antiquity, American Journal of Archaeology, Dialogues d' Histoire Ancienne, Bonner Jahrbücher. Foram  publicadas mais de 70 resenhas de seus livros (< 30 delas em revistas estrangeiras de  ponta). Projetos conjuntos com pesquisadores estrangeiros resultaram na visita de numerosos estudiosos, das principais instituições de pesquisa do mundo (Universidades de Londres, Paris, Saint Andrews, Boston, Southampton, Durham, Illinois, Barcelona, Havana, Buenos Aires, Londres, CNRS). Membro dos conselhos de Encyclopaedia of Historical Archaeology, Oxford Encyclopaedia of Archaeology e Encyclopaedia of Archaeology (Academic Press). Participou de mais de 400 eventos e organizou mais de 115 reuniões científicas. Foi Secretary, World Archaeological Congress (2002-2003), membro permanente do conselho da Union Internationale des Sciences Préhistoriques e Protohistoriques (UISPP) e sócio da ANPUH, ABA, SAB,





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SBPH, SHA, SAA, WAC, ABIB, AAA, Roman Society, académico estranjero de la Academia de Historia de Cuba desde 2013. Líder de Grupo de Pesquisa do CNPq, sediado na Unicamp e vice-líder de dois outros. Editor de coleção de livros com 33 volumes, com apoio acadêmico da FAPESP, CNPq, CAPES, FAPEMIG e UNICAMP. Co-editor da Coleção Historical Archaeology in South America (University of Alabama Press). Tem experiência na área de História e Arqueologia, com ênfase em História Antiga e Arqueologia Histórica, além de Latim, Grego, Cultura Judaica, Cristianismo, Religiosidades, Ambiente e Sociedade, Estudos Estratégicos, Turismo, Patrimônio, Relações de Gênero, Estudos Avançados. Google Scholar 3490 citações, índice H = 29 e i10 = 78, total de auxílio e bolsas FAPESP: 113 (58 auxílios e 48 bolsas concluídos), academia.edu: < 3.050 seguidores e < 54.300 consultas, RG score 20.25