São várias as
versões existentes sobre a origem da cachaça. De certa forma podemos dizer sua
história começa quando os portugueses trouxeram da Ilha da Madeira a
cana-de-açúcar e as técnicas de destilação. Uma das versões conta que o
destilado teria surgido em Pernambuco quando um escravo, que trabalhava no
engenho, deixou armazenada a “cagaça” – um caldo esverdeado e escuro que se
forma durante a fervura do caldo da cana. O líquido fermentava naturalmente e,
devido às mudanças de temperatura, ele evaporava e condensava, formando
pequenos pingos de cachaça nos tetos do engenho. Inclusive, a origem do
sinônimo “pinga” teria surgido dessa versão popular da origem do destilado.
Outra versão
apresentada pelo historiador Luís da Câmara Cascudo, no seu livro Prelúdio da
Cachaça, aponta que a primeira cachaça foi destilada por volta de 1532 em São Vicente,
onde surgiram os primeiros engenhos de açúcar no Brasil. Nessa versão de
Cascudo, foram os portugueses, depois de aprenderem as técnicas de destilação
com os árabes, que produziram os primeiros litros da bebida.
O fato é que a
cachaça acompanhou a história do Brasil desde o seu início, passando pelo o
ciclo do açúcar, pelo crescimento das fronteiras territoriais e chegando até a
urbanização do país. Originalmente, a cachaça era destinada aos escravos mas
logo caiu no gosto popular, se tornando um importante componente da emergente
economia nacional e, por consequência, proliferando sua produção por todo o
litoral do Brasil.
Levada pelos
comerciantes, a bebida brasileira começou a fazer sucesso também na Europa e na
África, onde era usada como moeda de troca para comprar escravos que iam
trabalhar na lavoura colonial. Pela relevância econômica da cachaça em terras
brasileiras, a venda e troca do produto representavam uma ameaça para a
metrópole, já que ajudava a enriquecer os inimigos da Coroa, como os piratas
holandeses que se estabeleceram no Nordeste. Nessa mesma época, Portugal
produzia um destilado de uva chamado bagaceira, e o aumento da produção de
cachaça fazia com que os colonos se desinteressassem cada vez mais em consumir
a bebida portuguesa. Para inibir a produção da cachaça, Portugal estabeleceu um
excessivo imposto cobrado dos fabricantes da aguardente, que insatisfeitos com
a taxação, se rebelaram contra Portugal, marcando o episódio conhecido como Revolta
da Cachaça, em 1660.
Ilustração
baseada na Revolta da Cachaça
Depois dos
séculos XVI e XVII, em que houve significativa multiplicação dos alambiques nos
engenhos de São Paulo e Pernambuco, a cachaça se espalhou pelo Rio de Janeiro e
Minas Gerais devido à descoberta do ouro e pedras preciosas. Durante o século
XVIII a economia do açúcar entra em decadência e passa então a ser substituída
pela extração de ouro em Minas Gerais. No início da migração para Minas, as
cachaças brancas (puras) eram colocadas em barris de madeira para serem
transportadas até Minas Gerais. No tempo da viagem, a cachaça, pelo contato com
a madeira, acabava amarelando e tomando aromas e sabores próprios. Há quem diga
que daí que surgiu o hábito de envelhecer e armazenar cachaças em barris de
madeira. Hoje, podemos observar que em cidades litorâneas, como Paraty, há um
predomínio de produção de cachaças brancas, enquanto que em Minas Gerais, os
produtores optam sempre por armazenar suas cachaças em barris para que elas
adquiram características sensoriais, como cor e sabor, provenientes da madeira.
Nas regiões de extração estavam também os pequenos alambiques que abasteciam a
florescente população urbana que tentava enriquecer com a mineração, apesar dos
impostos cobrados pela metrópole portuguesa.
Com a
popularidade da cachaça e com o declínio do comércio da bagaceira, novas
medidas de taxação e proibição da produção de cachaça foram implantadas pela
Coroa. Essas medidas contribuíram para o descontentamento da colônia e
motivaram os primeiros ideais independentes, dando origem a Conjuração Mineira
e a morte de Tiradentes. Como símbolo dessa luta pela independência do país, a
cachaça era servida nas reuniões conspiratórias dos Inconfidentes.
A partir de 1850
com o declínio do trabalho escravo e a intensificação econômica do café, um
novo setor social surge no Brasil, os Barões do Café. Com ideais elitistas,
fugindo dos hábitos rurais e com uma identificação maior com os produtos e
hábitos europeus, a nova elite brasileira rejeitava os produtos nacionais, como
a cachaça, tida como coisa sem valor, destinada a pessoas pobres, incultas e,
geralmente, negras. Contra esse posicionamento discriminatório, surgem
intelectuais, artistas e estudiosos com o compromisso de resgatar a brasilidade
criticando com ironia e inteligência a incorporação da cultura e do costume
estrangeiro. Em 1922, em São Paulo, é realizada a Semana de Arte Moderna, onde
Mário de Andrade, um dos seus maiores expoentes, dedica um estudo chamado Os
Eufemismos da Cachaça. No decorrer do século XX, outros importantes
intelectuais como Luís da Câmera Cascudo, Gilberto Freire e Mário Souto Maior,
estudaram a importância cultural, econômica e história para o Brasil.
Nas últimas
décadas, importantes acontecimentos têm contribuído para a valorização da
cachaça e seu reconhecimento como patrimônio nacional. Em 1996, o então
presidente Fernando Henrique Cardoso legitima a cachaça como produto
tipicamente brasileiro, estabelecendo critérios de fabricação e
comercialização. Em 2012, uma lei transformou a cachaça em Patrimônio Histórico
Cultural do estado do Rio de Janeiro.
Hoje, há mais de
4 mil alambiques espalhados por praticamente todos os estados brasileiros, consequência
de um fenômeno único próprio do destilado nacional: embora a cultura da
cana-de-açúcar tivesse se desenvolvido em grandes latifúndios, a cachaça sempre
se caracterizou pela produção artesanal em pequenos alambiques familiares, o
que ocasionou a enorme quantidade de marcas de cachaça espalhadas por todo o
território brasileiro.
Alessandra Trindade, autora de “Cachaça, um amor brasileiro”, fala também sobre a história e a trajetória da cachaça nesse vídeo:
Fonte:Mapa da Cachaça - http://www.mapadacachaca.com.br/