A Revolta de Filipe dos Santos — episódio também conhecido como
Revolta de Vila Rica — foi uma das primeiras reações de nativo do Brasil contra
os colonos .
Aconteceu em 1720, na então Vila Rica (Ouro Preto), cidade da Real Capitania das Minas de Ouro e dos Campos Gerais dos Cataguases, na Colônia do Brasil, pertencente a Portugal. É considerada um movimento nativista pela historiografia brasileira, e um dos precursores da chamada Inconfidência Mineira,
Aconteceu em 1720, na então Vila Rica (Ouro Preto), cidade da Real Capitania das Minas de Ouro e dos Campos Gerais dos Cataguases, na Colônia do Brasil, pertencente a Portugal. É considerada um movimento nativista pela historiografia brasileira, e um dos precursores da chamada Inconfidência Mineira,
Ocorreu
na Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, como era então denominada
a atual cidade de Ouro Preto, no estado de Minas Gerais, tendo por um de seus
líderes o idealista Filipe dos Santos Freire, que muitas vezes dá nome à
revolta.
Entre
suas causas diretas estavam a criação das casas de fundição, proibindo a
circulação de ouro em pó e o monopólio do comércio dos principais gêneros por
reinóis (lusitanos), e que obteve do Governador João de Almeida Portugal, Conde
de Assumar, uma enérgica reação que culminou com a execução do principal líder,
Filipe dos Santos.
Vivera
já a região das minas (atual estado de Minas Gerais) grandes agitações que
demonstraram, como diz Pedro Calmon, um povo "aguerrido, vaidoso do seu
poderio" nas montanhas, conscientes de que a lei apenas seria cumprida se
houvesse a concordância de seus habitantes: foi assim que, no começo do século
XVIII, ocorrera a Guerra dos Emboabas, contrapondo o emboaba Manuel Nunes Viana
a D. Fernando de Mascarenhas e aos paulistas, e que resultou na separação da
capitania de São Paulo e Minas de Ouro (Real Capitania das Minas de Ouro e dos
Campos Gerais dos Cataguases) da Rio de Janeiro, em 1709.
As
leis, nos sertões, eram impostas por verdadeiros "régulos" (como
registrou um governante, em 1737), em que o governo era distante e não dispunha
de força, ao contrário dos habitantes – solidários, organizados e armados.
A
produção das minas crescia, ao passo que os tributos enviados à Corte permaneciam
estagnados. Em Portugal cobrava-se uma explicação; esta residia no contrabando,
que enorme prejuízo causava à fazenda real. Uma das medidas adotadas, em 1719,
foi a imposição das casas de fundição segundo a qual ficava proibido a circulação
de ouro em pó – devendo todo o minério ser fundido numa daquelas instituições a
serem criadas em Vila Rica, Sabará, São João del-Rei e em Vila do Príncipe –
lugar em que seria pago o quinto. Por esta forma sairia dali o chamado
"ouro quintado", o único que poderia circular livremente – ou seja,
que seria marcado com o sinete da Coroa, e sobre o qual teria sido pago
tributo.
A
situação anterior vigente, que as Câmaras de Vereadores aceitavam, era a de uma
soma certa e fixa a ser paga ao final de cada ano. O então governador, D. Brás
Baltasar da Silveira, insistira em impor o chamado imposto sobre as bateias,
que consistia no pagamento por cada minerador 12 oitavas de ouro (cada oitava
equivale a 3,5859 g). As Câmaras propuseram que pagariam o tributo nas saídas,
com a condição de que o ouro circulasse livremente. Ocorre uma insurreição, que
resultou no pagamento pelas Câmaras ao pagamento fixo de 30 arrobas; que,
entretanto, continuavam a não atender aos anseios da Coroa. A esta taxa fixa de
pagamento era dado o nome de finta. Essas ordens resultaram na revolta de
Pitangui, e deixaram a região em constante estado de descontentamento e de
iminente sublevação.
O
aspecto econômico falava também aos poderosos da região, cujos interesses estavam
em jogo com as mudanças pretendidas pela Coroa, dentre os quais o mais rico
deles, de Vila Rica, o mestre de campo Pascoal da Silva Guimarães. O próprio
líder dos emboabas, Manuel Nunes Viana, incitava o povo contra a quintagem do
ouro.
Antecedentes
D. João V, rei de Portugal. |
Contra
aquele estado de coisas, nomeia D. João V governador a D. Pedro Miguel de
Almeida Portugal e Vasconcelos, Conde de Assumar. Sua função incluía aplicar
nas Minas três disposições que contrariavam os interesses locais:
Anunciar
a instalação, na capitania, de um bispado, objetivando a moralização do clero
que ali vivia dissolutamente, praticando desde delitos ao desrespeito do
celibato, como também envolvia-se no tráfico do ouro.
Aplicação
da Carta Régia de 25 de abril de 1720, onde se extinguiam funções, aumentava-se
o poder do governador e, ainda, trazia para as Minas um contingente de Dragões
e,Imposição do cumprimento da Carta de 1728, que criava as casas de fundição, e
que já causara tumultos.
O
envio dos soldados era uma precaução contra a exorbitante cobrança imposta,
antecipando a Coroa que haveria resistência. O Conde de Assumar já havia
despertado a antipatia entre os mineiros e, quando os primeiros militares
chegaram em Ribeirão do Carmo, Domingos Rodrigues do Prado liderava em Pitangui
uma agitação contra o governador.
O
transtorno que as casas de fundição iriam provocar (forçando o deslocamento até
elas, despesas com burocracia, hospedagem, demoras, etc.) era mais uma
dificuldade que o povo não estava disposto a tolerar. Além de Pitangui, outros
povoados se agitavam, e os dragões usam da repressão violenta, mas a crise se
espalhara: estava acesa a chama que eclodiria na Revolta de Filipe dos Santos.
Não
há muitas informações sobre Filipe dos Santos Freire. Não se sabe onde nascera,
porém a só amizade com o potentado Pascoal da Silva faz deduzir fosse também
lusitano, como registrou Diogo de Vasconcelos, acentuando ainda que algumas
tradições davam-no como "homem de cor", embora a moderna
historiografia seja assente que fosse mesmo português. Era uma pessoa pobre,
contudo, a quem nada afetaria a taxação excessiva do quinto. Possuía o dom da
oratória, sendo muito querido pelo povo.
Conspiração
Os
fatos levaram os dois potentados de Vila Rica, Manoel Mosqueira Rosa e seus
filhos, e Pascoal da Silva Guimarães, aos quais se juntara o humilde Filipe dos
Santos, insuflando com seu verbo ao povo, a combinar uma ação violenta que
intimidasse o Ouvidor Martinho Vieira e, por meio deste, demoveriam o
Governador de seus intentos – tal como ocorrera ao seu antecessor. Pascoal da
Silva tinha outros interesses: além de sua imensa fortuna que incluía ricas
lavras de ouro, duas grandes fazendas e mais de dois mil escravos, devia à
Coroa cerca de 30 arrobas de ouro. Apesar disto, três dias antes de eclodir o
movimento, o filho de Pascoal – João da Silva – escrevera uma carta a Assumar,
denunciando a conspiração, mas a única providência então tomada foi a de levar
o fato ao conhecimento do Ouvidor.
E
foi na noite de São Pedro, quando as fogueiras e espoucar de fogos típica da
festa ajudariam a ocultar suas movimentações, que por volta das onze horas da
noite os conspiradores, mascarados, desceram das matas de Ouro Podre, onde
possuía Pascoal Guimarães suas lavras e haviam adrede se reunido, tomando as
ruas de Vila Rica rumo à casa do Ouvidor aos gritos de "Viva o povo!"
– mas Martinho Vieira já tinha se evadido.
Dirigiram-se
então os revoltosos ao prédio da Câmara, quando Filipe dos Santos assume o
comando dos acontecimentos, através da oratória. Os sediciosos, no Paço,
elaboram um memorial ao Governador, então ainda em seu palácio em Ribeirão do
Carmo. A redação coube ao letrado José Peixoto da Silva, e nela constavam as
reivindicações dos mineiros :
·
Redução
de vários tributos;
·
Diminuição
das custas processuais.
·
Abolição
dos monopólios comerciais do gado, fumo, aguardente e sal.
·
Fim
das casas de fundição.
·
Não
deporiam as armas, até terem atendidas todos os pleitos. Filipe dos Santos
envia ao próprio José Peixoto como seu emissário ao Governador.
As Gerais se levantam
José
Peixoto dirige-se a Ribeirão do Carmo (primitivo nome da cidade de Mariana),
levando ao Conde o documento dos sediciosos. Vai a galope, gritando por todo o
caminho:
As
Gerais estão levantadas!
O
Conde então compreendeu que a situação chegara ao limite extremo e procurou ganhar
tempo. Respondendo que faria as concessões, condicionou entretanto que a ordem
fosse refeita. Comprometeu-se também a convocar uma Junta Geral para deslindar
as questões todas – mas a manobra não foi aceita pelos rebelados. No dia 2 de
julho os revoltados partem todos até onde estava o Conde, a passos largos e
clamando que o povo tinha de ser atendido. O conde, entretanto, sem prever o
desenrolar dos fatos, procurou fortificar-se em sua residência, aquartelando
ali os soldados, pois achara prudente não se afastar dali. Pedira reforços ao
Rio de Janeiro e, de imediato, ao saber que a multidão partira de Vila Rica,
enviou um dos seus tenentes e a Câmara da Vila do Carmo para recebê-la à
entrada da cidade.
A
turba entra pacificamente na Vila, postando-se na praça diante do palácio do
Governador onde, numa das janelas, Assumar fala a todos de modo conciliador e,
para decepção dos líderes, é aclamado pela multidão. Novamente é enviado José
Peixoto que, na sala de audiências, volta a apresentar as reivindicações por
escrito, às quais se somaram o perdão geral, em nome do Rei e outros pedidos
menores. A cada item, respondia o Conde: "deferido como pedem"Peixoto,
então, numa das janelas do Paço, anuncia ao povo o alvará concedendo-lhes todos
os pleitos, e novamente a multidão explode em aclamação, fazendo-os voltar de
onde tinham saído com a convicção de que eram vitoriosos. Imaginando-se livres
das interferências da Coroa, das exações e prerrogativas impostas, partiram
triunfalmente em retorno. O Governador, entretanto, agira por astúcia, jamais
tencionando cumprir qualquer um daqueles compromissos.
A reação
Tão
logo voltaram para suas casas os rebelados, Assumar cuida de organizar sua
represália, fazendo reunir os Dragões e também os ricos da cidade, não afeitos
aos de Vila Rica, para que pegassem em armas e fornecessem escravos para
reforço das tropas, que então chegaram a 1500 homens.
Ordenou
o Conde aos Dragões que prendessem os cabeças do movimento: Pascoal da Silva,
Manuel Mosqueira da Rosa, Sebastião da Veiga Cabral e alguns frades.
Antes
que a Vila reagisse contra a prisão dos líderes, Assumar penetrou na cidade com
todo o seu contingente, surpreendendo-a, a 16 de julho. Filipe dos Santos
pregava a revolta diante das portas da igreja de Cachoeira do Campo, quando foi
aprisionado e, em Sabará, foi capturado Tomé Afonso Pereira que ali conclamava
a reação. Ludibriados, os partidários do levante ainda tentaram alguma
represália, mas nada adiantou, com a chegada das tropas de Assumar, lideradas
pelo sargento-mór Manuel Gomes da Silva.
O
Conde então agiu com vingança e violência, mandando incendiar as casas dos
rebelados, o incêndio alastrando-se e destruindo ruas inteiras do arraial que
hoje leva o nome de "Morro da Queimada", que era onde ficava a
residência de Pascoal da Silva. Outras ruas também foram consumidas pelo fogo.
Filipe
dos Santos, tido por principal líder, foi julgado sumariamente.
A execução de Filipe dos Santos
Extrato
do mapa de 1766, feito por Cláudio Manuel da Costa, mostrando Vila Rica e seus
arredores, palco dos acontecimentos da Revolta.
Algumas
controvérsias existiam sobre como teria sido a execução do líder Filipe dos
Santos. Clóvis Moura diz que não há consenso acerca de como lhe foi aplicada a
pena capital: se enforcado e depois esquartejado, ou atado em quatro cavalos
que, incitados, lhe estraçalharam o corpo. Diogo de Vasconcelos, entretanto,
que é usado como principal fonte por Clóvis Moura, tratou esta última versão
como um mito:
Muitos
em acordo com a lenda creem que o ataram de braços e pernas a quatro cavalos, e
estes o despedaçaram espantados pelas ruas o que daria ao caso o rubor ao menos
das crueldades clássicas. A verdade, porém, é outra talvez mais repulsiva: o
enforcaram, e depois o ataram à cauda de um cavalo, e assim feito em pedaços.
—Diogo
de Vasconcelos
Outros
autores, como Carlos Mota, consignam apenas que foi enforcado e esquartejado, o
mesmo ocorrendo com Souto Maior. Pedro Calmon faz a seguinte descrição, sem ser
específico:
Preso,
Filipe dos Santos foi enforcado, a 15 de julho de 1720. Proferiu no cadafalso
esta frase: "Jurei morrer pela liberdade, cumpro a minha palavra". O
cadáver do rebelde foi esquartejado...
—Pedro
Calmon
Mota,
contudo, complementa que, após o esquartejamento, teve a cabeça decepada
pendurada num poste, e as outras partes de seu corpo expostas ao longo das
estradas.
Consequências
vencendor,
o Conde de Assumar impôs todas as suas vontades: as Câmaras se calaram, o povo
ficou submisso enquanto a polícia do governador passava a vigiar todo o
distrito, com uma legislação pesada que a todos subjugava. As casas de fundição
foram então instaladas, passando a funcionar a partir de 1725.
As
estradas passaram então a ser ainda mais limitadas para o escoamento do ouro, a
fim de se evitar o contrabando e a sonegação. Foi criado um sistema de
salvo-conduto, erguidos postos de alfândega e de pedágio nos caminhos que
levavam às regiões mineradoras.
Apesar
disto, o descontentamento permanecia latente; outras revoltas ocorreram em
Brejo do Salgado (1736), Montes Claros (1736), a Conspiração do Curvelo (1775).
E, mesmo com o aumento da vigilância, novas formas de contrabando burlavam a
fiscalização, incrementando o intercâmbio com a região do Prata.
Ainda
se pode apontar como consequência do levante a emancipação da Capitania das
Minas do Ouro da de São Paulo; e o fato de ter se registrado que no movimento
tenha sido falado em República, fazendo com que a revolta seja considerada uma
precursora da Conjuração Mineira de 1789.
Documento
Após
os acontecimentos, o Conde de Assumar registrou:
...Explicarei
brevemente o modo com que neste país se formam os motins, e o com que o povo
neles entra. Estes jamais se fazem senão pela meia-noite, no maior silêncio
dela; e esta é bastante prova de que o povo, nem agora, nem nas sublevações
passadas cuidou nunca em levantar-se, ainda que, depois de excitados à força
pelos cabeças, parece que por seu gosto sustenta o tumulto, tal é a natureza do
vulgo, que para se alegrar e folgar com seu próprio mal, basta ser novidade e
sem razão, porque tem por hombridade e capricho, seguir tudo o que vem contra a
razão, contra a piedade e contra o agradecimento (...) Começa-se ordinariamente
a formar o motim por seis ou sete mascarados, a que acompanham trinta ou
quarenta negros armados, dos quais a uns fazem ocupar as bocas das ruas, a
outros mandam ir batendo, e onde logo não se abre, arrombam as portas dos
moradores, que, como pela maior parte sejam térreas, limitadas e de pouca
resistência, qualquer empuxão as tira de seus eixos. Correndo assim as ruas, e
gritando – Viva o povo, senão morra! – os moradores, por não experimentarem
naquele repente alguma violência na fazenda ou na vida, vão dando passos em seu
dano, como rebanhos de ovelhas, após os mesmos lobos que as devoram. Depois de
terem alarmado o povo, que ainda ignora o para que é semelhante ajuntamento,
levanta-se um mascarado, e começa a dizer em voz alta: Meu povo, quereis que
façamos isto ou aquilo? E se todos não dizem que sim, os negros armados ou
ferem, ou matam alguns dos que lhes ficam mais à mão; até que os outros, por
não caírem em igual desgraça, convêm no que dizem os máscaras.
–
Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos (1688–1756)