Desde
a primeira metade do século XVIII houve na capitania de Minas Gerais motins por
razões variadas, em torno de questões como tributação, abastecimento de
alimentos e ações das autoridades, com destaque para a Guerra dos Emboabas e a
Revolta de Filipe dos Santos.
Enquanto alguns levantes buscavam apenas a restauração de um equilíbrio de poder, outros afrontaram a imposição da soberania régia. Foi o caso da sedição do sertão do rio São Francisco, ocorrida em 1736, e que se voltou contra as autoridades reais e a capitação – cobrança dos quintos reais (impostos) feita com base no número de escravos .
Enquanto alguns levantes buscavam apenas a restauração de um equilíbrio de poder, outros afrontaram a imposição da soberania régia. Foi o caso da sedição do sertão do rio São Francisco, ocorrida em 1736, e que se voltou contra as autoridades reais e a capitação – cobrança dos quintos reais (impostos) feita com base no número de escravos .
Durante
o reinado de D. José I (1750-1777), eclodiram inconfidências em locais isolados
de Minas – Curvelo (1760-1763), Mariana (1769), Sabará (1775) e de novo Curvelo
(1776) – sempre em função de atritos com autoridades e seus aliados. Ao
contrário da Inconfidência Mineira, esses motins anteriores implicavam
manifestações concretas de violência, com a população na rua, arruaças, vivas à
liberdade e referência a apoios de outras potências colonizadoras .
Desde
meados do século XVIII fazia-se sentir o declínio da produção aurífera nas
Minas Gerais. Por essa razão, na segunda metade desse século, a Coroa
portuguesa intensificou o controle fiscal sobre a sua colônia na América do
Sul, proibindo, em 1785, as atividades fabris e artesanais na Colônia e taxando
severamente os produtos vindos da Metrópole.
Desde
1783 fora nomeado para governador da capitania de Minas Gerais D. Luís da Cunha
Meneses, reputado pela sua arbitrariedade e violência. Sem compreender a real
razão do declínio da produção aurífera - o esgotamento das jazidas de aluvião -
e atribuindo o fato ao "descaminho" (contrabando), a Coroa instituiu
a cobrança da "derrama" na região, uma taxação compulsória em que a
população de homens-bons deveria completar o que faltasse da cota imposta por
lei de 100 arrobas de ouro (1.500 kg) anuais quando esta não era atingida. Era
também descontado o quinto 20% do ouro e da quantidade de escravos (capitalização).
Em
outubro de 1786, Thomas Jefferson, então embaixador dos Estados Unidos na
França, recebeu uma correspondência oriunda da Universidade de Montpellier,
assinada com o pseudônimo de Vendek. O missivista dizia ter assunto muito
importante a tratar, porém queria que Jefferson recomendasse um canal seguro
para a correspondência. Jefferson procurou fazer imediatamente, sendo que em
maio do ano seguinte, 1787, a pretexto de visitar as antiguidades de Nîmes,
Jefferson acertou um encontro com Vendek. Jefferson comunicou a sua conversa
com Vendek à comissão para a correspondência secreta do congresso continental
americano: "Eles consideram a Revolução Norte-Americana como um precedente
para a sua", escreveu o embaixador; "pensam que os Estados Unidos é
que poderiam dar-lhes um apoio honesto e, por vários motivos, simpatizam
conosco (...) no caso de uma revolução vitoriosa no Brasil, um governo
republicano seria instalado".
Vendek
era José Joaquim Maia e Barbalho, estudante da Universidade de Coimbra (1782-1785)
e da Universidade de Montpellier (1786-1787). Jefferson respondeu a Maia que
não tinha autoridade para assumir um compromisso oficial, mas que uma revolução
vitoriosa no Brasil, obviamente, disse ele, "não seria desinteressante
para os Estados Unidos, e a perspectiva de lucros poderia, talvez, atrair um
certo número de pessoas para a sua causa, e motivos mais elevados atrairiam
outras".
Um
relatório minucioso dos comentários de Jefferson pode ter chegado ao Estado do
Brasil pelas mãos de Domingos Vidal Barbosa Lage, médico formado na
Universidade de Montpellier.
Estes
fatos atingiram expressivamente a classe mais abastada de Minas Gerais
(proprietários rurais, intelectuais, clérigos e militares) que, descontentes,
começaram a se reunir para conspirar. Entre esses descontentes destacavam-se,
entre outros, o contratador Domingos de Abreu Vieira, os padres José da Silva e
Oliveira Rolim, Manuel Rodrigues da Costa e Carlos Correia de Toledo e Melo, o
cônego Luís Vieira da Silva, os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de
Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, o coronel Francisco Antônio de
Oliveira Lopes, o capitão José de Resende Costa e seu filho José de Resende
Costa Filho, o sargento-mor Luís Vaz de Toledo Pisa e o alferes Joaquim José da
Silva Xavier, apelidado de "Tiradentes".
A
conjuração pretendia eliminar a dominação portuguesa de Minas Gerais,
estabelecendo um país independente. Não havia a intenção de libertar toda a
colônia brasileira, pois naquele momento uma identidade nacional ainda não
havia se formado. A forma de governo escolhida foi o estabelecimento de uma
República, inspirados pelas ideias iluministas da França e da Independência dos
Estados Unidos da América (1776). Ressalve-se que não havia uma intenção clara
de libertar os escravos, já que muitos dos participantes do movimento eram
detentores dessa mão de obra.
Entre
outros locais, as reuniões aconteciam em casa de Cláudio Manuel da Costa e de
Tomás Antônio Gonzaga, onde se discutiram os planos e as leis para a nova
ordem, tendo sido desenhada a bandeira da nova República, – uma bandeira branca
com um triângulo e a expressão latina "Libertas Quæ Sera Tamen" - ,
cujo dístico foi aproveitado de parte de um verso da primeira écloga de
Virgílio e que os poetas inconfidentes interpretaram como "liberdade ainda
que tardia".
O
novo governador das Minas, Luís António Furtado de Castro do Rio de Mendonça e
Faro, visconde de Barbacena, foi enviado com ordens expressas para lançar a
derrama, razão pela qual os conspiradores acertaram que a revolução deveria
irromper no dia em que fosse decretado o lançamento da mesma. Esperavam que
nesse momento, como apoio do povo descontente e da tropa sublevada, o movimento
fosse vitorioso.
A
conspiração foi desmantelada em 1789, ano da Revolução Francesa. O movimento
foi traído por Joaquim Silvério dos Reis, que fez a denúncia para obter perdão
de suas dívidas com a Coroa. O visconde de Barbacena mandou abrir, em junho de
1789, a sua Devassa com base nas denúncias de Silvério dos Reis, Basílio de
Brito Malheiro do Lago, Inácio Correia Pamplona, tenente-coronel Francisco de
Paula Freire de Andrade, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Domingos de Abreu
Vieira e de Domingos Vidal Barbosa Lage.
Os
réus foram acusados do crime de "lesa-majestade" como previsto pelas
Ordenações Filipinas, Livro V, título 6, materializado em
"inconfidência" (falta de fidelidade ao rei):
"Lesa-majestade
quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, que é
tão grave e abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharam, que
o comparavam à lepra; porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo,
sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e
aos que ele conversam, pelo que é apartado da comunicação da gente: assim o
erro de traição condena o que a comete, e empece e infama os que de sua linha
descendem, posto que não tenham culpa.”
Os
líderes do movimento foram detidos e enviados para o Rio de Janeiro. Ainda em
Vila Rica (atual Ouro Preto), Cláudio Manuel da Costa faleceu na prisão, onde
acredita-se tenha sido assassinado, suspeitando-se, em nossos dias que a mando
do próprio Governador. Durante o inquérito judicial, todos negaram a sua
participação no movimento, menos o alferes Joaquim José da Silva Xavier, que
assumiu a responsabilidade de chefia do movimento.
Em
18 de abril de 1792 foi lida a sentença no Rio de Janeiro. Doze dos inconfidentes
foram condenados à morte. Mas, em audiência no dia seguinte, foi lido decreto
de Maria I de Portugal pelo qual todos, à exceção de Tiradentes, tiveram a pena
comutada.
Os
degredados civis e militares foram remetidos para as colônias portuguesas na
África, e os religiosos recolhidos a conventos em Portugal. Entre os primeiros,
viriam a falecer pouco depois de terem chegado à África, o contratador Domingos
de Abreu Vieira, o poeta Alvarenga Peixoto e o médico Domingos Vidal Barbosa
Lage. Os sobreviventes reergueram-se integrados no comércio e na administração
local, alguns mesmo tendo se reintegrado na vida política brasileira.
Leitura da sentença dos inconfidentes, por Leopoldino Faria. |
Condenados à morte
As
penas de morte foram comutadas em pena de degredo, exceto a de Joaquim José da
Silva Xavier, executado em 21 de abril de 1792:
·
Alferes
Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes
·
Tenente-coronel
Francisco de Paula Freire de Andrade
·
José
Álvares Maciel
·
Coronel
Inácio José de Alvarenga Peixoto
·
Tenente-coronel
Domingos de Abreu Vieira
·
Coronel
Francisco Antônio de Oliveira Lopes
·
Sargento-mor
Luiz Vaz de Toledo Piza
·
Cirurgião
Salvador Carvalho do Amaral Gurgel
·
Capitão
José de Resende Costa
·
José
de Resende Costa (filho)
·
Domingos
Vidal de Barbosa Laje
Condenados
a degredo perpétuo
·
Desembargador
Tomás Antônio Gonzaga
·
Capitão
Vicente Vieira da Mota
·
Coronel
José Aires Gomes
·
Antônio
de Oliveira Lopes
·
João
da Costa Rodrigues
·
Vitoriano
Gonçalves Veloso (foi açoitado antes de ser degredado)
Condenados
a exílio de dez anos
·
Capitão
João Dias da Mota
·
Tenente
Fernando José Ribeiro
Condenado
às galés
·
José
Martins Borges
"Mandados
em paz"
·
Faustinho
Soares de Araújo
·
Manuel
da Costa Capanema (ou Manuel da Silva Capanema)
Absolvidos
·
Domingos
Fernandes da Cruz
·
Alexandre
Silva (ou Alexandre Pardo)
·
Manoel
José de Miranda
·
João
Francisco das Chagas
Falecidos
no cárcere
·
Cláudio
Manuel da Costa
·
Capitão
Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes
·
Francisco
José de Mello
Sentença
sigilosa (réus clérigos)
·
Cônego
Luís Vieira da Silva
·
Padre
José da Silva e Oliveira Rolim
·
Padre
Carlos Correia de Toledo e Melo
·
Padre
Manuel Rodrigues da Costa
·
Padre
José Lopes de Oliveira
A execução de Tiradentes e
exposição pública do seu corpo
Tiradentes
esquartejado (Pedro Américo, 1893).
Tiradentes
foi o único condenado à morte por enforcamento, sendo a sentença executada
publicamente em 21 de abril de 1792, no Campo da Lampadosa. Outros
inconfidentes haviam sido condenados à morte, mas tiveram suas penas comutadas
para degredo.
Após
a execução, o corpo foi levado em uma carreta do Exército para a Casa do Trem
(hoje parte do Museu Histórico Nacional), onde foi esquartejado. O tronco do
corpo foi entregue à Santa Casa de Misericórdia, sendo enterrado como
indigente. A cabeça e os quatro pedaços do corpo foram salgados, para não
apodrecerem rapidamente, acondicionados em sacos de couro e enviados para as
Minas Gerais, sendo pregados em pontos do Caminho Novo onde Tiradentes pregou
suas ideias revolucionárias. A cabeça foi exposta em Vila Rica (atual Ouro
Preto), no alto de um poste defronte à sede do governo. O castigo era exemplar,
a fim de dissuadir qualquer outra tentativa de questionamento do poder da
metrópole.
Tiradentes,
ao contrário do que se pensa, não tinha barba e cabelos longos quando foi
enforcado, na prisão, onde ficou por algum tempo antes de cumprir sua pena,
teve o cabelo e barba raspados para evitar a proliferação de piolhos, a própria
posição de alferes não permitia tal aparência. Após a decapitação e exposição
pública, a cabeça de Tiradentes foi furtada, sendo o seu paradeiro desconhecido
até os dias de hoje.
Foi
alçado posteriormente, pela República Brasileira, à condição de um dos maiores
mártires da independência do Brasil e como um dos precursores da República no
país.
Consequências
A
Inconfidência Mineira transformou-se em símbolo máximo de resistência para os
mineiros, a exemplo da Guerra dos Farrapos para os gaúchos, da Conjuração
Baiana para os baianos, da Revolução Constitucionalista de 1932 para os
paulistas, da Revolução Pernambucana de 1817 e Confederação do Equador de 1824
para os Pernambucanos. A bandeira idealizada pelos inconfidentes foi adotada
por Minas Gerais.