Pernambuco
possuía uma longa tradição de buscar a solução de seus problemas com recursos
próprios, desde a expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro em 1654, após
nove anos de guerra com pouco apoio dos portugueses. O contato com a
administração holandesa, que permitia certa autonomia comercial e cultural,
somada à vitoriosa luta contra estes, tornou o povo pernambucano
particularmente orgulhoso e receptivo às ideias de liberdade e respeito aos
seus méritos, julgando-se com direito de contestar em diversas ocasiões a
autoridade do governo português, como na Guerra dos Mascates, em 1710.
No
início do século XIX, a cidade Olinda e a vila Recife somavam mais de 40 mil
habitantes, um conjunto urbano grande para a época. Pernambuco possuía um porto
muito movimentado em Recife, alguns povoados e vilas com um comércio ativo,
muitas plantações de cana e algodão, além de centenas de engenhos que
fabricavam açúcar.
A
exclusividade comercial com Portugal garantia a arrecadação dos tributos à
Coroa e dava aos comerciantes portugueses o controle sobre os prazos e o preço
das mercadorias, em uma relação desvantajosa que gerava um crescente desagrado
para os brasileiros. Outro motivo de descontentamento da elite pernambucana era
motivado pelo fato dos brasileiros raramente conseguirem ocupar os cargos mais
importantes da administração pública, reservados aos portugueses.
A
crescente pressão dos abolicionistas na Europa criou crescentes restrições ao
tráfico de escravos, o que tornava esta mão-de-obra cada vez mais cara, sendo a
escravidão o motor de toda a economia agrária pernambucana.
Os
holandeses passaram a produzir e comercializar açúcar a partir de suas colônias
na América Central (Antilhas), fazendo o preço do produto cair no mercado e
diminuir o número de compradores, prejudicando os lucros dos senhores de
engenho e comerciantes pernambucanos, tornando mais difícil o pagamento de
dívidas, a importação de mercadorias e dos cada vez mais caros escravos
africanos.
Em
1816 uma grande seca atingiu Pernambuco e região, causando uma queda na
produção do açúcar e do algodão, que sustentavam a economia, o que gerou
miséria e fome para parte da população, com falta de farinha e feijão.
Este
conjunto de dificuldades pelas quais passava a capitania levou os pernambucanos
em busca de saídas para a crise, e eles encontraram novas inspirações nos
exemplos dos Estados Unidos e da França. Além disso, o apoio da Inglaterra e
dos Estados Unidos aos hispano-americanos em conflito contra a metrópole
espanhola alimentava a expectativa de que iniciativas revolucionárias na
América portuguesa pudessem contar com o mesmo tipo de ajuda. O fato de haver
uma considerável quantidade de ingleses estabelecidos nas grandes cidades
brasileiras e movimentarem uma quantia cada vez maior de dinheiro em seus
negócios reforçava essa expectativa, uma vez que os interesses dos britânicos
eram os mesmos que os das elites nordestinas, como o fim do monopólio e
estabelecimento do livre comércio.
Com
a vinda da família real para o Brasil, em 1808, ocorre a abertura dos portos
brasileiros às nações amigas, favorecendo os comerciantes brasileiros, que não
precisavam mais dividir seus lucros com os intermediários portugueses. No
entanto, as iniciais vantagens econômicas e culturais com as visitas de
estrangeiros não foram seguidas por vantagens políticas.
A
instalação da sede da monarquia portuguesa no Rio de Janeiro fez com que todas
as capitanias tivessem que pagar novos impostos sobre a exportação do açúcar,
tabaco e couros, criando-se ainda uma série de outras taxas, afetando
diretamente as capitanias do norte, que a Corte sobrecarregava com
recrutamentos e com as contribuições para cobrir as despesas das guerras na
Guiana e no Prata).
As
riquezas que saiam de Pernambuco eram usadas para custear a crescente estrutura
burocrática do reino e financiar obras públicas para a modernização da cidade
do Rio de Janeiro, de modo a aumentar o conforto da corte portuguesa e o
prestígio com os visitantes estrangeiros.
Outro
efeito da vinda da família real portuguesa para o Brasil foi o deslocamento do
eixo de importância política no Brasil do norte para o sul, o que, juntamente
com o sucessivo aumento de impostos, contribuiu para aumentar a instabilidade
política e as tensões sociais.
Na
mesma medida em que diminuíam os lucros e o poder político da elite
pernambucana, aumentavam o descontentamento e desejo de autonomia. As conversas
criticando a Coroa Portuguesa aconteciam abertamente nas ruas, festas e
repartições públicas, tendo como um dos principais alvos o governador da
capitania desde 1804, capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro. O
experiente ex-governador do Mato Grosso era considerado tolerante, omisso e
pouco voltado para o trabalho, o que resultou em uma administração ineficiente,
com estradas e edifícios públicos mal conservados e serviços essenciais, como a
limpeza nas ruas, feitos com desleixo. Os militares, recebendo baixos salários
com atraso, pouco cuidavam dos problemas de segurança.
Entre
aqueles que publicamente espalhavam ideias liberais e republicanas
destacavam-se os padres formados no Seminário de Olinda.
Pelo
menos 70 padres participaram do levante, segundo os cálculos feitos sobre
os autos da devassa. Entretanto, como muito dos documentos sobre 1817 foram
destruídos pelos próprios revolucionários no momento em que as forças realistas
encurralavam os levantados, e como a devassa foi encerrada antes de chegar às
suas primeiras conclusões, é presumível que o número de eclesiásticos na
revolução pernambucana seja ainda maior. A documentação é abundante em
demonstrar que o clero se empenhou em persuadir e aliciar a população a favor
da revolução, consolidando conquistas e intimando indecisos e desobedientes.
Próximos aos militares, os padres desempenharam diversos papéis nas tropas
desde capitães de guerrilha até soldados. Há até casos em que alguns conventos
serviram de campo de treinamento militar ou mesmo como local para alojar armas.
A revolução de 1817 só terá sucesso em se difundir por regiões mais amplas
quando fizer uso do aparelho eclesiástico, atingindo até mesmo os sertões por
meio de fios que ligavam os vigários, as igrejas e paróquias às grandes
autoridades do bispado. Os púlpitos, pastorais e até os livros de tombo das
paróquias estarão impregnados pelo ideário revolucionário. O governo provisório
por meio do clero fez circular pastorais instruindo os fiéis a abandonarem as
rivalidades que dividiam o rebanho entre brasileiros e europeus. Dessa
forma, as pastorais, amparadas pelas explanações do clero serviram como um dos
vários instrumentos políticos de doutrinação para legitimar o levante.
Os
comerciantes portugueses, ligados à exportação de açúcar e algodão, estavam
cada vez mais amedrontados no ambiente hostil em que viviam, preocupados por um
lado com a violência de uma possível revolta de negros e mulatos e, por outro
lado, com a rivalidade dos grandes proprietários brasileiros, que se
consideravam nobres por possuírem terra e chamavam os lusitanos pejorativamente
de “mascates” ou “marinheiros”, porque estes chegavam da Europa em navios.
Contribuía para aumentar a hostilidade, o fato dos portugueses emprestarem
dinheiro aos brasileiros com juros mais altos do que a outros portugueses, e
cobrarem pesadas multas por atrasos nos pagamentos.
A Maçonaria na Revolução
Pernambucana de 1817
Devido
à repressão que enfrentou ao longo do tempo, por motivos religiosos ou
políticos, a Maçonaria tornou-se uma entidade reservada, dificultando uma
pesquisa adequada de sua cronologia ou atuação nos movimentos ocorridos, o que
abre espaço para lendas e especulações sem confirmação. A participação maçônica
em alguns episódios brasileiros poderia ser erroneamente creditada por conta do
fato dos conspiradores se reunirem em associações secretas, inspirados pelas
mesmas ideias iluministas e libertárias que caracterizavam os encontros da
Maçonaria. Outro engano comum na época dos movimentos era o das autoridades dos
regimes monárquicos caracterizarem qualquer simpatia às ideias republicanas com
“as francesias”, que equivaleriam aos ideais da Maçonaria, associando sempre
ambos.
Portugal
até então não havia fundado nenhuma universidade no Brasil. A elite intelectual
brasileira era pequena e poucos possuíam recursos para custear um curso
superior na Europa ou em seminários religiosos.
Por
isso merece destaque o seminário de Olinda, fundado em 1800, que teve entre
seus professores e alunos notáveis pensadores e militantes políticos liberais.
Muitos deles deram importante contribuição às revoltas pernambucanas de 1817 e
1824 e à própria organização política do Império.
Na
difusão das ideias liberais, se destacou o médico e botânico paraibano Manuel
de Arruda Câmara, que estudou na França e trouxe para o Brasil os ideais
maçônicos, fundando no Pernambuco em 1796 o “Areópago de Itambé”, a primeira
loja da Maçonaria oficialmente reconhecida no Brasil. Em 1814 há o
estabelecimento em Recife da loja maçônica “Patriotismo”. Em 1816 funcionavam
em Pernambuco mais três lojas: “Restauração”, “Pernambuco do Oriente” e
“Pernambuco do Ocidente”, as duas últimas fundadas pelo comerciante mulato
Antônio Gonçalves da Cruz, conhecido como “Cabugá”. Estas lojas eram
apresentadas ao público como academias de intelectuais, pois os membros de
sociedades secretas eram sujeitos a condenação por crime de lesa-majestade. Os
maçons passaram a fazer reuniões sigilosas e discutir diversos assuntos, entre
os quais estavam as "infames ideias francesas" e a elaboração de
planos para uma revolução.
Entre
eles destacavam-se os padres, comerciantes, militares, juízes e proprietários
de terras e de escravos. Homens ricos, instruídos e poderosos, que buscavam
alternativas variando de ideias conservadoras como uma Constituição que
limitasse os poderes da família real portuguesa ao radicalismo de uma república
independente com reforma tributária, baseada nas ideias de liberdade, igualdade
e federação, que lhes permitisse manter os direitos e privilégios que possuíam
na ordem colonial.
Entre
os líderes e participantes da Revolução Pernambucana de 1817 estavam diversos
maçons comprovados: padre João Ribeiro de Pessoa de Mello Montenegro, Domingos
José Martins e capitão Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa, os três eleitos
membros da Junta Governista; padre Miguel Joaquim de Almeida Castro (padre
Miguelinho), eleito Secretário de Estado do governo provisório; o capitão José
de Barros Lima (Leão Coroado), capitão Pedro da Silva Pedroso e o tenente José
Mariano de Albuquerque Cavalcanti, responsáveis pelo início do levante no
quartel de Artilharia e o comerciante Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá),
embaixador do governo provisório nos Estados Unidos e responsável pela compra
de armas para a revolução.
O
padre maçom Francisco Muniz Tavares, participante da revolução, descreve da
seguinte forma a influência da Maçonaria no movimento pernambucano:
Na
vida efêmera de 74 dias, decurso do regime republicano de 1817, a revolução
espalhou-se rapidamente não só ao norte e sul, graças as credenciais de
Suassuna preparando o espírito dos irmãos ao norte em repetidas viagens, de
Teotônio Jorge fazendo o mesmo ao sul e de José Luiz Mendonça iniciando em sua
casa os capitães do interior. Para o provar citamos as palavras de Oliveira
Lima, referindo-se à generalização no centro da província e na Paraíba, onde
não foi preciso inflamar a propaganda: “Os proprietários rurais, os militares e
os populares que marchavam para a capital da capitania onde as lojas maçônicas
havia anos se nutriam dos novos ideais, foram ali recebidos com efusão, sendo
proclamado o novo regime no dia 13 de março e organizada uma junta temporária,
a exemplo de Pernambuco.”
Bandeira da República Pernambucana |
O início da Revolução
Pernambucana
No
dia 01 de março de 1817, o comerciante português Manuel de Carvalho Medeiros
assinou uma denúncia de conspiração, confirmada por várias pessoas, encaminhada
ao Ouvidor da Comarca do Sertão, José da Cruz Ferreira.
Diante
dos ânimos exaltados e da denúncia formal, com a intenção de evitar um levante,
em 04 de março o governador comunicou uma ordem do dia para as tropas,
chamando-as à obediência à monarquia e à harmonia entre brasileiros e
portugueses. No dia 05 de março, dirige uma proclamação à população louvando a
elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, dizendo que todos eram vassalos
do mesmo soberano. No dia 06 de março de 1817, o governador ordena o estado de alerta
nos fortes e quartéis, realiza um Conselho de Guerra, ordenando a prisão
imediata de treze pessoas entre acusados e suspeitos, principalmente os
militares, para neutralizar qualquer resistência.
Os
civis foram presos com facilidade. Entretanto, no Regimento de Artilharia, o
brigadeiro português Manoel Joaquim Barbosa de Castro, ao insultar oficiais
brasileiros e decretar a prisão dos militares acusados, foi imediatamente
atravessado pela espada do capitão José de Barros Lima, conhecido como “Leão
Coroado”, seguido no ataque por seu genro, o tenente José Mariano de
Albuquerque Cavalcanti.
Ao
saber do ocorrido, o governador prontamente enviou seu ajudante de ordens,
tenente-coronel Alexandre Tomás para sufocar a rebelião. Este, ao entrar no
quartel, gritando ordens aos amotinados, foi morto por tiros comandados pelo
capitão Pedro da Silva Pedroso.
Os
militares rebeldes do quartel da artilharia foram para as ruas e em pouco tempo
ocuparam os bairros de Santo Antônio e do Recife, no centro da cidade,
libertando os civis republicanos que estavam presos. Temendo ser aprisionado e
não confiando em suas tropas, o governador, acompanhado de alguns militares da
guarda do palácio, refugiou-se na guarnição da Fortaleza do Brum, junto ao
porto.
O
marechal José Roberto Pereira da Silva, Inspetor-Geral dos Milicianos da
Capitania, resiste com alguma tropa no Campo das Princesas, onde se situam o
Palácio do Governo e a Casa do Erário(4), mas a falta de munição e de orientações
do governador convence-no a se render. Acompanhado de seus homens, é permitido
juntarem-se ao governador na Fortaleza do Brum.
A
rebelião ganha adesão das camadas mais pobres da população. Os bairros São José
e Boa Vista são dominados pelos revoltosos. Os comerciantes portugueses,
temendo agressões e saques, fecham suas lojas e se escondem ou abandonam Recife
com suas posses, fugindo para a Bahia e informando os fatos a seu governador.
Já
no dia 07 de março, com Recife e Olinda dominadas, a notícia da revolução
espalha-se pelo interior da capitania. Proprietários de terras dos arredores e
comandantes de outras guarnições militares vêm à capital garantindo apoio.
Cercado
na fortaleza com poucos militares e funcionários, sem condições de resistir, o
governador assinou um ultimato que lhe foi levado pelo também revolucionário
juiz José Luís de Mendonça, entregando o governo da capitania aos revoltosos.
No dia 09 de março de 1817 embarcou com os sitiados da fortaleza para o Rio de
Janeiro. Ao chegar na capital do reino em 25 de março, confirmou a notícia da
revolução ao Ministro Interino dos Negócios Estrangeiros, Antônio de Araújo e
Azevedo, o primeiro conde da Barca, que responsabilizando o governador deposto
pela derrota, imediatamente o recolhe preso à Ilha das Cobras, onde ficará por
quatro anos, ocupando depois cargos na corte carioca
Enquanto
isso, em Recife, o governo republicano se consolidava com rapidez. Ainda em 07
de março, inspirados no Diretório francês de 1795, foram reunidos dezesseis dos
mais notáveis cidadãos locais, dos quais dois eram negros, e elegeram uma junta
com cinco membros representantes das categorias que lideravam o movimento,
tendo como presidente o padre João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro. No dia
08 foi criada a Secretaria de Estado, entregue, a princípio, ao mesmo
secretário do governo português anterior, José Carlos Mayrink da Silva Fernão
e, posteriormente, ao padre Miguelinho. Criou-se nesse mesmo dia o Conselho de
Estado, com função de prestar assessoria à Junta Governista.
A
Presidência do Erário ficou a cargo do rico negociante Antônio Gonçalves da
Cruz (Cabugá) que, ao partir como embaixador para os Estados Unidos, a entregou
a Gervásio Pires Ferreira.
Nomeou-se
o tenente Felipe Nery Ferreira como Juiz de Polícia; a Domingos Theotônio Jorge
Martins Pessoa como General-em-Chefe do Exército e como General de Divisão a
Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, vulgo Suassuna, então Capitão-Mor
de Olinda.
Desde
o início, o governo procurou o apoio da elite local, evitando radicalismos,
conciliando interesses de brasileiros e portugueses, respeitando os
compromissos com a Igreja Católica e confirmando a propriedade dos senhores
sobre suas terras e escravos. Os revolucionários afirmavam que, apesar de
necessária, a abolição da escravidão só seria realizada a longo prazo e com as
garantias legais.
Na
proclamação de 29 de março, o governo revolucionário anunciava a convocação de
uma Assembléia Constituinte formada pelos representantes eleitos de todas as
comarcas, estabelecia a separação entre os poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário, mantinha o catolicismo como religião oficial – mas tolerando os
demais cultos cristãos – e proclamava a liberdade de imprensa. Anunciava ainda
que o governo provisório seria imediatamente substituído pelo governo eleito
após a aprovação da Constituição da República.
Para
conquistar a simpatia do povo, este projeto de Lei Orgânica (que é o primeiro
texto constitucional brasileiro) aumentou em três ou quatro vezes o soldo dos
militares e promoveu os oficiais revoltosos, alguns em até três graus na
hierarquia. Os impostos sobre a carne e outros alimentos essenciais foram
abolidos, proibiu-se a detenção por simples denúncia, estabeleceu que os
estrangeiros da região que dessem provas de adesão seriam considerados
"patriotas" e permitiu-se a permanência de portugueses que não se
opusessem ao modelo republicano. Garantiu o direito de propriedade (inclusive
de escravos), anulação de processos civis e criminais movidos pela Coroa
Portuguesa, o sequestro dos bens dos negociantes que fugiram por causa da
revolução e determinou-se a cunhagem de novas moedas.
Adotou-se
uma nova bandeira e, imitando a Revolução Francesa, substituiu-se o tratamento
português de “vossa mercê” por simplesmente “vós” de forma a destacar a
igualdade entre as pessoas, além de tratarem-se pelo termo “patriota” ou usarem
este no lugar de usual “senhor”. Alguns padres mais entusiasmados, para marcar
a identidade nativa, usaram aguardente nas missas em lugar do vinho e hóstias
feitas de mandioca em lugar do trigo.
Para
a publicação das leis e outras resoluções, se fundou em Recife a primeira
tipografia da capitania (e terceira do Brasil, onde, à época, funcionavam
apenas a Impressão Régia, no Rio de Janeiro, e a tipografia de Manuel Antônio
da Silva Serva, na cidade de Salvador).
Entretanto
era difícil o consenso dos interesses entre os envolvidos: senhores de engenho,
escravos libertados, militares e intelectuais que desejavam emprego na
administração pública.
Alguns
dos participantes apenas ganhavam tempo, aguardando uma reação das forças leais
ao governo português. Manuel Correia de Araújo, membro da Junta Governista
representando os senhores de engenho, viria mais tarde colaborar com as forças
governistas de repressão. Antônio de Morais Silva, senhor de engenho e
respeitado intelectual, autor de um famoso dicionário, não compareceu às
reuniões do Conselho de Estado para o qual foi nomeado, sempre alegando doença.
Outros, como Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, que comandou o
ataque das forças militares pernambucanas, tiveram atitudes dúbias quando a
revolução foi derrotada.
Além
do conflito de interesses, havia uma grande massa de escravos em relação aos
quais era necessário tomar decisões claras. Entre os revolucionários mais
radicais, existiam os que propunham a abolição do trabalho servil, como forma a
ganhar a adesão destes. Esta posição encontrava forte oposição dos
proprietários rurais, cuja riqueza dependia do trabalho escravo.
Após
debates iniciais, as lideranças revolucionárias assumiram uma posição ambígua
quanto à questão. Os escravos não foram libertados e a participação dos negros
no movimento tornou-se limitada.
Benção das Bandeiras |
Adesões à Revolução Pernambucana
O
movimento ganhou o apoio da Ilha de Itamaracá, decretou a prisão do juiz de
foro da cidade de Goiana, associado à Monarquia e mandou emissários para outras
capitanias procurando apoio.
O
capitão José de Barros Falcão de Lacerda, que entre 1811 e 1812 foi comandante
do presídio da Ilha de Fernando de Noronha, foi designado para ir a esta ilha,
neutralizar suas fortificações e trazer para Recife os arquivos militares, a
maioria dos militares que lá se encontravam em serviço e recrutar presos
condenados por penas leves.
Para
a Bahia foi por mar o padre José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima (padre Roma).
Parando em Sergipe, consegue a adesão do tenente-coronel Antônio José Vitoriano
Borges da Fonseca, comandante de Alagoas, então comarca de Pernambuco.
Chegando, porém às imediações da cidade de Salvador, foi preso ao desembarcar
na praia de Itapoã, por ordem do governador da capitania baiana, onde já havia
chegado a notícia da rebelião pernambucana. Padre Roma ainda teve tempo de
jogar na água papéis comprometedores que trazia. O que não impediu que fosse
rapidamente julgado, condenado e fuzilado em 29 de março de 1817, três dias
depois de ser preso.
Para
o Ceará seguiu por terra o jovem subdiácono José Martiniano de Alencar que,
após participar juntamente com seus familiares da proclamação da república na
vila do Crato em 03 de maio de 1817, foi preso neste local com os outros
envolvidos e enviados para Fortaleza. A República do Crato durou apenas oito
dias, não contando com a participação de parte de sua população, o que
facilitou o fim do movimento na cidade e consequentemente no Ceará.
Na
Paraíba e Rio Grande do Norte instalaram-se também, com rápida e fácil adesão,
governos republicanos aliados ao pernambucano. Destacam-se os governos
revolucionários pernambucano e paraibano pela intensa documentação criada em
seu pouco tempo de existência.
Na
Paraíba, repleta de ex-alunos do Seminário de Olinda e primeira a aderir à
revolução, o movimento se iniciou poucos dias depois de Recife, na vila de
Itabaiana, graças ao apoio de sua principal autoridade militar, o
tenente-coronel de cavalaria de linha Francisco José da Silveira. Além dele,
participaram ativamente João Batista Rego, um dos chefes locais e proprietário
de terras, além de Manuel Clemente Cavalcante, jovem de importante família
local e que estudou em Recife. Manuel Clemente provocou um levante dos
proprietários e recebeu apoio de várias vilas e povoações vizinhas, marchando
sobre a cidade de Pilar e em seguida sobre a capital, a cidade da Paraíba. Não
havendo resistência, formou-se uma junta governativa republicana em 13 de março
de 1817. No entanto, muitos proprietários que a princípio apoiaram o movimento
não gostaram da forma como foi realizada a eleição da junta, por considerarem
que a escolha de seus membros não beneficiava igualmente a todos. Alguns
retornaram a suas terras, apoiando depois a reação governista.
No
Rio Grande do Norte, então capitania subalterna de Pernambuco, o governador,
capitão-mor José Inácio Borges, considerado como simpatizante das ideias
liberais, procurou na cidade de Goianinha o rico proprietário do engenho
Cunhaú, coronel de milícias André de Albuquerque Maranhão, para um pacto sobre
a defesa da monarquia. André Maranhão, depois de hesitar durante algumas horas,
mandou prender o governador quando este pernoitava no engenho Belém, retornando
à Natal. Enviou-o preso para Recife. Em 29 de março de 1817, diante do
desinteresse da população, criou-se uma junta revolucionária dirigida pelo
padre Feliciano José Dornellas e composta pelo coronel André de Albuquerque
Maranhão, o tenente-coronel José Peregrino e o capitão-mor João de Albuquerque
Maranhão.
O Leão do Norte ( José de Barros Lima, o "Leão Coroado" )
Vitral no Palácio do Campo das Princesas - Recife (PE)
|
A diplomacia dos revolucionários
pernambucanos no exterior
Ao
mesmo tempo em que o governo revolucionário pernambucano procurava a adesão de
outras capitanias, enviava representantes ao exterior para conseguir apoio.
Para a manutenção da nova república, movimentou-se a maçonaria em conseguir
simpatia e recursos junto às suas lojas de Londres e, em particular, dos
Estados Unidos.
Para
o Rio da Prata (Argentina) seguiu Félix José Tavares de Lima, com instruções
para conseguir também ajuda entre os paraguaios, mas não obteve resultados.
Para
a Inglaterra foi Henry Kesner, um comerciante inglês residente em Recife, para
se encontrar com o ministro Lord Castlereargh e pedir proteção daquele país
para a república pernambucana. O governo inglês, porém, permaneceu neutro.
Kesner também entregou documentos ao jornalista Hipólito José da Costa Pereira
Furtado de Mendonça convidando-o para defender a causa da revolução em Londres
e lhe oferecendo o cargo de ministro plenipotenciário da nova República.
Este se negou a fazê-lo e publicou em sua revista (Correio Brasiliense) os
documentos recebidos, com censuras ao movimento, que julgou imprudente e
contrário aos interesses do Brasil.
Para
os Estados Unidos foram o tenente Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira e
o negociante maçom Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá). Desembarcaram em maio de
1817 na Filadélfia com 800 mil dólares (aproximadamente 12 milhões de dólares,
atualizado ao câmbio de 2007) e três objetivos: comprar armas e munições,
convencer o governo americano a apoiar os rebeldes em troca de gêneros livres
de impostos por vinte anos aos comerciantes americanos e recrutar oficiais
norte-americanos da marinha ou antigos revolucionários franceses exilados nos
Estados Unidos para, com a ajuda destes, melhorar a organização da revolução em
Pernambuco.
Em
troca da participação dos oficiais franceses, os pernambucanos os apoiariam na
libertação de Napoleão Bonaparte, exilado então pelos ingleses na Ilha de Santa
Helena, transportando-o para Recife e posteriormente para os Estados Unidos.
Cabugá
dedicou-se aos encontros diplomáticos e recrutamento dos militares enquanto
Domingos Malaquias ocupou-se das medidas práticas para a compra das armas.
Cabugá chegou a se encontrar com o ex-presidente americano Adams e com o
Secretário de Estado, Richard Rush, mas somente conseguiu o compromisso de que,
enquanto durasse a rebelião, os Estados Unidos autorizariam a entrada de navios
pernambucanos em águas americanas e que também aceitariam dar asilo ou abrigo a
eventuais refugiados, em caso de fracasso do movimento.
Os
Estados Unidos ignoraram a proposta de apoio e prontamente (assim com a
Inglaterra) legislaram no sentido de ser proibido o fornecimento oficial de
armas e munições aos rebeldes.
Conflitos na Revolução
Pernambucana de 1817
O
dividido governo provisório pernambucano entrou em crise quando Domingos José
Martins, que havia formado uma tropa com trezentos escravos negros tirados de
seus senhores, prometeu-lhes alforria para incentivá-los à luta. Para piorar a
situação, Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa incentiva os negros a uma
rebelião pela liberdade, enquanto o governo provisório (do qual os dois eram
líderes na Junta Governista) tentava tranquilizar a população, principalmente
os ricos senhores de terras, quanto ao direito de propriedade.
O
fato é que as elites agrárias poderiam ser anticolonialistas ou liberais, mas
não eram antiescravistas, uma vez que sua riqueza dependia dessa mão-de-obra. E
isso valia não apenas para os nordestinos, mas para todo o Brasil da época.
Estas
contradições causaram a perda de confiança das classes ricas que participavam
da revolução, levando a maioria dos proprietários de terras e escravos do
interior da capitania a apoiar o exército real e colaborar na reconquista de
Recife.
Os
senhores de engenho não apoiaram a revolução e os comerciantes ainda menos.
Portugueses em sua maioria, poucos deles se aliaram aos rebeldes. Apenas
alguns, geralmente brasileiros, ficaram com os revolucionários, como Domingos
José Martins e Gervásio Pires Ferreira.
Após
o fim da revolução, muitos senhores de engenho e comerciantes alegaram que
tinham colaborado com os rebeldes à força ou à espera de uma oportunidade para
enfrentá-los. Um bom exemplo deste oportunismo é o caso e José Carlos Maynrink
da Silva Ferrão, que era secretário do governador deposto pelos
revolucionários, continuou neste cargo durante a breve república pernambucana e
depois que os revolucionários foram derrotados permaneceu ligado ao governo
português.
Em
Pernambuco, mesmo com a posse dos principais centros urbanos (Recife e Olinda),
a revolução republicana não conseguiu impor seu domínio sobre todo o território
da capitania. Apesar das vitórias nas capitais da Paraíba e do Rio Grande do
Norte, havia nestas capitanias focos de resistência no interior e desinteresse
ou atitude duvidosa de parte da população.
A
defesa do território conquistado pelos revolucionários era difícil. O governo
revolucionário contava com aproximadamente 3 mil homens, entre militares do
Exército e civis voluntários, o que era uma tropa pequena em comparação ao
tamanho do território. Os rebeldes tentaram organizar uma cavalaria, oferecendo
o posto de capitão a quem formasse uma companhia de aproximadamente cem homens,
mas não possuíam oficiais competentes para isso. Com uma grande faixa litorânea
para defender e sem uma marinha de guerra, os pernambucanos aparelharam um
brique, duas canhoneiras e uma embarcação mercante, colocando-os sob o
comando de Luís Francisco de Paula Cavalcanti, proprietário rural sem prática
de navegação.
O
governador da Bahia, capitão-general Marcos de Noronha e Brito, o Conde dos
Arcos, após o fuzilamento do padre Roma, mesmo sem instruções do governo do Rio
de Janeiro, rapidamente mobilizou os recursos militares da capitania,
transformando-a na base das forças portuguesas para conter as forças
revolucionárias.
Sem
demora, em 28 de março de 1817, enviou para Alagoas uma força terrestre como
vanguarda, sob o comando do major José Egídio Gordilho Veloso de Barbuda para
combater a pequena tropa de que dispunha Borges da Fonseca. A tropa alagoana
dispersou sem oferecer resistência e seu chefe foi preso. Ao mesmo tempo
avançavam rumo a Recife uma frota, armada às pressas, para realizar o bloqueio
de seu porto, e por terra a maior parte da tropa, com aproximadamente 4 mil
homens, sob o comando do marechal Joaquim de Melo Leite Cogominho de Lacerda.
Quando as tropas atravessaram o Rio São Francisco em 01 de maio, marcharam sem
dificuldades, com o apoio dos proprietários alagoanos, para o norte em direção
a uma Recife já bloqueada pelo mar, pela força naval baiana comandada pelo
capitão Rufino Pires.
Enquanto
isso, no Rio de Janeiro, a notícia da revolução causou grande repercussão na
população. Imediatamente após saber da revolução pernambucana, a Coroa
despachou para Recife uma pequena esquadra composta de uma fragata, duas
corvetas e uma escuna, sob o comando do contra-almirante Rodrigo José Ferreira
Lobo e as nações amigas foram notificadas do bloqueio naval aos rebeldes.
Reuniu-se,
sob a supervisão pessoal de Dom João VI, a maior parte do material e
contingentes militares disponíveis em meio a manifestações de apoio, com
particulares fazendo doações para a compra das armas e munições necessárias,
enquanto voluntários alistavam-se para as tropas de milícias.
Do
Rio de Janeiro, em 02 de abril de 1817, seguiu uma expedição militar, que sob
as ordens do capitão-general Luis do Rego Barreto, reunia duas naus de guerra e
de nove a dez embarcações menores levando quatro batalhões de infantaria, dois
esquadrões de cavalaria e um destacamento de artilharia com oito canhões, num
total de 4 mil homens. Foi enviada ao mesmo tempo, para Portugal, ordem de
trazer dois regimentos de infantaria, num total de 2600 homens, parte destinada
a reforçar a expedição incumbida a Luis do Rego Barreto, enquanto outra parte
deveria ficar em Salvador.
A
pronta ação do Conde dos Arcos parece ter inibido qualquer manifestação
na Bahia por parte de simpatizantes do movimento, que, ao que tudo indica, não
seriam poucos. Na própria Corte suspeitou-se da existência daqueles
simpatizantes, e, ao se ter notícia da Revolução, um dos principais atos do
Governo foi mandar proceder a uma devassa sobre os acontecimentos, que a muitos
fez colocar na prisão no Rio de Janeiro.
No
dia 20 de abril, de acordo com o padre pernambucano Dias Martins, “proclama-se
a Pátria em perigo” e lança-se mão da convocação de escravos (pelo que seus
senhores seriam indenizados) para integrarem as forças que, sob as ordens dos
principais líderes militares iriam combater as tropas vindas da Bahia. A
maioria dos senhores de terra não atendeu à convocação, não havendo, portanto,
significativo reforço nas forças revolucionárias.
Em
23 de abril a esquadra carioca chega a Recife, completando o bloqueio naval da
cidade. O plano da Coroa Portuguesa era atacar por duas frentes: bloquear
Recife pelo mar, aproveitando o ponto fraco da ausência de uma marinha de
guerra e impedir a retirada dos rebeldes por terra.
Francisco
de Paula Cavalcanti de Albuquerque marcha pelo interior da capitania
pernambucana comandando a maior parte das tropas republicanas ao encontro da
tropa vinda da Bahia, encontrando no trajeto forte antipatia dos proprietários
de terra e das autoridades locais. Nessa expedição os revolucionários venceram
algumas forças organizadas às pressas pelos senhores locais, obrigando-as a ir
para o sul.
Na
medida em que as tropas vindas da Bahia penetram nos territórios alagoano e
pernambucano, vários povoados os apoiam. Percebendo a fragilidade das forças
revolucionárias, partidários leais à Coroa iniciam ataques nas capitanias da
Paraíba e do Rio Grande do Norte. Ocorrem combates no interior e pequenas
localidades. Em algumas vilas, como na paraibana Mamanguape, os rebeldes
resistem casa por casa, mas são obrigados a recuar para a capital.
A
primeira derrota dos rebeldes pernambucanos ocorreu em 02 de maio na batalha do
engenho Utinga, seguida de outra mais grave, em 13 de maio, no engenho
Trapiche, perto de Serinhaém. Nesta última, em desvantagem numérica, os
republicanos abandonam toda sua artilharia e boa parte de sua munição, além de
ter aproximadamente 300 homens feitos prisioneiros. Diante da impossibilidade
de sustentar o ataque, as forças rebeldes retiram-se durante a noite para
Recife.
Outra
expedição republicana que seguia pelo litoral, liderada por Domingos José
Martins, membro da Junta Governista, foi surpreendida em 16 de maio pelo
capitão José dos Santos, das milícias de Penedo, quando este atravessa o Rio
Merepe comandando quase 300 homens em duas companhias de infantaria, duas de
pardos de Penedo e uma de caboclos do Atalaia. O destacamento republicano foi
dizimado próximo ao engenho Pindoba e Domingos José Martins foi ferido e preso.
Cerco e rendição de Recife
O
cerco das tropas baianas com um efetivo de aproximadamente 4 mil homens se
fecha sobre Pernambuco por terra e mar, e em Recife a comida começa a faltar.
Percebendo a situação insustentável, o governo provisório manda o ouvidor José
da Cruz Ferreira com uma proposta de rendição ao almirante Rodrigo Lobo, caso
fosse concedida anistia a todos rebeldes e o direito de saírem do país quando
quisessem. O almirante só aceita a rendição incondicional.
Ao
saber da resposta, parte da população se prepara para defender a cidade e outra
parte foge para bairros distantes e povoados que ofereciam maior segurança. Os
ricos comerciantes portugueses se unem e oferecem 100 contos aos membros do
governo para que renunciem à luta e saiam da cidade. A oferta é recusada.
Tentando controlar a situação, a Junta Governista concede poderes ditatoriais
ao representante das Forças Armadas, ex-capitão e agora general Domingos
Theotônio Jorge Martins Pessoa.
Chega
então a Recife, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque com o que resta
das tropas revolucionárias, derrotadas nas batalhas dos engenhos Utinga e
Trapiche.
Em
17 de maio, Domingos Theotônio envia novamente o ouvidor como mensageiro à
presença do almirante com o aviso de que o chefe republicano insiste na
proposta de rendição com anistia e espera uma resposta favorável o meio-dia do
dia seguinte, caso contrário seriam degolados todos os militares e civis do
partido realista presos. Além disso, também seriam mortos todos os portugueses
que se encontravam na cidade e os bairros de Boa Vista, Santo Antônio e Recife
seriam incendiados e arrasados.
Novamente
o almirante não cede e se passa o prazo do dia 18 de maio. Na manhã de 19 de
maio, Domingos Theotônio resolve abandonar a cidade levando para o interior
algumas forças, equipamento militar e os cofres do tesouro público, com a
intenção de resistir em local e momento mais favoráveis utilizando tática de
guerrilhas. Foi acompanhado pelos membros do governo, padre João Ribeiro de
Pessoa de Mello Montenegro e o ouvidor Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
Machado e Silva. No final da tarde, a tropa acampa no engenho Paulista,
distante aproximadamente 20 quilômetros de Olinda.
As
forças republicanas que permanecem em Recife, constituídas em sua maior parte
de milícias irregulares, não tinham condições de superar forças militares
profissionais em maior número e com mais armamento. Para evitar maior
derramamento de sangue e pensando em sua situação pessoal, ainda no dia 19 de
maio, o general Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque abre negociações
com os chefes militares portugueses. O almirante Rodrigo Lobo exige a rendição
incondicional e imediata dos revolucionários.
O
governo provisório republicano de Pernambuco, isolado e sem defesas, se rende
incondicionalmente em 20 de maio de 1817, depois de 74 dias de existência, e o
almirante Rodrigo Lobo desembarca em Recife, assumindo o governo da capitania.
O
almirante foi recebido com festas e é aclamado nas ruas aos sons dos sinos das
igrejas e banda de música. Grande parte da população de Recife, que em março
comemorou a revolução republicana, celebrou em maio a restauração do regime
monárquico. Pessoas invadem as casas dos chefes da revolução, saqueando e
queimando-as. A bandeira portuguesa é hasteada nos mastros dos quartéis e
repartições públicas, saudada pela artilharia das fortalezas.
Prisões e mortes dos
revolucionários de 1817
No
acampamento da tropa revolucionária em retirada, próximo à meia-noite, os
líderes derrotados se reúnem em conselho buscando uma resolução, que não é
alcançada. Após esta reunião, o padre João Ribeiro entra na capela do engenho e
enforca-se. Ao longo da noite, na ânsia de salvar a vida, as pessoas aos poucos
vão se retirando e na manhã seguinte não restava quase ninguém no engenho
Paulista. O equipamento militar e os cofres com o tesouro público permaneceram,
intactos, no local.
Domingos
Theotônio e padre Miguelinho são presos enquanto tentam fugir. O ouvidor
Antônio Carlos apresenta-se voluntariamente na cadeia de Igaraçu. José Luís de
Mendonça, que não saiu de Recife, se apresenta ao almirante Rodrigo Lobo. Estes
e outros presos envolvidos no movimento são enviados em três navios de guerra
para a Bahia para serem julgados.
No
Rio Grande do Norte, em 26 de abril de 1817 os legalistas já haviam deposto a
junta revolucionária, ocasião em que foi morto por espadas o coronel de milícias
André Albuquerque de Maranhão, membro da junta revolucionária. Em junho
reassumiu o governo da capitania o capitão-mor José Inácio Borges.
Na
Paraíba, percebendo as dificuldades do movimento republicano em Pernambuco, uma
junta legalista local conseguiu retomar posse com um governo interino em 07 de
maio de 1817, prendendo os principais líderes republicanos locais.
O
capitão José de Barros Falcão de Lacerda, retornando da Ilha de Fernando de
Noronha, foi detido juntamente com alguns militares e ex-presos que estavam na
ilha, ao desembarcarem na Baía da Traição, na Paraíba. Para a ilha foi mandada
parte da frota que bloqueava Recife, dominando facilmente os poucos militares
que lá se encontravam.
Governos republicanos revolucionários em 1817
Local
|
Início
|
Término
|
Pernambuco
|
06 de março de 1817
|
20 de maio de 1817
|
Paraíba
|
13 de março de 1817
|
07 de maio de 1817
|
Rio Grande do Norte
|
29 de março de 1817
|
26 de abril de 1817
|
VILLALTA, Luiz Carlos. Pernambuco,
1817: "encruzilhada de desencontros" do Império
Luso-Brasileiro.
Notas sobre as ideias de pátria, país e nação. Revista
USP.
Notas sobre as ideias de pátria,
país e nação. Revista USP.
Em
29 de junho de 1817, com a revolução já controlada, chega a Recife o novo
governador, capitão-general Luís do Rego Barreto, acompanhado dos 4 mil homens
vindos do Rio de Janeiro, que em pouco tempo receberiam o reforço das tropas
vindas de Portugal, com experiência em combate contra os franceses na Península
Ibérica.
Militar
rígido e fiel ao rei, o novo governador de Pernambuco era favorável a uma
punição exemplar para os revolucionários. Seguiram-se nove meses de prisões,
julgamentos e execuções. O número de executados só não foi maior porque Luís do
Rego Barreto se desentendeu com as autoridades judiciárias pernambucanas, o que
ocasionou a transferência de muitos prisioneiros para a Bahia.
No
dia da partida de Recife para Salvador, os prisioneiros são obrigados a
caminhar pelas principais ruas da cidade acorrentados nas mãos e pés. Os navios
que irão levá-los estão repletos de portugueses e realistas que os insultam. Os
prisioneiros são presos no pescoço com correntes que os obrigam a permanecer
deitados durante a viagem, onde recebem comida propositalmente salgada e não
recebem água.
Entre
os participantes da Revolução de 1817, treze presos foram condenados à morte.
Quatro foram fuzilados em Salvador. Em Pernambuco, nove foram enforcados, tendo
depois seus corpos esquartejados, com as cabeças e mãos expostas em diferentes
locais públicos de Pernambuco e da Paraíba, e os troncos amarrados e arrastados
por cavalos até o cemitério.
Fontes
sem confirmação estimam aproximadamente 1600 mortos ou feridos nos combates,
800 degredados (números que se pode considerar exagerados) e 117 presos em
Salvador por quatro anos, até serem anistiados em 1821.
Morreram
ainda como consequência direta no envolvimento da revolução em 1817:
José
Inácio Ribeiro de Abreu e Lima (padre Roma): Nascido em Recife, teólogo e
bacharel em Direito, deixou a vida sacerdotal para dedicar-se à advocacia e à
política. Enviado pelo governo revolucionário à Bahia, foi descoberto, preso,
rapidamente julgado, condenado e fuzilado em 29 de março de 1817 no Campo da
Pólvora em Salvador, três dias depois de ser preso. A execução foi assistida
obrigatoriamente por seu filho, então capitão José Inácio de Abreu e Lima,
posteriormente conhecido como general Abreu e Lima.
João
Ribeiro de Pessoa de Mello Montenegro (padre): Maçom. Nascido em Tracunhaém,
Pernambuco, era professor do Seminário de Olinda e foi eleito presidente da
junta governista revolucionária em Pernambuco. Construiu uma biblioteca
particular em sua residência, disponibilizando volumes para vários companheiros
de ideologia iluminista. Com a derrota da revolução, suicidou-se no interior da
capela do engenho Paulista. Três dias depois de seu suicídio, o corpo enterrado
ao lado da capela foi exumado e mutilado, suas mãos enviadas para Goiana (PE),
e sua cabeça, após ser exibida pelas ruas de Recife ao longo do dia da
exumação, por ordem do governador ficou espetada por dois anos no poste do
pelourinho em frente à Igreja do Corpo Santo, no Recife.
André
de Albuquerque Maranhão (coronel de milícias a cavalo): Nascido em
Canguaretama, Rio Grande do Norte, foi um dos líderes do movimento separatista,
tornando-se presidente do governo provisório no Rio Grande do Norte diante da
pouca ação do padre Dornellas, escolhido para o cargo. Em 26 de abril de 1817,
sentado à mesa dos despachos, teve sua sala invadida pelos
contra-revolucionários. Negou-se a se entregar e reagiu, sendo ferido por
Antônio José Leite Pinho, que o atingiu com a espada. Ferido, foi conduzido
para a Fortaleza dos Três Reis Magos e colocado a noite inteira no chão molhado
de uma cela escura. Agonizou sem assistência e perto de sua morte, seu amigo –
padre Dornellas – prestou-lhe as últimas orações. Morto aos 40 anos, pela
manhã, transportaram seu corpo nu e coberto com sangue coagulado para ser
sepultado sem caixão na Igreja Matriz. Seu cadáver foi enterrado com grilhões.
Em
06 de fevereiro de 1818, por ocasião da aclamação do rei Dom João VI, foi
determinada a suspensão da devassa sobre a revolução e de novas prisões. Os
réus sem culpa comprovada foram libertados, continuando presos em Salvador os
envolvidos que estavam com processo formado.
Em
10 de fevereiro de 1821 são anistiados e libertados 117 rebeldes presos em
Salvador, em um momento que Dom João VI buscava apoio para enfrentar o
crescente questionamento de sua autoridade em Portugal. Entre os libertos
estava o frei carmelita Joaquim do Amor Divino Rabelo Caneca (Frei Caneca) e
outros que participariam da Confederação do Equador em 1824. O padre
Francisco Muniz Tavares e o ex-ouvidor de Olinda, Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada Machado e Silva, recém-saídos da prisão em Salvador, foram eleitos para
representar o Brasil em Portugal nas Cortes Constituintes de 1822.
O
capitão-general Luís do Rego Barreto recrutou grande número de soldados entre a
população pernambucana, formando uma volumosa tropa comandada por oficiais
portugueses de sua confiança. Com a tropa mantinha a população sob rigorosa
vigilância.
Se
era fácil controlar os moradores de Recife e Olinda, o mesmo não ocorria no
interior da capitania, dominado pelos grandes proprietários que possuíam muitos
escravos e moradores pobres dependentes. Isso permitiu que os senhores de
terras se organizassem para resistir às determinações do novo governo, levando
a uma nova revolução na região em 1824, a Confederação do Equador.
A
tradição republicana de Pernambuco lhe trouxe perdas territoriais. Em 16 de
setembro de 1817, como prêmio à colaboração dos alagoanos na revolução, a
Comarca das Alagoas foi desmembrada de Pernambuco, tornando-se uma capitania.
Nova perda ocorreria em 1824, quando após a Confederação do Equador, a Comarca
do São Francisco, que lhe pertencia, seria anexada à Minas Gerais, sendo
transferida em 1827 para a Bahia.
A revolução pernambucana e a
independência do Brasil
Se
a Conjuração Mineira foi o primeiro movimento de caráter republicano na
história brasileira que preocupou as autoridades portuguesas, foi a Conjuração
Baiana, mais ampla e popular em sua composição social e proposta, a primeira
revolução articulada pelas camadas populares que pretendiam uma república
abolicionista, defendendo o fim da escravidão e a participação igualitária de
todas as raças na administração pública.
A
Revolução Pernambucana tem o duplo mérito de ser o primeiro ato concreto de
contestação ao domínio português em solo brasileiro, colocando em prática as
ideias republicanas, e de ser a ocasião em que se inicia a diplomacia no
Brasil, com correspondência partindo do solo brasileiro para outras nações,
tanto por parte da Coroa Portuguesa quanto do governo republicano pernambucano.
Por estes motivos, é considerada o embrião da formação política da atual nação
brasileira.
A
Revolução de 1817 é o marco fundador da História Diplomática do Brasil. Até o
dia 6 de março daquele ano, o Brasil, não somente aos olhos dos próprios
cidadãos que o habitavam, mas aos olhos do mundo, era apenas o território
português na América, antes colônia, e, por aquela época, felizmente
constituído em Reino Unido.Até aquele 6 de março, toda a América
espanhola estava insurgida e revolucionada.O Brasil, entretanto,
permanecia pacificamente português, nem um único sinal conhecia o mundo de um
mais remoto desejo de independência, seja de Portugal, seja da Monarquia da
dinastia de Bragança.
A
correspondência diplomática internacional, a cobertura da imprensa e a própria
consciência das elites na América portuguesa revelam que a Revolução de 1817
fez o Brasil, pela primeira, vez partícipe do movimento libertador que
inflamava o resto do continente. O Brasil surgia não mais como a colônia ou o
reino unido português bragantino, mas como uma entidade nacional com vontade
própria de soberania, com vontade própria de liberdade, com vontade própria de
reorganização social.
Há
um crescente número das pessoas executadas após julgamento. Na Conjuração
Mineira em 1789 foi uma pessoa, na Conjuração Baiana em 1798 foram quatro e na
Revolução Pernambucana em 1817 foram treze.
Em
Pernambuco não houve mudanças nas sentenças iniciais. O número de executados
seria ainda maior, não fosse as intervenções de Dom João VI em 1818,
determinando o fim de novas investigações e prisões, e em 1821, declarando
anistia aos que ainda se encontravam presos, aguardando o final do processo
judicial. Estas atitudes visavam conseguir apoio popular em um momento que o
rei iniciava seu governo, pressionado por fortes nações e ideologias
estrangeiras.
O
aumento no número e nível das punições é sinal inequívoco da necessidade e
dificuldade cada vez maiores das autoridades portuguesas em intimidar e
submeter os brasileiros. Não mais bastavam poucos executados, seguidos de
alguns degredados, para oprimir rebeldes. Julga-se então necessário também
arrastar os corpos à cavalo, fuzilar, condenar à prisão e ao degredo centenas
de pessoas, entre civis, militares e clérigos, pessoas de todas as classes
sociais, representantes de diversas categorias intelectuais e econômicas.
Em
uma avaliação final, pode-se afirmar que as conjurações mineira e baiana
falharam em proclamar a república e a revolução em Pernambuco não conseguiu
mantê-la, mas estes movimentos tiveram destacado papel no processo de pressão
política que conduziu à proclamação da independência do Brasil em 1822.