
Proveniente de
uma amálgama de estilos incluindo o blues – notavelmente os work songs dos
escravos dos EUA - do ragtime e dos spirituals, o jazz foi um dos estilos
autenticamente norte-americanos e passou por uma infinidade de transformações
ao longo do século XX.
Hoje pode ser
coisa de aficionados e intelectuais, mas, até perder seu trono para o pop e o
rock’n’roll nos anos 60, o jazz foi a música mais popular do mundo. De Los
Angeles até Moscou, o jazz passou por cima de todas as tradições locais,
roubando o espaço até da venerável música clássica. E, mesmo onde o
nacionalismo impediu que ele afogasse as tradições, como no Brasil e no resto
da América Latina, deixou uma marca indelével. Como um estilo nascido em
humildes origens, de negros pobres numa das regiões mais pobres dos Estados
Unidos, se tornou a música do mundo?
O jazz surgiu em
Nova Orleans, sul dos EUA, no início do século 20. A cidade “tinha um balanço
especial entre as culturas branca e negra e entre as músicas clássica e
popular, que parecem ter sido características ideais para o surgimento do
Jazz”, afirma o historiador Mervyn Cooke, da Universidade de Cambridge, autor
de The Chronicle of Jazz (sem tradução).
Mas não era só
esse balanço que estava em questão. Ele também existia em Havana, Salvador e
Rio de Janeiro, que deram origem a outros ritmos. Certas coisas boas nascem da
adversidade. Algo que diferenciava Nova Orleans é que estava situada num país
protestante e segregacionista, onde os conflitos raciais eram exacerbados. Logo
após a Guerra Civil e a subsequente abolição da escravidão, foram criados os
Black Codes, leis que restringiam os direitos dos negros. Essas leis proibiram
os tambores africanos – que sobreviveriam no Brasil e em Cuba. Em vez disso, o
mesmo ritmo africano teve de se adaptar a instrumentos europeus. Nas igrejas
segregadas dos negros surgiram os spirituals, canções africanas sem a
percussão, que deram origem ao blues, sua versão secular. E, de forma
impressionante, o ritmo dos tambores foi transferido para o piano. Era o
ragtime, uma marcha com acompanhamento politônico, feito com outra mão ou um
segundo pianista, um ritmo tipicamente africano adaptado ao instrumento. O
ragtime era tocado pelos negros e mestiços mais abastados, que tinham a
educação musical formal. Os pobres ficavam com os blues.
Mas foram
necessárias outras condições peculiares. Nova Orleans tem festivais de rua,
herança de sua colonização francesa e católica (a região foi comprada de
Napoleão em 1803). Os protestantes que fundaram os EUA não celebravam o
Carnaval, ali chamado Mardi Gras. Outra tradição única de Nova Orleans é o uso
de música em velórios.
Nos tempos da
colonização francesa e escravidão, usavam-se bandas marciais nessas ocasiões,
que tocavam marchas. Quando os negros foram libertados, tomaram parte na
celebração com os mesmos instrumentos, o que ficou conhecido como as brass
bands. Nessas ocasiões, os adeptos do blues e do ragtime se encontravam. Alguns
seguiam a partitura, e os que não sabiam se viravam. Era o nascimento do
improviso, uma das características definidoras do jazz. “Havia muitos estilos
de música que misturavam tradições ocidentais e africanas, mas o jazz dominou,
porque era o mais flexível de todos”, afirma Ted Gioia, autor de diversos
livros sobre o jazz.
Um impulso da
guerra
O jazz nasceu em
Nova Orleans, mas poderia ter continuado a ser uma especialidade regional, como
o gumbo e o jambalaya, pratos típicos da cidade. Foi a Primeira Guerra que
abriu caminho para a dominação global.
Primeiro, o jazz
fincou os pés na Europa. Músicos do exército norte americano apresentaram o som
aos ouvidos europeus. Segundo, uma contingência de guerra levou ao fechamento
de Storyville, o bairro da luz vermelha de Nova Orleans. Uma base militar foi
aberta na cidade, e, pelos regulamentos do Exército, os prostíbulos tiveram de
sair. Isso fez com que muitos músicos, desempregados, tivessem de se mudar, se
estabelecendo em Chicago, que se tornaria a nova capital do jazz. Mas, talvez,
o mais importante é a mudança de atitude surgida no pós-guerra. O trauma do
confronto quebrou uma secular cultura de estabilidade. As pessoas não queriam
mais viver como seus pais, sob inabaláveis valores morais que não se alteravam
entre as gerações. Nos EUA e na Europa, os anos 20 foram uma época de
hedonismo, e sua trilha sonora foi o jazz.
“O jazz é ideal
para dançar, e foi associado com danças novas e na moda, e daí encampado por
consumidores joviais”, afirma Mervyn Cooke. A dança do jazz era nova. E isso
tem a ver com sua origem. “Na música europeia, as partes de um compasso são
divididas de forma proporcional. A música africana é naturalmente assimétrica”,
diz Hermilson Nascimento, professor do Departamento de Música do Instituto de
Artes da Unicamp. Isso quer dizer que, com a música europeia, pode-se dançar
valsa, um passo para lá, outro para cá. Com uma música africana e seu ritmo
sincopado, com divisões assimétricas, a dança é mais livre – e nunca antes havia
sido experimentada.
Reações
tradicionalistas
Utilizado entre
o fim dos anos 1910 e começo da década de 1920, o termo "jazz" foi
utilizado para designar um tipo de música que nascia em localidades como Nova
Iorque, Chicago e New Orleans, onde surgiram os pioneiros e principais
expoentes do gênero: a Original Dixieland Jass Band e a Original Creole Jazz
Band. Especialmente em Chicago, os nomes mais importantes eram Louis Armstrong
e Bix Beiderbecke, seguidos pelos músicos de Nova Iorque, Fats Waller e
Fletcher Henderson. A partir do ano de 1930 o gênero já se encontrava
proeminente e com diversas grandes orquestras consolidadas. Entre elas,
destacam-se as de Earl Hines, Count Basie, Duke Ellington e Cab Calloway.
Ainda na década
de 1930 ocorre o surgimento de uma vertente mais popular do jazz, chamada de
swing. Era um ritmo mais dançante com imensa aceitação na época. A partir do
ano de 1945 um estilo de jazz chamado bebop surge com um ritmo mais fechado ao
gosto popular, radicalizando-se a partir dos anos 1950, quando virou o hard
bop. Ainda em 50, o estilo contou com nomes como Bill Evans, Thelonious Monk,
Gerry Mulligan, João Gilberto, Frank Sinatra, Art Blakey, Clifford Brown, Tom
Jobim, Oscar Peterson e Charles Mingus. Em detrimento do som mais agressivo
destes dois estilos, surge no mesmo período o cool jazz, apresentando uma
proposta mais intelectual.
Em contraponto a
estes estilos menos populares, um dos maiores nomes da história do jazz foi
Glenn Miller, nascido em 1904. Miller foi um bandleader da era do swing e um
dos artistas com maior número de vendas entre os anos de 1939 e 1942, fazendo
música popular e liderando uma das mais importante big bands do período.
Na década de
1960 surgiu o freejazz, criado nos EUA por músicos como John Coltrane e Rashied
Ali. Com origem no bebop, propunha improvisação e liberdade musical aos
instrumentistas. Entre outras fusões, uma das mais notáveis foi a fusão do jazz
com o rock’n’roll. Atualmente há espaço para diversos gêneros de jazz. Essas
vertentes vão de dixieland ao experimentalismo do freejazz, passando pelos
standards e por composições mais ambiciosas.
Na década de 30,
o jazz passou a ser associado a tudo o que era novo. “O avant-garde cultural o
saudava como a música da era da máquina, a música do futuro, a força
revitalizadora da selva primitiva, e assim por diante”, escreveu o historiador
britânico Eric Hobsbawm em A História Social do Jazz. Fundado em 1931, o Hot
Club de France revelou Django Reinhardt, o primeiro grande nome do jazz
europeu. Por toda a Europa, artistas norte-americanos passaram a fazer turnês, atraindo
multidões.
Na Alemanha
nazista, o jazz foi proibido em 1933 – não só Hitler se opunha ao modernismo em
geral e considerava os negros inferiores, mas muitos artistas brancos do jazz
eram judeus. Na União Soviética, Stalin tinha ideias similares a respeito da
arte moderna, tida por burguesa e incompreensível para o povo. O “realismo
soviético” foi aplicado à música, e o jazz foi perseguido nos anos 30 e 40. Na
época, o Brasil vivia a ditadura nacionalista de Vargas, tentando construir uma
identidade não europeia. O jazz também estava estabelecido por aqui, dando
origem a um ritmo híbrido, a música de gafieira. Mas o samba foi “purificado”
das influências externas meio que por decreto – o primeiro desfile das escolas
de samba, em 1932, proibia instrumentos de sopro. Críticos e a propaganda
governamental só valorizavam o “autêntico”.
O jazz não
roubaria o lugar da música nativa, como na Europa, mas brasileiros continuariam
a ouvir e aderir, mesmo sob patrulha nacionalista. Nos anos 50, não faltou quem
criticasse a bossa nova por suas supostas similaridades com o cool jazz –
talvez por isso ela tenha se tornado o maior sucesso de exportação da cultura
do Brasil.
A vitória dos
EUA na Segunda Guerra colocou o país em sua atual posição de domínio sobre a
cultura do Ocidente. O jazz foi vendido como a música da liberdade e Louis
Armstrong fez concertos patrocinados pela CIA. Nem precisava. O jazz já havia
vencido sozinho.
SAIBA MAIS
Livros
História Social
do Jazz, Eric Hobsbawm, Paz e Terra, 2010
The Chronicle of Jazz, Mervyn Cooke, Abbeville Press,
1998
Documentário
Documentário
Jazz -
Um Filme De Ken Burns 2001