
Acusado
de alta traição, o veredito para o monarca deposto foi a pena de morte.
Em
11 de dezembro de 1792, é iniciado o julgamento do rei deposto Luis XVI, na
França. Ele foi acusado de alta traição por tentar fugir ao estrangeiro e de
ter conspirado com potência estrangeira.
Apesar
de uma equipe tentar fazer sua defesa em 26 de dezembro, o veredito, dado em 20
de janeiro, foi a pena de morte. No dia seguinte, ele foi executado na
guilhotina, na Praça da Revolução, hoje Praça da Concórdia. Sua esposa, Maria
Antonieta, foi executada nove meses depois.
Entenda
o contexto
Luís
XVI foi o último rei da França antes da Revolução Francesa. Durante a
revolução, ele perdeu seu reino e, depois, sua vida.
Primeiros
anos
Luís
nasceu em 23 de agosto de 1754, em Versalhes, na França. Quando tinha apenas
quinze anos, casou-se com Maria Antonieta da Áustria. Seu avô, o rei Luís XV,
morreu em 1774, e Luís se tornou rei no mesmo ano.
Em
1789, Luís XVI tinha 35 anos e reinava havia quase 15. Preparado para seu
ofício de rei por seu avô, Luís XV, era leitor assíduo, um amante das ciências
e das técnicas e, provavelmente, um dos príncipes mais cultos a ascender a um
trono europeu até então. Lia emitaliano, inglês e espanhol. Em seus pequenos
apartamentos de Versalhes, dispunha de bibliotecas destinadas a seu uso
exclusivo, além de salas de geografia, física e artilharia. Dotado de uma
sólida constituição física, esse homenzarrão (media 1,92 metros) era, como
todos os Bourbons, um caçador apaixonado.
Quando
criança, apresentaram-lhe como um modelo acabado de virtude o seu irmão mais
velho, o duque de Borgonha, morto prematuramente de tuberculose, em 1761. Já
seus irmãos menores, o conde de Provença e o conde de Artois, eram considerados
mais talentosos e amáveis do que ele. Desajeitado e taciturno, o duque de Berry
não brilhava nem na dança nem na conversação. Caminhava de maneira oscilante.
Ironizavam seu gosto por trabalhos manuais e artesanais – daí a lenda do “rei
serralheiro”.
Naqueles
tempos de libertinagem, o muito tímido Luís só consumou seu casamento com Maria
Antonieta da Áustria depois de sete anos; tiveram uma filha em 1778, um delfim
em 1781 e um segundo filho em 1785. Frívola, esbanjadora, dominada por um grupo
restrito da corte, a rainha, impopular, contribuiu bastante para enfraquecer a
posição e a imagem de um marido que ela, ao cabo, desprezava.
Luís
XVI realizou reformas internas e obteve sucessos externos – o mais notável foi
a independência das colônias britânicas da América do Norte, reconhecida pela
Grã-Bretanha em 1783 –, mas o rei e o regime estavam inegavelmente
fragilizados.
CERIMONIAL
HERDADO DE LUÍS XIV
Nascido
e criado sob a proteção de Versalhes, Luís só deixou a Île-de-France uma vez,
para uma curta viagem a Cherbourg, em 1786. Ele possuía apenas um conhecimento
livresco de seu reino ou de qualquer outro e vivia isolado da vida da capital e
pouco prestava atenção aos movimentos da opinião pública. Prisioneiros do
cerimonial herdado de Luís XIV, Luís XVI e Maria Antonieta eram compelidos a se
voltar para suas vidas privadas: o Pequeno Trianon e a Pequena Aldeia (Petit
Hameau) da rainha refletiam até a caricatura essa restrição progressiva,
atingindo dimensões de uma vida campestre quase simples.
O
estilo de governo de Luís XVI foi dos mais incertos. Ainda que consciencioso e
trabalhador, o monarca não tinha nem o gosto pelo poder nem a perspicácia que
faz os grandes políticos. Ele inaugurou seu reinado com a demissão dos
ministros de Luís XV, cujo autoritarismo era odiado, e chamou o conde de
Maurepas, antigo cortesão destituído por seu avô em 1749. Em seguida, a
instabilidade ministerial se instalou: secretários de Estado e
controladores-gerais caíram uns após os outros, vítimas de intrigas de corte ou
da dificuldade crescente das finanças.
O
controlador-geral Jacques Turgot, demitido em 1776, enviou ao rei uma carta
profética: “Falta-vos experiência, Majestade! Sei que aos 22 anos, e na vossa
posição, o senhor não tem o recurso que o hábito de viver com iguais dá aos
particulares para julgar os homens (...). Vossa Majestade não tem a experiência
pessoal, mas para sentir os reais perigos de vossa posição, não possuis a
experiência tão recente de seu avô? Não vos esqueçais, Majestade, que é a
fraqueza que colocou a cabeça de Carlos I (rei da Inglaterra decapitado em
1649) no cepo (...). Ela que provocou todas as desgraças do último reino.
Consideram-no fraco, Majestade, e há ocasiões em que temo que vosso caráter tenha
esse defeito”.
IMPOTÊNCIA
POLÍTICA
Sucederam
a Turgot Clugny (1776) Necker (1776-1781), Joly de Fleury (1781-1783),
D’Omersson (1783), Calonne (1783-1787), depois vários tecnocratas
insignificantes colocados sob a tutela do ambicioso Loménie de Brienne,
arcebispo de Toulouse. Este último, antes de, por sua vez, ser também
defenestrado, convenceu o rei a convocar os Estados Gerais, que não tinham se
reunido desde 1614.
Necker,
chamado em 1788, revelou-se incapaz de preparar as eleições e de propor ao rei
um plano de ação em vista da reunião dos estados, que ocorreriam em Versalhes
em 5 de maio de 1789. Às vésperas da revolução, a dívida do Estado havia
atingido um nível tal que os pagamentos das despesas correntes não estavam mais
garantidos, salvo se o rei conseguisse impor as reformas fiscais necessárias.
A
partir de 1787, a desordem se instalara no reino, e alguns historiadores veem
nesse período uma “pré-revolução”. Hesitando, submetendo-se a influências
contraditórias, desconfiando de seus ministros, Luís se mostra tomado por sua
impotência política. Esses traços de personalidade explicam por que, diante da
aceleração da história que ocorreu a partir de 1789, Luís XVI não demorou a
adotar uma atitude passiva.
A
cada fase do processo revolucionário, o monarca “cede”, sem aderir ou tentar
conduzir o novo curso das coisas: em junho, sob pressão das ruas, reconhece a
constituição do terceiro estado, que representava a burguesia e os setores
populares, em Assembleia Nacional; em 16 de julho, após a Tomada da Bastilha,
aceita chamar novamente Necker, que havia demitido uma semana antes; em 6 de
outubro, é levado à força pela massa parisiense, de Versalhes para as
Tulherias, onde deveria se instalar, tornando-se prisioneiro de sua capital. O
povo o queria em Paris.
No
ano seguinte, o rei sanciona a Constituição Civil do Clero, a qual reprova em
seu foro íntimo. Em alguns meses, a monarquia absoluta havia desaparecido.
Surdo às ordens dos apoiadores das novas ideias, Luís XVI se negaria a ficar à
frente da revolução. Fiel às doutrinas do absolutismo, lamentou o abandono da
soberania que teve de consentir em benefício da Assembleia Nacional.
DECISÕES
ARRANCADAS À FORÇA
Luís
revelou por completo seu pensamento em uma carta secreta enviada ao rei da
Espanha, Carlos IV, em 12 de outubro de 1789: ele afirmou sua recusa em “deixar
aviltar entre suas mãos a dignidade real que uma longa sequência de séculos
confirmou em sua dinastia” e manifestou a seu primo um “protesto solene”
“contra todos os atos contrários à autoridade real que lhe foram arrancados
pela força em 15 de julho último”. Essa atitude reticente, facilmente percebida
pela opinião pública, alimentou a radicalização dos adversários da monarquia.
Por
seu lado, Luís XVI evitou afirmar abertamente sua oposição aos representantes
da nação – ele que se sentia o primeiro representante de seu povo. Seja por
incapacidade, seja pelo desejo de salvaguardar uma unanimidade em torno da
monarquia que havia muito não mais existia, ele se negou a tomar a direção de
um “partido do rei”, cuja organização Mirabeau lhe propôs, em 1790, e deixou
sem um apoio muitos franceses de todas as classes que continuavam ligados aos
princípios do regime monárquico.
Entre
recuos e abstenções, Luís XVI nunca conseguiu retomar o cetro que lhe caiu das
mãos no verão de 1789. Um observador estrangeiro naqueles dias julgou-o
“incapaz de reinar”. Seu único ato essencialmente político naquele momento foi a
sua tentativa de fuga que terminou tragicamente em um vilarejo próximo da
floresta de Argonne cujo nome ecoaria dali em diante: Varenne.
Thierry
Sarmant, curador-chefe do Museu Carnavalet, é autor de 1715: la France et le
monde (Perrin, 2014)