A Guerra Irã-Iraque foi um conflito militar entre o
Irã e o Iraque entre 1980 e 1988, resultado de disputas políticas e
territoriais entre ambos os países.
Em
1980, o presidente Saddam Hussein,
do Iraque, revogou um acordo de 1975 que cedia ao Irã cerca de 518 quilômetros
quadrados de uma área de fronteira ao norte do canal de Shatt-al-Arab em troca
da garantia de que o Irã cessaria a assistência militar à minoria curda no
Iraque que lutava por independência.
Exigindo
a revisão do acordo para demarcação da fronteira ao longo do Chatt al-Arab (que
controla o porto de Basra), a reapropriação de três ilhas no estreito de Ormuz
(tomado pelo Irã em 1971) e a cessão de autonomia às minorias dentro do Irã, o
exército iraquiano, em 22 de Setembro de 1980, invadiu a zona ocidental do Irã
e, contando com o elemento surpresa, avançou no território iraniano.
O
Iraque também estava interessado na desestabilização do governo islâmico de
Teerã e na anexação do Cuzistão, a província iraniana mais rica em petróleo.
Segundo os iraquianos, o Irã infiltrou agentes no Iraque para derrubar o regime
de Saddam Hussein. Além disso, fez intensa campanha de propaganda e violou
diversas vezes o espaço terrestre, marítimo e aéreo iraquiano. Ambos os lados
foram vítimas de ataques aéreos a cidades e a poços de petróleo.
Saddam Hussein |
Iraque
esperava uma guerra rápida, pois contava com um moderno exército equipado pela
ex-URSS. Outros países muçulmanos, como o Kuwait e a Arábia Saudita, também lhe
davam apoio financeiro, na esperança de enfraquecer o regime de Teerã. O Irã
estava isolado internacionalmente, pois considerava os EUA e a ex-URSS
igualmente como inimigos. Como vantagem, o Irã contava apenas com uma população
bem superior. O exército iraquiano engajou-se em uma escaramuça de fronteira
numa região disputada, porém não muito importante, efetuando posteriormente um
assalto armado dentro da região produtora de petróleo iraniana. A ofensiva
iraquiana encontrou forte resistência e o Irã recapturou o território.
O
aiatolá Khomeini
|
Em
1981, somente Khorramshahr caiu inteiramente em poder do Iraque. Em 1982, as
forças iraquianas recuaram em todas as frentes. A cidade de Khorramshahr foi
evacuada. A resistência do Irã levou o Iraque a propor um cessar-fogo, recusado
pelo Irã (os iranianos exigiram pesadas condições: dentre elas a queda de
Hussein). Graças ao contrabando de armas (escândalo Irã-Contras), o Irã
conseguiu recuperar boa parte dos territórios ocupados pelas forças iraquianas.
Nesse mesmo ano, o Irã atacou o Kuwait e outros Estados do Golfo Pérsico. Nessa
altura, a Organização das Nações Unidas e alguns Estados Europeus enviaram
vários navios de guerra para a zona. Em 1985, aviões iraquianos destruíram uma
usina nuclear parcialmente construída em Bushehr e depois bombardearam alvos
civis, o que levou os iranianos a bombardear Basra e Bagdá. Entre 1984 e 1987 a
guerra terrestre passou para uma fase onde predominou o atrito, que favoreceu o
desgaste iraquiano, enquanto o conflito transbordava para o Golfo Pérsico,
envolvendo o ataque iraniano a navios petroleiros que saiam do Iraque e o uso
de minas submarinas nas proximidades da fronteira marítima dos dois países.
Mas,
em meados da década de 1980, a reputação internacional do Iraque ficou abalada
quando foi acusado de ter utilizado armas químicas contra as tropas iranianas,
embora tenha acusado o Irã de fazer o mesmo (1987-1988).
A
guerra entrou em uma nova fase em 1987, quando os iranianos aumentaram as
hostilidades contra a navegação comercial dentro e nas proximidades do Golfo
Pérsico, resultando na ampliação da presença de navios norte-americanos e de
outras nações na região. Oficiais graduados do exército iraniano começaram a
perder credibilidade à medida que suas tropas sofriam perdas de armas e
equipamentos, enquanto o Iraque continuava a ser abastecido pelo Ocidente. O
conflito começou a efetivamente preocupar as potências quando atingiu o fluxo
regular de petróleo, na medida em que os beligerantes passaram a afundar navios
e instalações petrolíferas, prejudicando grandes fornecedores como o Kuwait. A
partir disso, começaram as pressões mundiais pela paz. No princípio de 1988, o
Conselho de Segurança da ONU exigiu um cessar-fogo. O Iraque aceitou, mas o
Irã, não. Em Agosto de 1988, hábeis negociações levadas a cabo pelo
secretário-geral da ONU, Perez de Cuéllar, e a economia caótica do Irã levaram
a que o país aceitasse que a Organização das Nações Unidas (ONU) fosse
mediadora do cessar-fogo. O armistício veio em julho e a paz foi restabelecida
em 15 de agosto.
Em
1990, o Iraque aceitou o acordo de Argel de 1975, que estabelecia fronteira com
o Irã. Não houve ganhos e as perdas foram estimadas em cerca de 1,5 milhão de
vidas. A guerra destruiu os dois países e diminuiu o ímpeto revolucionário no
Irã. Em 1989, o aiatolá Khomeini morreu. A partir de então, o governo iraniano
passou a adotar posições mais moderadas. Em Setembro de 1990, enquanto o Iraque
se preocupava com a invasão do Kuwait, ambos os países restabeleceram relações
diplomáticas.
Relações Irã-Iraque
Desde
as guerras entre os Otomanos e os impérios Persas nos séculos XVI e XVII, o
principal objetivo dos conflitos era conquistar a rica (em recursos naturais)
região da Mesopotâmia e tomar as abundantes rotas de água de Chatt al-Arab e
Arvand. Tudo foi aparentemente resolvido pelo Tratado de Zuhab, de 1639, que
estabeleceu as fronteiras entre o Irã e o Iraque. A região de Chatt al-Arab continham
canais que ajudavam a escoar petróleo e em 1937, o Irã e o recém independente
Iraque assinaram um novo tratado para evitar um conflito. Nesse mesmo ano, os
dois países assinaram o Pacto de Saadabad e as suas relações ficaram boas nas
décadas seguintes.
O
tratado de 1937 reconheceu que a fronteira entre as nações nas margens baixas
dos rios no lado oriental de Chatt al-Arab, exceto as cidades iranianas de
Abadan e Khorramshahr, que permanecia na linha alta do rio (talvegue). Assim, o
Iraque controlava boa parte das zonas ao norte do canal Chatt, forçando o Irã a
ter que pagar taxas para ter acesso a região.
Em
1955, ambos os países aceitaram o chamado Pacto de Bagdá. Contudo, a derrubada
dos Hachemitas do poder no Iraque em 1958 fez ascender um novo governo
nacionalista que se propôs a abandonar o pacto. Em 18 de dezembro de 1959, o
novo líder iraquiano, o general Abdul Karim Qassim, declarou: "nós não
desejamos nos referir a história das tribos árabes que residem em al-Ahwaz e
Mohammare (Khorramshahr). Os otomanos entregaram Mohammareh, que era parte do
Iraque, para o Irã". O descontentamento iraquiano se focava,
principalmente, na posse do Irã da região rica em petróleo do Khuzistão (ou
Arabistão, para o Iraque) onde havia uma enorme população árabe no meio de um
país de maioria persa. Os iraquianos passaram a apoiar movimentos
secessionistas no Khuzistão e levantou as questões de disputa de fronteiras em
um encontro na Liga Árabe, mas nada foi acertado.
O
Iraque começou a mostrar mais relutância em aceitar os acordos fronteiriços
previamente assinados com o Irã, especialmente após a morte do presidente
egípcio Gamal Abdel Nasser, em 1970, e a subida ao poder do Partido Baath no
Iraque em 1968, com o país agora se declarando o novo "líder do Mundo
Árabe". Ao mesmo tempo, no fim dos anos 60, o poder do imperador iraniano,
o Xá Mohammad Reza Pahlavi, cresceu e ele começou a expandir suas forças
militares, o que aumentou a proeminência do Irã na região.
Em
abril de 1969, o Irã revogou o tratado de 1937 que estabeleceu o controle de
Chatt al-Arab aos iraquianos. Assim eles pararam de pagar taxas para ter acesso
aos canais d'água do sul do Iraque, para escoar sua produção de petróleo. O Xá
iraniano defendeu esta postura afirmando que todas as fronteiras de nações no
mundo baseadas em rios seguiam as talvegues, e ainda disse que a maioria dos
navios que utilizavam a região já eram iranianos, o que fazia com que o tratado
de 1937 fosse prejudicial e injusto para com o país. O Iraque ameaçou ir a
guerra contra o Irã, mas em 24 de abril de 1969, os petroleiros iranianos
passaram a ser escoltados por navios de guerra enquanto desciam o rio e como os
iraquianos tinham uma marinha inferior, eles não tinham como se opor.
A
revogação do tratado de 1937 pelo Irã iniciou um período de tensões contínuas
entre os países que durou até os acordos de Argel de 1975. Em 1969, Saddam
Hussein, o primeiro-ministro iraquiano e segundo homem mais forte do país,
afirmou: "a disputa do Iraque com o Irã está conectado ao Khuzistão, que é
parte do nosso território e foi anexado pelos iranianos". Logo, a rádio
iraquiana começou a transmitir para o "Arabistão", encorajando a
população árabe e até os balúchis no Irã para se rebelar contra o governo do
Xá. Estações de TV de Basra começou a se referir ao Khuzistão como parte da
Nasssíria, renomeando as cidades da região com nomes árabes.
Em
1971, o Iraque Baathista (agora sob a de facto liderança de Saddam) rompeu
relações diplomáticas com o Irã afirmando que eles tinham soberania sobre a
ilha Abu Musa, e a Grande e Pequena Tunb, no Golfo Pérsico, após a retirada
britânica da região. Como retaliação ao fato do Iraque ter clamado soberania
sobre o Khuzistão, os iranianos começaram a auxiliar os movimentos rebeldes
curdos na década de 1970. Os dois países começaram então a fomentar movimentos
separatistas na nação vizinha, com o Iraque apoiando os árabes no Khuzistão e
no Baluchistão e os iranianos incentivando a revolta no Curdistão. Entre 1974 e
1975, confrontos na fronteira foram reportados. Em 1975, o Iraque lançou uma
ofensiva contra o Irã, mas não foram bem sucedidos. Outros combates se
seguiram. Contudo, os iranianos tinham um poderoso exército no período. Assim,
os iraquianos decidiram maneirar na retórica belicosa e até fez concessões a
Teerã na questão curda.
Nos
Acordos de Argel de 1975, o Iraque cedeu em algumas questões sobre o controle
de Chatt al-Arab, em troca da volta da normalização das relação entre os dois
países. O Iraque até reconheceu a demarcação da fronteira pelas margens dos
talvegues, com o Irã, em troca, parando de apoiar os rebeldes curdos no norte.
Muitos iraquianos viram o acordo de Argel como uma humilhação. Contudo, o
acordo também pôs um fim no apoio iraniano e americano a milícia curda
Peshmerga, que garantiu que os iraquianos esmagassem a revolta no Curdistão,
ceifado mais de 20 000 vidas.
A
relação entre as duas nações melhorou entre 1975 e 1978, quando agentes
iranianos descobriram planos de um golpe pró-soviético contra o governo
iraquiano. Quando informado disso, Saddam ordenou múltiplas execuções e, em um
gesto conciliatório, expulsou do Iraque o clérigo iraniano Ruhollah Khomeini,
um opositor ao governo do Xá. Apesar disso, Saddam considerava os Acordos de
Argel como apenas uma trégua e não como uma solução definitiva para a crise
fronteiriça.
Depois
de um período de calmaria, as relações entre o Irã e o Iraque rapidamente se
deterioraram após a Revolução Iraniana. O novo regime em Teerã pregava o
pan-islamismo, em contraste com o nacionalismo árabe baathista iraquiano.
Apesar de ainda exigir soberania completa sobre a região de Chatt al-Arab, o
governo iraquiano inicialmente saudou a revolução no país vizinho, que derrubou
o governo do Xá, que outrora havia sido inimigo de Bagdá. Não se sabe quando a
relação entre as duas nações começou a cambalear, mas choques na fronteira logo
começaram, a maioria instigadas pelo Irã.
Com
as tensões na fronteira voltando a crescer, o Aiatolá iraniano, Ruhollah
Khomeini, conclamou a população iraquiana a se levantar e derrubar o governo
Ba'ath, em um movimento que gerou muita irritação em Bagdá. Em 17 de julho de
1979, apesar das declarações de Khomeini, Saddam deu um discurso elogiando a
revolução iraniana e pediu uma revigoração das relações Irã-Iraque baseado na
não interferência mutua nos assuntos internos de cada nação. Quando o aiatolá
do Irã rejeitou as palavras de Hussein e voltou a pedir por uma revolução
islâmica no Iraque, o governo baathista ficou alarmado. A nova administração em
Teerã afirmava que o governo baath era irracional.
Além
das disputas fronteiriças, um dos principais fatores da guerra foi o medo que o
governo iraquiano tinha do Irã "exportar" sua revolução, medo este
compartilhado por países da região (especialmente do Golfo Pérsico). O Iraque
era um dos poucos países de maioria xiita no mundo muçulmano, mas ainda assim
era governado pela minoria sunita. A maioria da população iraniana também era
xiita e Saddam temia que os xiitas em sua própria nação seguisse o exemplo do
país vizinho e se rebelasse contra o governo central em Bagdá.
Apesar
dos pedidos de Khomeini para que a população xiita iraquiana se rebelasse, o
regime iraquiano mantinha-se firme e o aparato estatal frustrava qualquer
possibilidade de golpe. De acordo com algumas fontes, a hostilidade de Khomeini
para com Saddam era na verdade mais branda do que de alguns líderes árabes
vizinhos. A principal justificativa que Saddam usou para a guerra foi
"consertar os erros" do Acordo de Argel de 1975, além do seu desejo
de anexar a região do Khuzistão e dele próprio de se tornar um líder no mundo
árabe. O ditador iraquiano queria que seu país se tornasse o novo Egito de
outrora, que nas últimas duas décadas, liderava o movimento nacionalista árabe.
Ao mesmo tempo, ele queria exercer poder hegemônico sobre o Golfo Pérsico.
Saddam acreditava que o Irã estava muito enfraquecido devido ao caos da
revolução, além das sanções e do isolamento internacional. Desde que chegou ao
poder, Hussein estava obcecado em criar o exército mais poderoso da região,
comprando enormes quantidades de equipamento da União Soviética e até da
França. No começo de 1980, ele tinha mais de 200 000 soldados ativos, 2 000
tanques e 450 aeronaves. A lenta desintegração do outrora poderoso exército
iraniano, deu ao Iraque uma oportunidade única de atacar e anexar os
territórios em disputa. Para buscar apoio externo, Saddam afirmou que estaria
contendo a influência da revolução iraniana, algo que os demais países do Golfo
temiam.
Caso
a invasão do Irã pelos iraquianos fosse bem sucedida, o Iraque seria dono de
uma das maiores reservas de petróleo do mundo e se consolidaria como uma
potência regional dominante. A situação do Irã pós-revolução era caótica, dando
a Saddam a oportunidade de anexar a província do Khuzistão, rica em petróleo.
Além disso, o Khuzistão tinha uma grande população árabe (em contraste com o
resto do Irã que era majoritariamente formado por persas). Saddam imaginava que
teria a simpatia deste povo e que uma invasão poderia até instigar uma revolta
da minoria árabe dentro do Irã contra a maioria persa. Países vizinhos do
Golfo, como a Arábia Saudita e o Kuwait (apesar do seu desgosto com Saddam)
encorajaram o Iraque a atacar, já que eles temiam que a revolução iraniana
chegasse perto de suas fronteiras e ameaçassem seus governos. Exilados
iranianos também ajudaram a convencer os iraquianos a invadir, dizendo que o
enfraquecido regime islâmico em Teerã cederia rapidamente.
No
período de 1979 a 1980, os iraquianos tomaram proveito do aumento do preço do
petróleo, rendendo bilhões para o governo. Assim, o Iraque conseguiu investir
em diversas áreas, criando uma boa infraestrutura interna e um exército
poderoso. Em contraste com o novo regime iraniano, o Iraque era um país com um
governo secular.
No
final da década de 70 e começo da de 80, movimentos anti-Ba'ath dentro da
população xiita iraquiana pretendiam iniciar uma revolução islâmica no seu
país. Saddam e seu governo acreditava que estas manifestações eram inspiradas,
instigadas ou até arquitetadas pelos iranianos. A 10 de março de 1980, quando o
Iraque declarou o embaixador iraniano no seu país como persona non-grata, e
exigiu sua retirada do país em cinco dias, o Irã respondeu rompendo relações
diplomáticas com Bagdá. Em abril de 1980, o aiatolá iraquiano xiita Mohammad
Baqir al-Sadr e sua irmã Amina Haydar (conhecida como Bint al-Huda) foram executados
a mando de Saddam Hussein. Esta execução gerou indignação na comunidade
muçulmana regional, especialmente entre os xiitas.
O
governo iraquiano então começou a expropriar mais de 70 000 civis de origem
iraniana e os expulsou do país. A maioria dessas pessoas eram, na verdade,
descendentes de árabes e xiitas, sem muitos laços com o Irã. Isto deteriorou
ainda mais a relação entre os países.
Em
abril de 1980, militantes xiitas assassinaram pelo menos vinte oficiais do
partido Ba'ath. Já o vice primeiro-ministro do Iraque, Tariq Aziz, foi quase
morto em 1 de abril. Aziz sobreviveu mas o atentado contra ele tirou a vida de
onze pessoas. Três dias depois, no enterro destas pessoas, houve um atentado a
bomba. Outro ministro que escapou da morte foi o da informação, Latif Nusseif
al-Jasim. Militantes xiitas também foram os responsáveis. O princípio de uma
insurreição xiita no Iraque, apoiada pelos iranianos, fez com que Saddam visse
o Irã como uma grave ameaça a sua permanência no poder. Ele usou isso mais
tarde como desculpa para atacar o país vizinho.
Tentando
revidar na mesma moeda das revoltas xiitas, os iraquianos queriam instigar uma
revolta entre a população curda no Khuzistão (região que Saddam pretendia
anexar), apoiando suas disputas trabalhistas e lhes dando apoio militar contra
a Guarda Revolucionária iraniana. O Iraque também apoiava a revolta do Partido
Democrático do Curdistão iraniano contra Teerã. O mais notável evento foi o
cerco da embaixada do Irã em Londres, onde seis insurgentes árabes
khuzistãonenses fizeram o pessoal da embaixada de refém, antes de serem mortos
por forças especiais britânicas.
De
acordo com o general iraquiano Ra'ad al-Hamdani, em adição a possibilidade de
incitar uma revolta entre a população árabe iraniana, a conquista de Teerã e a
expulsão da Guarda Revolucionária da região, poderia levar a uma
contrarrevolução dentro do Irã, levando a um colapso do regime de Khomeini.
Contudo, ao invés de se voltar contra o próprio governo, a população iraniana
(incluindo a de origem árabe) botou suas diferenças de lado para defender seu
país da agressão externa. A luta por parte da população do Irã não teve só
caráter nacionalista, mas religioso, com a liderança xiita iraniana convocando
uma guerra santa contra os iraquianos para defender a nova República Islâmica.
Preparações iraquianas
Os
iraquianos fizeram suas preparações para a ofensiva confiantes que se sairiam
vitoriosos. O Irã não tinha uma liderança coesa e seu exército sofria com a
falta de equipamentos. O Iraque, por outro lado, possuía um exército fortemente
armado e bem treinado, com mais de 200 000 homens, 2 000 tanques e 450 aeronaves.
Saddam mobilizou 12 divisões mecanizadas e a moral estava alta entre as tropas.
Durante os anos 70, o regime baathista havia reconstruído as forças armadas do
país, primordialmente com equipamentos vindos da União Soviética.
A
região sul era cheia de rios e pântanos mas os iraquianos possuíam sofisticados
equipamentos para atravessa-los. O Iraque corretamente deduziu que as margens
dos rios Kharkeh e Karoun estariam sendo pouco protegidos e seriam facilmente
superados. A inteligência iraquiana também afirmou que a região do Khuzistão
estava guarnecida com tropas mal equipadas e por batalhões com pouco pessoal
disponível. Também havia poucos tanques prontos.
A
única preocupação do Iraque era com a força aérea iraniana. Apesar dos expurgos
de diversos oficiais e da falta de materiais (como peças de reposição para as
aeronaves), ela ainda era muito poderosa e havia mostrado profissionalismo e
força enquanto sufocava movimentos contrarrevolucionários no país. Eles também
demonstraram bom desempenho durante a tentativa de resgate americana (Operação
Eagle Claw) para tentar libertar os reféns em Teerã. Assim, a liderança militar
iraquiana decidiu lançar ataques aéreos contra as bases da aviação iraniana
logo na primeira fase da invasão como alvo de prioridade.
Preparações iranianas
No
Irã, vários expurgos aconteceram (muitas execuções foram ordenadas por Sadegh
Khalkhali, um dos mais importantes juízes das Cortes Revolucionárias), causando
problemas de falta de pessoal qualificado. Havia também a falta de materiais e,
acima de tudo, de peças de reposição para os equipamentos de origem americana.
Isso tudo causou o enfraquecimento de sua outrora poderosa forças armadas.
Entre fevereiro e setembro de 1979, o governo iraniano executou 85 generais e
forçou outros ao exílio ou a aposentadoria antecipada. Em setembro de 1980,
mais de 12 000 oficiais já haviam sido mortos ou desapareceram nos expurgos.
Isso causou um enorme declínio nas capacidades das forças aramdas. O exército
regular (que na época do Xá era considerado um dos mais poderosos do mundo) já
estava tremendamente enfraquecido. As deserções também se tornaram um problema,
chegando a 60%, e o corpo de oficiais estava devastado. A maioria dos militares
e pessoal com capacidade haviam fugido para o exílio, presos ou executados.
Durante a guerra o Irã não conseguiu se recuperar desta fuga de capital humano.
Sanções e isolamento externo enfraquecia a já debilitava economia iraniana e,
mais importante, forçava o Irã a adquirir armamentos no mercado negro para
comprar peças para tanques e aviões. Quando a invasão iraquiana começou, muitos
pilotos e oficiais foram soltos das prisões ou tiveram suas penas de morte
comutadas. Estes homens foram então enviados para a linha de frente. Para
substituir os generais que foram expurgados, muitos oficiais receberam
promoções extras e também com altos cargos sendo ocupados por pessoas leais ao
regime. Os iranianos ainda tinham 1 000 tanques operacionais e centenas de
aviões prontos para o combate. Muito equipamento foi canibalizado, numa
tentativa de superar a falta de material.
Enquanto
isso, uma nova força paramilitar foi criada e rapidamente ganhou proeminência
dentro do país: o Exército dos Guardiães da Revolução Islâmica (muitas vezes
referidos como "Guarda Revolucionária", ou Sepah-e-Pasdaran), que
tinha como objetivo, não só lutar pela nação, mas também pela manutenção do
novo regime. Apesar de treinado como uma organização paramilitar, depois da
invasão iraquiana, eles foram obrigados a lutar como um exército tradicional.
Inicialmente, eles rivalizaram com os demais ramos das forças armadas e se
recusavam a lutar ao lado do exército regular, o que resultou em várias
derrotas na linha de frente. Mas a partir de 1982, os dois grupos passaram a
cooperar. Outro grupo paramilitar proeminente foi a milícia Basij. Os Basij
eram mal armados e geralmente eram formados por crianças e adolescentes ou até
por idosos (alguns com mais de 70 anos). Por razões como esta eles eram
frequentemente ineficazes em combate. Normalmente eles lutavam ao lado da
Guarda Revolucionária, fazendo parte dos ataques de onda humana.
No
final da década de 1970 e começo de 1980, escaramuças e pequenos combates
começaram a se tornar mais frequentes na fronteira Irã-Iraque. Os iraquianos
começaram a ficar mais audazes, lançando ataques por ar e infiltrações terra
contra territórios em disputa. O Irã respondeu na mesma moeda, lançando
disparos de artilharia contra cidades iraquianas. A 20 de setembro de 1980,
Saddam Hussein declarou que o exército iraquiano "libertou" todos os
territórios disputados com o Irã. Na conclusão das "operações
libertadoras", no dia 20, Saddam falou ao parlamento do seu país:
"As
frequentes e flagrantes violações do Irã da nossa soberania ... fizeram o
acordo de Argel de 1975 inviável. Esse rio [o Chatt al-Arab] ... deve ter sua
identidade iraquiana-árabe preservada como era ao longo da história e, na
realidade, com todos os direitos de anulação que emana de sua plena soberania
sobre o rio ... Nós não queremos lançar uma guerra contra o Irã".
Apesar
de Saddam afirmar que não queria uma guerra contra os iranianos, suas forças
partiram no dia seguinte para atacar alvos ao longo da fronteira, como prelúdio
para uma invasão em larga escala. A 7ª Divisão mecanizada e a 4ª Divisão de
infantaria iraquianas atacaram as importantes cidades iranianas de Fakkeh e
Bostan, abrindo caminho para a entrada de mais tropas no Irã. Enfraquecido pelo
caos interno pós-revolução, os iranianos não conseguiram repelir estes ataques,
dando aos iraquianos vitórias iniciais fáceis. Isso levou Saddam a crer que uma
guerra contra o Irã seria curta e fácil.
A invasão iraquiana
O
Iraque começou a invasão em larga escala do Irã a 22 de setembro de 1980. A
força aérea iraquiana lançou ataques supresas contra dez bases aéreas iranianas
com o objetivo de destruir a sua aviação militar. Apesar destas bases terem
sido bem danificadas, a ofensiva falhou em destruir muitas aeronaves inimigas:
apenas alguns aviões iraquianos conseguiram se aprofundar em solo iraniano,
incluindo uns MiG-23BN, Tu-22 e Su-20. Três MiG-23s conseguiram alcançar Teerã,
atacando o seu aeroporto mas destruíram poucos aviões.
Após
um dia de intensos ataques aéreos, o Iraque lançou sua incursão terrestre
contra o Irã, ao longo de três linhas de frente. Estas ofensivas foram lançadas
ao mesmo tempo. O propósito da invasão, de acordo com Saddam, era destruir o
movimento de Khomeini e impedir que ele "exportasse sua revolução"
para o Iraque e outros Estados do Golfo. O ditador iraquiano imaginava que se
ele anexasse a província de Khuzistão, o prestígio do novo regime iria cair e
talvez um outro governo pudesse assumir.
Das
seis divisões que encabeçaram a invasão iraquiana, quatro foram enviadas para o
Khuzistão, que era próxima a fronteira sul, com o objetivo de cortar Chatt
al-Arab do resto do país para criar uma zona segura. As outras duas divisões
atacaram a região central e norte para proteger o Iraque de um eventual
contra-ataque, defendendo os campos de petróleo do sudeste. Uma divisão de
infantaria mecanizada e uma blindada atacaram as importantes cidades portuárias
sulistas de Abadan e Khorramshahr. Mais duas unidades, ambas de blindados,
lançaram-se sobre as estradas que ligavam as cidades de Khorramshahr, Ahvaz,
Susangerd e Musian. No fronte central, os iraquianos ocuparam a cidade de Mehran,
avançando até as montanhas de Zagros, tomando a principal estrada que ligava
Teerã a Bagdá, importante para evitar uma contra-ofensiva, ao mesmo tempo que
se moviam em direção a cidade de Qasr-e Shirin. Na frente norte, os iraquianos
tentaram firmar posições defensivas em Suleimaniya, para proteger as rotas que
levavam a região de Kirkuk, rica em petróleo. A rebelião pró-árabe que Hussein
esperava instigar no Khuzistão nunca se materializou, com o povo local
permanecendo leal ao aiatolá iraniano. Os avanços iraquianos no Irã em 1980 foi
descrito pelo jornalista Patrick Brogan como "mal liderado e sem espirito
de luta". Na cidade iraniana de Susangerd foi reportado o primeiro uso de
armas químicas, feito por tropas do Iraque.
Apesar
do sucesso inicial em surpreender os iranianos com suas repentinas surtidas
aéreas, a situação do Iraque no ar não era tão boa. A força aérea do Irã
conseguiu retaliar e começou a atacar bases militares iraquianas na chamada
Operação Kaman 99 (Arco 99). Grupos de caças F-4 Phantom e F-5 Tiger atacaram
diversos alvos pelo Iraque, atingindo instalações governamentais, represas,
plantas petroquímicas e refinarias de petróleo. Entre as grandes cidades
atingidas estavam Bagdá, Mossul e Kirkuk. A força da retaliação iraniana pegou
o Iraque de surpresa. A aviação do Irã conseguiu causar muitos danos a
infraestrutura do Iraque, sofrendo poucas baixas no processo.
Helicópteros
de ataque iranianos AH-1 Cobra iranianos começaram a atacar as divisões do
exército iraquiano na linha de frente, junto com caças F-4 Phantoms. Os ataques
foram bem sucedidos em destruir vários blindados inimigos, mas não paralisou
suas ofensivas. Logo a eficiência da força aérea iraquiana cairia bruscamente.
O Irã começou a ter muito sucesso com os caças F-14 Tomcat, que abatiam várias
aeronaves do Iraque, que eram de fabricação soviética.
O
exército iraniano, as forças policiais, os voluntários da milícia Basij e as
unidades da Guarda Revolucionária conduziam suas operações separadamente.
Assim, a primeira onda de invasão iraquiana não enfrentou uma resistência
coordenada e efetiva. Contudo, a 24 de setembro de 1980, a marinha do Irã
atacou a cidade de Basra, no sul do Iraque, destruindo duas refinarias termais
de petróleo no porto de Faw, causando danos a economia do país. Porém o
exército iraquiano continuava avançando, forçando o recuo dos iranianos. Estes
porém, se concentraram nas cidades e estabeleceram uma nova linha de defesa.
A
30 de setembro, a força aérea do Irã atacou o reator nuclear de Osirak, perto
de Bagdá. Em 1 de outubro, a capital iraquiana foi novamente atacada por aviões
iranianos. Em resposta, o Iraque intensificou suas operações aéreas,
bombardeando várias cidades na fronteira, mantando muitos civis.
Os
violentos combates na fronteira geraram enormes crises humanitárias durante
todo o conflito, além do deslocamento de milhares de refugiados.
A batalha de Khorramshahr
Em
22 de setembro de 1980, iniciou-se uma prolongada batalha por Khorramshahr, que
rapidamente terminou com mais de 7 000 mortos em cada lado. Devido a natureza
sangrenta que a luta estava tomando, os iranianos começaram a chamar Khorramshahr
de a "Cidade de Sangue" .
A
batalha começou com os iraquianos atacando posições chaves na cidade e suas
divisões mecanizadas avançando firme. Contudo ataques aéreos do Irã e
artilharia e atividades de guerrilha da Guarda Revolucionária desacelerou os
avanços inimigos. O Irã inundou os pântanos ao redor da cidade, forçando os
iraquianos a atacar por vias estreitas e ruas. Os tanques de Saddam avançavam
sem apoio da infantaria e por isso muitos blindados foram perdidos. Mesmo
assim, em 30 de setembro, os iraquianos conseguiram conquistar toda a periferia
de Khorramshahr. No dia seguinte, o Iraque lançou mais uma ofensiva, desta vez
com tanques e soldados de infantaria. A luta foi intensa, casa por casa, e os
iraquianos tiveram de recuar. Em 14 de outubro, os iraquianos lançaram uma
segunda ofensiva. Os iranianos tiveram de recuar, mas o fizeram lentamente,
importunando os inimigos rua por rua. A 24 de outubro, boa parte da cidade
havia caído nas mãos das tropas de Saddam e os iranianos recuaram até o rio
Karun. Alguns guerrilheiros ficaram para trás e a luta de fato não terminou até
10 de novembro.
Ao
contrário do que se esperava, o povo iraniano não se voltou contra o fraco e
ainda novo governo da República Islâmica, pelo contrário. Houve uma enorme
mobilização popular para apoiar a nação e expulsar os invasores iraquianos.
Rapidamente, 200 000 novos voluntários foram para a linha de frente em
novembro.
Apesar
da batalha por Khorramshahr ter terminado, o tempo que demorou para os
iraquianos a conquistarem acabou ajudando os iranianos a melhor se preparem. Em
novembro, Saddam ordenou que suas forças avançassem até Dezful e Ahvaz.
Contudo, as milícias populares no caminho e os aviões iranianos conseguiram
deter o avanço dos iraquianos. A força aérea do Irã voava missões de forma
muito eficiente, destruindo depósitos de armas e combustíveis do exército
iraquiano. No solo, apesar das sanções econômicas internacionais, o problema de
suprimentos dos iranianos não era tão grave inicialmente. Apesar da falta de
peças de reposição para o material militar de origem americana, peças eram
canibalizadas e compras eram feitas no mercado negro. A 28 de novembro, o Irã
lançou a Operação Morvarid, uma série de ataques combinados pelo ar e pelo mar,
que destruiu 80% da marinha iraquiana e todos os seus radares e postos de
observação no sul do país. Quando o Iraque cercou a cidade de Abadan, eles não
conseguiram tomar o importante porto da região, permitindo a chegada de
suprimentos por parte dos iranianos pelo mar.
Ao
fim de 1980, o Iraque já não tinha mais reserva de tropas. A falta de pessoal e
a extensa perda de equipamentos fez com que eles não tivessem condições de
lançar novas ofensivas por um bom tempo. Apesar de todo o esforço e do
comprometimento feito pelo governo de Bagdá, a cidade iraniana de Khorramshahr
foi a única grande conquista feita pelos iraquianos. Em 7 de dezembro, Hussein
anunciou que seu país assumiria uma postura defensiva. Até aquele momento, os
iraquianos já haviam destruído mais de 500 tanques iranianos e capturado outros
100. Nos próximos oito meses, ambos os lados se entrincheiraram e realizaram
apenas movimentos defensivos (com a exceção da batalha de Dezful), com o Irã
querendo comprar tempo para se reorganizar e se recuperar dos expurgos que
havia feito da liderança do exército entre 1979 e 1980. Neste período, a luta
consistiu em combates pontuais e trocas de tiro de artilharia. O Iraque
mobilizou 21 divisões para a invasão, enquanto o Irã tinha penas 13 divisões do
exército e uma brigada, sendo que apenas sete estavam na fronteira entre os
dois países. A luta de trincheiras, como na primeira guerra mundial, resultava
em embates sangrentos com poucas conquistas estratégicas. Devido ao poder das
armas antitanques da época, como o RPG-7, fez com que muitos blindados fossem
destruídos (especialmente do Iraque), fazendo com que as unidades mecanizadas
de ambos os lados tomassem posições bem estáticas. Os iranianos tentavam romper
as linhas iraquianas com ataques em forma de "ondas humanas",
sofrendo pesadas baixas mas infligindo severas perdas aos iraquianos também.
O
Iraque também começou a disparar misseis Scud indiscriminadamente sobre cidades
iranianas. Os projéteis acertaram centros civis em áreas como Dezful e Ahvaz,
matando muitos civis.
O Impasse
Batalha de Dezful
Em
5 de janeiro de 1981, o Irã já havia reorganizado suas forças e lançaram um
maciço contra-ataque, a Operação Nasr ("Vitória"). Os iranianos
usaram a cidade de Dezful como base para atacar na direção de Susangerd,
consistindo de duas grandes divisões blindadas. Estes ataques foram bem
sucedidos em quebrar as linhas inimigas. Contudo, os tanques iranianos
avançavam rápido demais, se isolando da infantaria, e sofrendo assim muitas
perdas. Na subsequente batalha de Dezful, uma divisão blindada iraniana foi
quase que completamente estraçalhada numa das maiores batalhas de tanques da
guerra. Lama e terreno ruim, especialmente nos pântanos do sul do Iraque e Irã,
tornavam a movimentação de veículos difícil. Os iraquianos perderam 45 tanques
T-62, enquanto os iranianos tiveram entre 100-200 tanques Chieftain e M-60
destruídos.
A
luta por Dezful começou por ordem do presidente iraniano Abulhassan Banisadr,
que acreditava que uma vitória poderia ajudar sua deteriorada posição política.
Mas com o fracasso da operação na verdade acelerou sua queda. O Irã enfrentava
problemas entre o presidente Banisadr, que apoiava o exército regular, e os
linha dura do Exército dos Guardiães. Com sua remoção do poder, a rivalidade
acabou. Assim a performance das forças armadas melhorou. Novas disputas internas
no Irã começaram quando o movimento islâmico-marxista Mujaheddin e-Khalq (MEK)
começou a combater soldados da República Islâmica a partir de junho de 1981. Os
mujahidins do MEK gradualmente começaram a apoiar Saddam Hussein. A batalha por
Dezful se tornou um ponto crítico no pensamento militar iraniano. A partir daí
houve menos ênfase em combate tradicional pelo exército e mais impeto nas
táticas não convencionais (guerrilha, principalmente) da Guarda Revolucionária.
Combate em H3
A
força aérea iraquiana, severamente danificada, moveu seus principais aviões
para a base aérea H-3, no oeste do país, perto da fronteira jordaniana e longe
da do Irã. Contudo, a 3 de abril de 1981, uma frota de aviões iranianos, incluindo
oito aeronaves F-4 Phantom, quatro F-14 Tomcats, três Boeing 707 para
reabastecimento, e um Boeing 747 de comando, lançaram um ataque surpresa a base
H3, destruindo entre 27 e 50 jatos iraquianos.
Apesar
do sucesso do ataque a base aérea H-3, em abril, a força aérea do Irã encerrou
uma série de 180 dias de surtidas aéreas contra o território iraquiano. Além
disso eles abriram mão de tentar controlar seu próprio espaço aéreo. Devido as
pesadas sanções econômicas impostas pelo ocidente e os expurgos feitos antes da
guerra, a aviação militar iraniana sofria e tomava decisões de forma cautelosa,
evitando sofrer perdas. Novos expurgos foram feitas durante o conflito,
principalmente após o presidente Banisadr ter sido removido do poder. A força
aérea do Irã lutou o resto do conflito de forma defensiva, tentando segurar os
iraquianos ao invés de caça-los. Entre 1981 e 1982 a força aérea iraquiana
permaneceu fraca, mas nos anos seguintes conseguiu se rearmar e reerguer, e
começou a tomar a iniciativa.
Já
que os iranianos sofriam com a falta de armamento pesado o comando militar
queria se aproveitar da sua superioridade numérica (o Irã tinha uma população
três vezes maior que a do Iraque). O que não faltavam eram voluntários,
respondendo ao chamado de seus líderes religiosos para repelir os invasores. Em
1981 então o Irã lançou uma série de ataques em ondas humanas contra posições
iraquianas. Tipicamente os ataques consistiam em três fases: primeiro, os
membros voluntários e mal armados da milícia Basij lançavam-se em ondas contra
as linhas inimigas (em alguns casos eram usados para impar campos minados).
Eles eram seguidos pelos experientes e melhores armados membros da Guarda Revolucionária,
que sobrepujariam os iraquianos. Logo em seguida, o exército, usando unidades
mecanizadas, avançariam para vencer a batalha.
De
acordo com o historiador Stephen C. Pelletiére, a ideia iraniana de
"ataque em onda humana" é na verdade um equívoco. Ao invés disso, a
tática iraniana consistia em avançar com grupos de 22 homens de infantaria para
atacar alvos específicos. A aproximação destes homens na hora da ofensiva dava
a impressão de "ataque em onda humana". Mesmo assim, o Irã utilizou
de ataques maciços de ondas de infantaria durante toda a guerra. Um dos
objetivos era claramente sobrepujar as linhas iraquianas com o seu número e não
com qualidade. O resultado destas operações consistiam em uma enorme quantidade
de mortos.
De
acordo com o general iraquiano Ra'ad al-Hamdani, as ondas de ataque humano
iranianas consistiam apenas de "civis armados" que eram mal
preparados e liderados. Contudo, o Irã também usava táticas sofisticadas.
Operações e surtidas aconteciam a noite, junto com missões de distração para
enganar o inimigo, além de manobras de infiltração.
Os
iranianos usavam do elemento surpresa para seus ataques, diferente dos pomposos
ataques frontais da primeira guerra mundial (outro conflito notório
caracterizado pela luta de trincheiras). Em 1982, o Irã utilizou do terreno
ruim, o mesmo que havia custado a eles a batalha de Dezful, para se infiltrar
nas linhas inimigas. As forças infiltradas identificavam os pontos fracos da
posição iraquiana e abriam assim caminho para a força principal.
Os
ataques em onda, embora sangrentos (centenas morriam no processo), eram usados
juntos com infiltrações e ofensivas surpresas. Assim, eles acabaram sendo
relativamente bem sucedidos em vários casos. Enquanto o Iraque firmava suas
posições estáticas entrincheirado seus tanques e soldados, os iranianos
conseguiam quebrar suas linhas e cerca-los. O fato dos iranianos usarem muito
táticas de guerra de manobra, com infantaria leve contra as posições estáticas
iraquianas, surpreendeu a liderança do Iraque e deu muitas vitórias ao Irã.
Mesmo assim, a rotineira falta de coordenação entre o exército e a Guarda
Revolucionária, assim como a falta de armamento pesado (como artilharia) em
todas as frentes, deteriorou o papel da infantaria.
Operação Samen-ol-A'emeh
No
ano seguinte a estagnação das ofensivas iraquianas, em março de 1981, não houve
alterações na linha de frente, além da conquista de parte de Susangerd pelos
iranianos em maio. Então, ao fim de 1981, o Irã lançou uma pesada ofensiva
contra as linhas iraquianas. A chamada Operação Samen-ol-A'emeh ("O Oitavo
Imam"), lançada entre 27 e 29 de setembro de 1981, encerrou o cerco de
Abadan e expulsou os soldados iraquianos desta área. Os iranianos usaram um
misto de soldados regulares e milícias, usando artilharia e blindados. O Irã
perdeu 150 tanques M-48A em 29 de setembro. A 15 de outubro, com o fim do
cerco, um grande comboio de soldados iranianos foram emboscados por militares
de Saddam. Na batalha entre os tanques T-55 do Iraque e os Chieftains
iranianos, o Irã perdeu 20 de seus blindados e alguns outros veículos e foram
obrigados a recuar. O uso de helicópteros de ataque Mi-24 pelo Iraque provou-se
mortal, embora a antiaérea iraniana conseguisse derrubar alguns destes.
Operação Tariq al-Qods
Ao
fim de 1981, o exército iraquiano estava com a moral baixa. Pesadas perdas e
impasse nas linhas de frente haviam deteriorado sua vontade de lutar.
A
29 de novembro de 1981, o Irã lançou a Operação Tariq al-Qods com três brigadas
do exército e sete unidades da Guarda Revolucionária. O Iraque falhava em
patrulhar os territórios que ocupavam, deixando os iranianos infiltrarem suas
linhas e os atacando de surpresa. Em 7 de dezembro, a cidade de Bostan foi
retomada pelo exército iraniano. A Operação Tariq al-Qods também viu o primeiro
uso bem sucedido uso de ataques em "onda humana", onde as milícias e
a infantaria leve da Guarda Revolucionária atacavam as posições iraquianas
repetidamente, as vezes sem apoio aéreo ou da aritlharia. A queda de Bostan
aumentou o problema de logística do Iraque, forçando-os a relocarem suas rotas
de suprimentos de Ahvaz para mais ao sul. Nestas batalhas, mais de 6 000
iranianos e pelo menos 2 000 iraquianos morreram em combate.
O recuo do Iraque e ofensivas
iranianas
O
Iraque, percebendo que o Irã pretendia lançar uma contra-ofensiva em larga
escala, decidiu surpreende-los, lançando a Operação al-Fawz al-'Azim
("Sucesso Supremo") em 19 de março. Usando vários tanques,
helicópteros e caças de combate, os iraquianos atacaram as posições inimigas em
Roghabiyeh. Apesar de Saddam e seus generais terem acreditado que eles foram
bem sucedidos, na realidade os iranianos estavam firmes em suas trincheiras. O
Irã estava melhor preparado, movendo suas forças das cidades por trens e
veículos. Apesar da concentração de tropas perto da fronteira, o Iraque não se
preparou para resistir a um eventual contra-ataque.
Operação Fath-ol-Mobeen
A
grande ofensiva iraniana, liderado pelo general Ali Sayad Shirazi, foi a
chamada Operação Fath-ol-Mobeen ("Vitória Incontestável"). Em 22 de
março de 1982, o Irã atacou as forças iraquianas com força. Usando helicópteros
Chinook, eles desembarcaram tropas atrás das linhas inimigas, inutilizaram a
artilharia destes e capturaram o quartel-general das tropas de Saddam na região.
A milícia iraniana Basij lançou então um ataque na forma de onda humana, com 1
000 combatentes por onda. Eles sofreram pesadas baixas, mas conseguiram se sair
vitoriosos.
As
forças iranianas (o exército e a Guarda Revolucionária) continuaram seus ataques,
cercando a 9ª e a 10ª divisão blindada, além de uma divisão mecanizada, perto
da cidade iraniana de Shush. O Iraque tentou contra-atacar e resgatar as suas
unidades cercadas. Contudo, uma frota de 95 aeronaves iranianas (caças F-4
Phantoms e F-5 Tigers) destruiu os atacantes iraquianos.
A
Operação Fath-ol-Mobeen terminou como uma vitória decisiva para o Irã e forçou
o recuo das tropas do Iraque de várias regiões, como as cidades de Shush,
Dezful e Ahvaz. As forças armadas iranianas destruíram cerca de 320 a 400
blindados e veículos iraquianos, mas o preço que eles pagaram foi alto. Apenas
no primeiro dia, os iranianos perderam 196 tanques. Naquela altura, boa parte
de Khuzistão já havia sido retomados pelos iranianos.
Operação Beit ol-Moqaddas
Ainda
em 1982 os iranianos lançaram mais uma nova ofensiva. A operação, chamada Beit
ol-Moqaddas, começou com uma série de ataques iranianos contra bases aéreas do
Iraque, destruindo 47 de seus jatos (incluindo vários recém importados Mirage
F-1). Isso deu aos iranianos superioridade aérea no campo de batalha, ao mesmo
tempo que lhes dava liberdade para monitorar os movimentos de tropas do Iraque.
Em
29 de abril, o Irã começou sua ofensiva terrestre. Cerca de 70 000 homens da
Guarda Revolucionária e milicianos Basij atacaram os iraquianos em várias
posições – como Bostan, Susangerd, a margem oeste do rio Karun e a cidade de
Ahvaz. Os Basij lançaram ataques de ondas humanas, que foram seguidos por
investidas do exército, com apoio de helicópteros e blindados. Sob forte
ataque, os iraquianos recuaram. A 12 de maio, os iranianos retomaram toda a
região de Susangerd. O Irã fez centenas de prisioneiros e pegaram vários
tanques iraquianos abandonados. Como em outras lutas, a vitória iraniana foi
custosa em termos de vistas, em especial para a milícia Basij.
Os
iraquianos recuaram até as margens do rio Karun. Naquela altura, sua situação
era muito ruim com eles mantendo controle apenas da cidade Khorramshahr e
algumas poucas outras áreas. Saddam ordenou que 70 000 de seus soldados
cercassem Khorramshahr e firmassem posições defensivas para mante-la. Para
impedir que unidades especiais iranianas agissem na retaguarda, os iraquianos
colocaram estacas de metal e carros destruídos em possíveis zonas de pouso de
paraquedistas inimigos. Saddam Hussein chegou até mesmo a visitar Khorramshahr
para encorajar os seus homens e jurou que a cidade não seria retomada. Contudo,
a única rota de suprimentos locais vinha de Chatt al-Arab, e a força aérea
iraniana havia bombardeado as pontes da cidade, enquanto esta estava sob
bombardeio da artilharia.
Retomada de Khorramshahr
No
amanhecer do dia 23 de maio de 1982, os iranianos cruzaram o rio Karun em
direção a Khorramshahr. Uma divisão blindada do exército liderou o ataque,
seguido pela Guarda Revolucionária e milícias populares. O Irã usou de forma
consistente a sua superioridade aérea, bombardeando as posições inimigas e
dando cobertura as suas tropas que atravessavam o rio Karun, capturando pontes
vitais e lançando ondas de ataques contra a cidade. A estimada linha de defesa
de Saddam rapidamente entrou em colapso. A luta por Khorramshahr, a única
grande cidade iraniana em mãos do Iraque, durou apenas 48 horas e terminou com
a rendição de 19 000 militares iraquianos, com outros 10 000 mortos ou feridos.
Os Irã contabilizou 30 000 combatentes mortos, feridos ou desaparecidos em
ação. Durante a operação Beit ol-Moqaddas, 33 000 soldados do Iraque foram
feitos prisioneiros pelo Irã.
As forças iraquianas
Dois
anos de luta contínua haviam enfraquecido o poderio das forças armadas
iraquianas: sua força de combate havia sido reduzida de 210 000 combatentes
para 150 000. Cerca de 20 000 soldados iraquianos haviam morrido e outros 30
000 capturados; apenas duas de quatro divisões blindadas estavam ativas e pelo
menos três divisões mecanizadas estavam com a força de combate reduzida a nível
menor que o de uma brigada. Além disso, os iranianos haviam capturado mais de
450 tanques e blindados que os iraquianos haviam deixado para trás.
A
força aérea do Iraque também estava enfraquecida: depois de ter perdido pelo
menos 55 aeronaves em dezembro de 1981, eles possuíam apenas 100 caças
bombardeio e de intercepção intactos. Um piloto de MiG-21 que havia desertado
para a Síria em junho de 1982 revelou que a aviação militar iraquiana tinha
apenas três esquadrões de bombardeiros disponíveis e com capacidade para atacar
o Irã. O corpo aéreo do exército estava ligeiramente melhor e ainda operava 70
helicópteros. Apesar disso, a infantaria ainda possuía mais de 3 000 tanques,
enquanto os iranianos tinham pelo menos 1 000 destes estocados.
A
essa altura, Saddam acreditava que seu exército estava muito desmoralizado e
danificado demais para manter o Khuzistão e alguns outros trechos de território
iraniano e então ordenou que suas tropas recuassem dessa região. Ele
reposicionou o exército na fronteira entre os dois países para se defender de
uma eventual ofensiva iraniana. Contudo, os soldados iraquianos ainda ocupavam
algumas áreas chave na fronteira e ainda tinham posse de alguns territórios em
disputa, incluindo o canal Chatt al-Arab. Como resposta aos fracassos na linha
de frente, como em Khorramshahr, Saddam ordenou a execução de vários oficiais,
incluindo os generais Juwad Shitnah e Salah al-Qadhi, e o coronel Masa abd
al-Jalil. Foi estimado que mais de uma dúzia de oficiais de alta patente também
foram executados neste período. Estas execuções seriam uma ação comum por parte
de Hussein para punir militares que falhassem em batalha.
Reação internacional em 1982
Em
abril de 1982, o regime rival baathista da Síria se tornou uma das poucas
nações a abertamente apoiar o Irã, fechando o oleoduto Kirkuk–Banias que
permitia que o petróleo iraquiano chegasse ao mar mediterrâneo, o que
significou uma perda mensal de US$ 5 bilhões de dólares ao Iraque. O jornalista
Patrick Brogan escreveu: "Parece que o Iraque será estrangulado
economicamente antes de ser derrotado militarmente". A atitude de fechar o
oleoduto de Kirkuk-Banias pelos sírios fez com que os iraquianos tivessem
apenas seu oleoduto na Turquia para exportar petróleo. Contudo, este oleoduto
só tinha capacidade para 500 000 barris por dia, que gerava lucros diminutos
demais para continuar bancando a guerra. Contudo, a Arábia Saudita, o Kuwait e
outras nações do Golfo salvaram o Iraque da falência ao emprestarem mais de US$
60 bilhões de dólares por ano em subsídios. Apesar de Saddam já ter apresentado
uma postura hostil contra esses países, havia um medo generalizado de que a
Revolução Iraniana xiita pudesse se espalhar pela região, governada quase que
em sua maioria por sunitas. O Aiatolá Khomeini havia declarado que as
monarquias da região eram ilegítimas e uma forma de governo não islâmica.
Acreditava-se que declarações como esta eram um pedido para que os governos
locais fossem depostos.
As
declarações do líder do Irã também chamou a atenção dos Estados Unidos e de
países Europeus, que passaram a dar mais apoio para o Iraque. Saddam Hussein
recebeu apoio diplomático, monetário e militar dos americanos, incluindo
grandes empréstimos, influência política e informações de inteligência sobre
movimentações militares e acontecimentos no Irã, principalmente através de
satélites espiões, ajudando os iraquianos a coordenar suas ofensivas. O Iraque
passou a depender muito das imagens de satélites americanos e dos aviões de
radar para identificar e localizar onde estavam as tropas iranianas.
Com
o Irã conquistando um sucesso atrás do outro nos campos de batalha, os Estados
Unidos aumentaram ainda mais sua ajuda aos iraquianos, econômica e
militarmente, além de formalmente reatarem diplomaticamente (o laço havia sido
quebrado após a Guerra dos Seis Dias de 1967). O presidente Ronald Reagan
decidiu que os americanos "não podiam permitir que o Iraque perdesse a
guerra contra o Irã" e o seu país faria "todo o possível" para
evitar isso. Reagan formalizou esta política através da assinatura de uma
Diretriz de Segurança Nacional, que entrou em vigor em junho de 1982.
Em
1982, Reagan removeu o Iraque da lista de países que "apoiavam
terrorismo" e passou a vender armas aos iraquianos, como canhões (via
Jordânia e Israel). A França também vendeu milhões de dólares em armamentos,
incluindo helicópteros Gazelle, caças Mirage F-1 e mísseis Exocet. Os Estados
Unidos e a Alemanha Ocidental chegaram a vender pesticidas e veneno, que foram
usados por Saddam como armas químicas. O Brasil também vendeu enormes
quantidades de equipamentos militares para o Iraque, incluindo tanques EE-9
Cascavel. A China também deu armas ao Iraque, como diversos fuzis.
Ao
mesmo tempo, a União Soviética, enraivecido com o Irã por ter expurgado o
Partido Tudeh (o partido comunista local), passou a ser uma das principais
fornecedoras de armas ao Iraque. A força aérea iraquiana foi praticamente
reconstruída pelos equipamentos soviéticos, e alguns franceses, com a chegada
de aviões e helicópteros. O Iraque também comprou enormes quantidades de fuzis
e armas pequenas, como o AK-47s e lançares de granadas-foguete. As divisões
blindadas iraquianas, outrora enfraquecidas, agora estavam abastecidas com
novos tanques russos e o Iraque ficou revigorado para se lançar sobre o Irã
novamente. Os iranianos eram reportados ao mundo como sendo os agressores e
essa seria a visão majoritária até a Guerra do Golfo (1990–1991), quando o
Iraque passou a ser o vilão da região.
Ao
contrário do Iraque, o Irã não recebia vasto apoio internacional. O país não
tinha capacidade financeira para comprar armas e ainda estava sob pesadas
sanções das nações do ocidente. O Irã passou a receber apoio da China, da
Coreia do Norte, da Líbia, da Síria e até do Japão. Estes países forneceram
armas, munição e apoio logístico, além de outros equipamentos. De forma
clandestina, os iranianos receberam armamentos de Israel e até mesmo dos
Estados Unidos.
Propostas de cessar-fogo
Em
20 de junho de 1982 Saddam anunciou que queria a paz e propôs um cessar-fogo.
Khomeini rejeitou a proposta pois um acordo naquele momento significava que
tropas iraquianas ainda estariam ocupando territórios em disputa. O líder
iraniano afirmou que seu país invadiria o Iraque e não pararia até derrubar o
regime baathista e o substituir por uma República Islâmica. O Irã apoiava o
governo no exílio do Iraque, a chamada Assembleia Suprema Islâmica, liderados
pelo clérigo Mohamed Baqir al-Hakim, que era uma das principais forças
opositoras de Saddam Hussein. Eles recrutaram dissidentes, exilados e xiitas
simpatizantes para se juntar a Brigada Badr, a ala militar da organização.
Cerca
de 95 000 crianças soldado que foram alistadas pelo Irã foram mortos ou feridas
ou desapareceram em ação durante a guerra Irã-Iraque. A maioria tinha entre 16
e 17 anos mas alguns eram ainda mais novos.
A
decisão de invadir o Iraque foi tomada após intensos debates dentro da
liderança do governo iraniano. Uma facção, composta pelo primeiro-ministro
Mir-Hossein Mousavi, o ministro de relações exteriores Ali Akbar Velayati, o
presidente Ali Khamenei e o chefe do estado-maior, o general Ali Sayad Shirazi,
queriam aceitar o cessar fogo, já que a maioria do território iraniano já havia
sido reconquistado. Em particular, o general Shirazi afirmou que a invasão não
devia acontecer por motivos de logística e ele afirmou que considerava
renunciar ao seu posto se "pessoal desqualificado continuasse a se meter
em assuntos da condução da guerra". O lado oposto era liderado por
clérigos e membros do Conselho de Defesa Supremo, cujo líder era o Majlis Akbar
Hashemi Rafsanjani. Um dos principais argumentos em favor da continuidade do
conflito (conforme Rafsanjani argumentava) era que, apesar do Irã ter frustrado
a invasão iraquiana, o inimigo ainda controlava mais de 7 800 quilômetros
quadrados do território nacional, incluindo áreas como Shalamcheh, Mehran, e os
campos de petróleo de Naft Shahr. Em caso de cessar-fogo imediato, os
iraquianos ainda manteriam o controle destes territórios e havia o medo de que
não abririam mão destas conquistas, e poderia até usar o tempo para se preparar
para uma nova incursão. O Irã estava, naquela altura, isolado
internacionalmente e dificilmente receberia apoio suficiente para se manter na
defensiva e segurar a pressão do Iraque. Mesmo em caso de paz, o país não
receberia compensações e seria difícil se reerguer, a menos que alcançasse uma
vitória total nos campos de batalha.
Apesar
do governo ter concordado que apenas a vitória total seria aceitável, de acordo
com uma entrevista feita em 2003, Rafsanjani (arquiteto da estratégia iraniana
na guerra), o Irã na verdade pretendia ocupar posições estratégicas no Iraque
para usar depois estes territórios como objeto de barganha durante as
negociações e forçar um entendimento (possivelmente numa corte internacional),
para principalmente obrigar os iraquianos a se retirar das regiões que estes
ainda ocupavam no Irã. Eles também queriam reconhecimento regional e pagamento
de compensações por danos durante o conflito. As áreas que Rafsanjani disse que
os iranianos queriam ocupar eram a Península de Al-Faw e Umm Qasr e seus portos
(cortando o acesso iraquiano ao mar), isolando e capturando Basra (a segunda
maior cidade do Iraque), e conquistando partes das margens do rio tigre e da
Autoestrada 8 (que ligava Bagdá a Basra), que iria dividir o Iraque ao meio e
cortaria o acesso do governo iraquiano aos seus principais poços de petróleo no
sul. Eles ainda queriam tomar a represa de Darbandikhan, no nordeste do país,
de onde vinha boa parte da água potável do Iraque. Uma esperança era também que
a presença iraniana em solo iraquiano iria instigar uma revolta xiita e curda
contra o regime do sunita Saddam Hussein, o que poderia levar a queda do seu
governo (ou sua quase completa deterioração). A rebelião curda chegou a
acontecer, mas naquele momento a revolta xiita foi quase que inexistente.
Durante seus avanços, o Irã capturou enormes quantidades de equipamento do
Iraque (especialmente preciosos tanques para a infantaria). No exterior, os
iranianos compravam no mercado negro peças para manutenção de seus equipamentos
de origem ocidental.
No
gabinete de governo do Iraque, o ministro da saúde do país, Riyadh Ibrahim
Hussein, sugeriu que Saddam Hussein renunciasse ao cargo de presidente
temporariamente para tentar deixar o Irã mais confortável com a proposa de
cessar-fogo. Riyadh insistiu que o ditador retornaria ao poder logo depois.
Saddam, irritado, perguntou se alguém mais no gabinete concordava com o
posicionamento do ministro. Com medo, ninguém respondeu positivamente. Hussein
então escoltou Riyadh para uma sala ao lado, fechou a porta e então o executou
com um tiro. Saddam teria então retornado a sua sala e continuado a reunião.
O Irã invade o Iraque
Por
boa parte dos últimos seis anos de guerra, o Iraque passaria a lutar na
defensiva. Estando incapaz ou sem vontade de lançar grandes ofensivas, eles
deixaram ao Irã a iniciativa que, nos últimos anos do conflito, lançaram mais
de 70 campanhas contra os iraquianos. A estratégia iraquiana não era mais
manter territórios no Irã, mas sim negar a estes qualquer ganhos territoriais
no Iraque (além de manter a fronteira sob controle e continuar ocupando as
regiões em disputa). Saddam começou uma política interna de guerra total,
mobilizando e mergulhando o país, em todos os níveis da sociedade, contra o
Irã. Em 1988, a nação já gastava 40–75% do seu PIB em gastos militares. O
ditador iraquiano havia dobrado o tamanho do seu exército, de 200 000 soldados
(12 divisões e 3 brigadas independentes) para mais de 500 000 (23 divisões e 9
brigadas). Com uma força aérea melhorada com a chegada de bons aviões
soviéticos, os iraquianos conseguiram reiniciar suas incursões em território
iraniano, atingindo cidades próximas a fronteira, especialmente a partir de
1984. Ao fim de 1982, os soviéticos também haviam fornecido substancial
quantidade de equipamentos para infantaria e a guerra terrestre entrou numa
nova fase. Entre os novos tanques adquiridos estavam o T-55, o T-62 e o T-72,
além de lança-foguetes BM-21 e helicópteros de ataque Mi-24. O exército passou
a adotar a doutrina soviética, com três linhas de defesa repletas com
obstáculos, arames farpados, minas terrestres, explosivos e armadilhas, além de
casamatas com ninhos de metralhadora. As brigadas de engenheiros construíram
também obstáculos nos rios e pontes, firmando trincheiras e erguendo outras
defesas naturais e fortificações. Para proteger Basra e as importantes cidades
do sul, planícies foram inundadas e um pântano foi criado artificialmente para
dificultar a aproximação inimiga.
O
Iraque focava na chamada "defesa em profundidade", uma técnica que
consiste em atrasar o avanço inimigo ao invés de detê-lo, cansando-o e
infligido a eles severas perdas no processo. Os iraquianos construíram uma
série de linhas de defesa estática para sangrar o avanço do exército iraniano.
Quando se deparavam com um grande número de agressores, com ondas humanas
convergindo em cima das trincheiras, os iraquianos recuavam mas suas defesas
estáticas infligiam pesadas baixas nos iranianos e quanto mais eles avançavam
mais difícil ficava seguir em frente. Em seguida, a força aérea do Iraque e a
artilharia encerravam o trabalho caindo em cima das forças inimigas
remanescentes, enquanto a infantaria leve e as unidades blindadas empurravam os
que sobravam. As vezes, os iraquianos realizavam pequenas surtidas contra as
linhas iranianas para provoca-los a atacar. O Iraque também usava extensamente
armas químicas e biológicas, causando muitas mortes entre os iranianos
(combatentes ou não). A tática de ataques de ondas humanas que fora bem
sucedida na retomada do Khuzistão pelo Irã agora não funcionava mais contra o
novo sistema de defesa iraquiano. O Iraque também possuía vantagens logísticas:
as linhas de frente eram próximas as suas bases e depósitos de suprimentos,
permitindo que as tropas de Saddam pudessem ser mais facilmente reabastecidas.
Em contraste, os progressos iranianos nos dois anos anteriores havia esticado
suas linhas de suprimento. Os caminhões levando mantimentos para os soldados
tinham que atravessar terreno ruim e eram vulneráveis a ataques aéreos.
O
Irã, além da falta de suprimentos, também tinha problemas internos. O corpo de
oficiais do seu exército havia passado por outro expurgo em 1982, após outra
suposta tentativa de golpe.
Operação Ramadan (Primeira
batalha de Basra)
Em
meados de 1982, a liderança militar iraniana começou a argumentar em favor de
uma ofensiva em larga escala contra Bagdá para tomar a capital inimiga antes
que o problema de falta de suprimentos se tornasse mais acentuado. O plano foi
negado por ser impraticável e a estratégia foi pegar um território de cada vez
através de uma série de ataques liderados pela Guarda Revolucionária com o
intuito de enfraquecer o Iraque e força-los a um cessar-fogo (tendo como
objetivo maior a retirada iraquiano dos territórios em disputa).
O
Irã planejou então um ataque contra Basra, a segunda cidade mais importante do
país e porta de entrada para a região sul rica em petróleo. Chamado de
"Operação Ramadan", envolveu mais de 180 000 combatentes de ambos os
lados e foi uma das maiores batalhas entre exércitos convencionais desde a
Segunda Guerra Mundial. A estratégia iraniana envolvia atacar os pontos mais
fracos da linha de defesa iraquiana, mas estes estavam preparados. Os militares
iraquianos sabiam da ofensiva de antemão e levaram reforços para a região. O
Iraque usou gás lacrimogêneo e outros químicos contra os inimigos, que seria o
primeiro uso confirmado destes tipos de armamentos no conflito.
Mais
de 100 000 iranianos (membros da Guarda Revolucionária e da milícia Basij)
atacaram diretamente as linhas iraquianas. As tropas do Iraque estavam bem
postados em grossas linhas defensivas, constituído de várias trincheiras,
casamatas e posições de artilharia. Os Basijs usavam táticas de onda humana
para empurrar os inimigos e para limpar campos minados, permitindo que os
militares mais preparados da Guarda não tivessem problemas em avançar. O
combate ficou frenético e corpo-a-corpo, com iranianos subindo em tanques
iraquianos e jogando granadas dentro deles para destruí-los. No oitavo dia, os
iranianos avançaram 16 km dentro do Iraque e tomaram algumas pontes
importantes. Tanques iraquianos capturados foram reaproveitados pelo Irã em
futuros ataques.
Ainda
assim, os iranianos não conseguiram avançar além do que já tinham feito no
final da primeira semana de ofensivas contra Basra. O Irã então começou a
firmar posições defensivas para manter os territórios que controlavam. O Iraque
lançou então seus mortais helicópteros Mi-25, apoiados pelos Aérospatiale
Gazelle armados com mísseis HOT, contra as colunas mecanizadas iranianas,
infligido a estes severas perdas. Nos céus, combates aéreos intensos eram
travados entre caças MiG iraquianos e aeronaves iranianas como o F-4 Phantom.
A
16 de julho, os iranianos tentaram avançar rumo ao norte e chegou a forçar o
recuo dos iraquianos. Contudo, a apenas 13 km de Basra, as forças iranianas,
mal equipadas, foram cercadas pelos fortemente armados iraquianos. O combate
foi violento e muita gente morreu. Um esquadrão de helicópteros AH-1 Cobra
iranianos conseguiu salvar, contudo, as suas tropas no solo da derrota total.
Combates similares aconteceram na importante estrada Khorramshar-Bagdá até o
fim do mês, mas não houve uma vitória decisiva. O Iraque mobilizou então três
divisões blindadas e lançaram um contra-ataque. Eles conseguiram derrotar a
vanguarda do exército iraniano, mas pagaram um alto preço em vidas. A 9ª
divisão mecanizada iraquiana, por exemplo, foi quase que completamente destruída.
No total, mais de 80 000 soldados morreram por ambos os lados e outros 200 000
ficaram feridos. Cerca de 400 blindados iranianos foram destruídos ou
abandonados, com o Iraque perdendo 370 tanques. A ofensiva de Basra acabou
sendo um fracasso parcial para o Irã, já que eles não tomaram a cidade. Mas
eles conseguiram avançar fundo no território iraquiano.
Após
o fracasso da Operação Ramadan, os iranianos lançaram alguns pequenos ataques.
O Irã lançou duas ofensivas limitadas ao fim de 1982 para tentar retomar as
montanhas Sumar e isolar os bolsões de resistência iraquianas em Naft Shahr,
próximo a fronteira. Eles pretendiam chegar até a cidade fronteiriça de
Mandali, no leste do Iraque. A vanguarda do ataque era feito por milicianos
Basij, helicópteros do exército e alguns blindados. Conseguindo quebrar em
parte a linha inimiga, o Irã tomou um trecho de uma estrada que ia até Bagdá.
Durante a Operação Muslim ibn Aqil (1–7 de outubro), os iranianos retomaram
mais de 150 km² do seu próprio território e chegaram até a periferia de Mandali
antes de serem detidos pelos iraquianos. Já na Operação Muharram (1–21 de
novembro), os iranianos capturaram parte dos campos de petróleo de Bayat, com
seus caças e helicópteros destruindo pelo menos 105 tanques iraquianos, 70
VBTPs e 7 aeronaves, sofrendo poucas perdas no processo. O Irã quase conseguiu
quebrar as posições inimigas em Mandali, mas os iraquianos receberam reforços,
incluindo tanques T-72 que possuía forte blindagem. Fortes chuvas também
atrapalharam os iranianos. Cerca de 3 500 soldados iraquianos e um número
desconhecido de iranianos (presume-se muitos) tenham morrido, sem que nenhum
objetivo importante ter sido conquistado.
O impasse estratégico e guerra de
atrito
Após
uma série de ofensivas fracassadas no verão de 1982, o Irã acreditava que
futuros esforços para tentar quebrar as linhas iraquianas seria um esforço em
vão. Durante o ano de 1983, os iranianos lançaram apenas cinco ofensivas,
nenhuma atingindo sucessos significativos, com muita gente sendo sacrificada
nos ataques em forma de "onda humana". Neste período, a força aérea
do Irã possuía apenas 70 caças a sua disposição. Eles ainda tinham um bom
número de helicópteros para apoiar a infantaria. Os pilotos iranianos tinham
melhor treinamento que os iraquianos e normalmente tinham vantagem em combate,
mas devido a falta de pessoal e, principalmente, equipamentos e peças de
reposição, acabava fazendo com que eles não explorassem essas vantagens tão frequentemente.
O Iraque era suprido com aviões soviéticos, e tinham ajuda logística dos
Estados Unidos (na forma de inteligência e material). O Iraque, perto do fim da
guerra, havia conquistado superioridade aérea na região de fronteira. Na
maioria dos casos, suas incursões aéreas sobre o Irã encontravam pouca
oposição.
Operação Fajr al-Nasr
Outro
impasse foi a operação Fajr al-Nasr ("Antes do
Amanhecer"/"Amanhecer da Vitória"), lançada em fevereiro de
1983, onde o Irã passou a focar seus ataques no setor central e norte da
fronteira, ao invés do sul. Os iranianos usaram pelo menos 200 000 homens da já
escassa reserva da Guarda Revolucionária, atacando por uma linha de frente de
40 km, focando próximo a al-Amarah, a cerca de 200 km do sul de Bagdá, para
tentar tomar as importantes estradas que conectavam o sul e o norte do Iraque.
A ofensiva foi atrasada por terreno ruim, chuvas, florestas e rios, mas não
houve grandes problemas além disso até aquele momento. Os iranianos passaram
então a bombardear com artilharia as cidades de Basra, Al Amarah e Mandali. Os
campos minados e posições defensivas iraquianas começaram a infligir pesadas
baixas nos iranianos. Graças a mais um impasse, o Irã resolveu diminuir o uso
de ataques em onda humana, tentando reduzir suas perdas.
O
setor norte e central entre Mandali e Bagdá também viu pesados combates a
partir de abril de 1983, com as ofensivas iranianas sendo detidas por tanques e
infantaria do Iraque. Ambos os lados sofreram pesadas baixas (entre mortos e
feridos), e ao fim de 1983, foi estimado que 120 000 iranianos e mais de 60 000
iraquianos haviam morrido lutando na região. Na subsequente guerra de atrito,
no qual o conflito passou a ser, deu uma leve vantagem aos iranianos.
Operações Valfajr
Entre
1983 e 1984, o Irã lançou uma série de operações chamadas de Valfajr
("Amanhecer"). Na primeira onda, 50 000 soldados iranianos partiram
de Dezful e foram combater 55 000 militares iraquianos. Os iranianos pretendiam
cortar a estrada importante que conectava Basra a Bagdá, no setor central. Os
iraquianos responderam lançando mais de 150 ataques aéreos e até chegaram a
bombardear Dezful, Ahvaz e Khorramshahr. O Iraque tentou contra-atacar mas
foram detidos pela chegada da 92ª divisão blindada iraniana.
Em
outra ofensiva, os iranianos realizaram missões secretas de guerra por
procuração a partir de abril de 1983 com o objetivo de apoiar a insurgência
curda contra Saddam Hussein. Com apoio dos rebeldes curdos, os iranianos
atacaram no norte em 23 de julho de 1983, capturando a cidade iraquiana de Haj
Omran e resistindo aos contra-ataques inimigos. Esta operação incitou o Iraque
a lançar ataques químicos indiscriminados contra a população curda. Os iranianos
tentaram resistir e lançaram mais uma ofensiva. O Irã esperava controlar as
estradas que ligavam as regiões montanhosas as cidades de Mehran, Dehloran e
Elam. Mais ataques aéreos iraquianos, com aviões e helicópteros armados com
bombas carregando componentes químicos e biológicos, foram lançados, embora não
muito militarmente eficientes, causavam muitas mortes (especialmente entre
civis). Saddam e o Estado-maior das forças armadas iraquianas começaram a
demonstrar mais interesse no uso de armas químicas. No final, mais de 17 000
pessoas morreram em ambos os lados, sem que nenhum país levasse vantagem.
A
quarta operação Valfajr começou em setembro de 1983 e focou na região norte do
curdistão iraniano. Três divisões do exército iraniano, uma da Guarda
Revolucionária e elementos do Partido Democrático do Curdistão (PDC) se
aproximaram de Marivan e Sardasht para a tacar a cidade de Suleimaniyah. A
estratégia iraniana era pressionar os curdos a ocupar o vale de Banjuin, que
ficava a 45 km de Suleimaniyah e 140 km dos importantes poços e refinarias de
petróleo de Kirkuk. Para impedir isso, os iraquianos lançaram vários
helicópteros armados Mil Mi-8 equipados com ogivas carregando armas químicas e
executaram 120 ataques contra forças iranianas, que os deteve após apenas 15 km
de avanço destes em solo iraquiano. Na luta, mais de 5 000 iranianos e 2 500
iraquianos morreram. O Irã reconquistou 110 km² do seu próprio território e
também tomou uma pequena porção do território do Iraque, fazendo 1 800
prisioneiros e capturando muito equipamento abandonado. Os iraquianos
responderam lançando diversos mísseis SCUD-B contra alvos civis nas cidades de
Dezful, Masjid Soleiman e Behbehan. O Irã utilizou artilharia de longa
distância para atingir Basra enquanto novas frentes de batalha eram abertas no
norte. A abertura desta terceira frente (além das lutas no sul e centro)
começaram a fatigar o Iraque de forma mais acentuada.
Mudança de tática do Irã
Durante
os quatro primeiros anos da guerra, o Irã tinha vasta superioridade numérica
(com uma população três vezes maior). Contudo, Saddam havia ordenado a expansão
dos recrutamentos (na sua política de guerra total) e ao fim de 1984 ambos os
exércitos já tinham tamanhos similares. Em 1986, os iraquianos tinham o dobro
de soldados treinados que o Irã. Em 1988, o Iraque tinha 1 milhão de soldados
em suas fileiras (o quarto maio exército do mundo). Em equipamentos pesados,
como tanques de guerra, os iraquianos superavam os iranianos em 5 para 1. O
comando militar iraniano, contudo, ainda era mais hábil taticamente. Enquanto
boa parte das decisões militares em Teerã eram feitas por oficiais de carreira
treinados, a estratégia iraquiana era arquitetada por Saddam Hussein, que tinha
praticamente nenhum conhecimento militar.
Após
as operações Valfajr, no final de 1983, os iranianos mudaram suas táticas. Com
a melhora das defesas iraquianas, com melhor poder de fogo e mais soldados, o
Irã não podia mais contar apenas com ataques em ondas humanas, que estavam
ficando cada vez mais ineficientes. As ofensivas iranianas ficaram mais
complexas e envolviam mais manobras e uso amplo da infantaria leve. O Irã
lançava frequentes ofensivas, embora de pequena intensidade, para tentar ganhar
terreno lentamente e fatigar as forças iraquianas com uma luta assimétrica e de
atrito. Eles queriam forçar o Iraque a gastar enormes quantidades de
equipamentos, forçando o seu governo a repô-los gastando muito dinheiro e
danificando sua economia. Os iraquianos teriam que gastar mais dinheiro para a
luta, em detrimento dos recursos públicos. Os iranianos esperavam que isso
criasse ressentimento entre a população (especialmente os xiitas), porém a
única revolta que conseguiram instigar foi no norte, com os curdos. A política
de conquistar territórios importantes para usar como barganha em negociação
também foi mantida. O Irã também utilizava armamento pesado quando podia e
fizeram isso de forma mais inteligente do que em anos anteriores. O exército e
a Guarda Revolucionária começaram a trabalhar melhor juntos e suas táticas
melhoraram. Ataques em onda humana se tornaram menos comuns (mas ainda eram
usados). Para derrotar as defesas profundas iraquianas, suas posições estáticas
e melhor poder de fogo, o Irã começou a focar seus ataques onde os iraquianos
tivessem dificuldades em usar suas armas pesadas, como em pântanos, vales e
montanhas, frequentemente usando técnicas de infiltração (com forças especiais,
algo que os iraquianos também faziam).
Os
iranianos começaram a treinar suas tropas em técnicas de infiltração, patrulha,
ataques noturnos e combates em locais difíceis, como montanhas. Unidades de
comandos, especializadas em guerra anfíbia, foram postos em ação já que o sul
do Iraque era cheio de pântanos e rios. O Irã utilizava também lanchas rápidas
para passar pelos pântanos e lagos do sul do Iraque e desembarcavam tropas e
forças especiais nas margens controladas pelos inimigos de forma furtiva, onde
eles realizavam missões de sabotagem e erguiam pontes flutuantes para que mais
tropas e suprimentos pudessem cruzar os rios. Os iranianos também usavam
extensamente táticas de guerrilha. No fronte norte, começou a trabalhar com o
Peshmerga, a milícia curda. Conselheiros militares iranianos ajudavam os
curdos, que atacavam as tropas de Saddam, suas linhas de suprimento e bases. As
refinarias de petróleo em Kirkuk se tornaram alvos frequentes e eram atacadas
por foguetes e morteiros da Peshmerga.
Batalha dos Pântanos
Em
1984, o exército iraniano havia se reorganizado e lançou, junto com a Guarda
Revolucionária, a Operação Kheibar, que durou de 24 de fevereiro até 19 de
março. O Irã atacou a região central do fronte de batalha nas fronteiras, onde
um Corpo do Exército iraquiano estava posicionado: ambos os lados contavam com
mais de 250 000 homens cada. O objetivo era fazer uma nova tentativa de
conquistar as importantes estradas que conectavam Basra a Bagdá, tomar a região
no meio e se preparar para eventualmente avançar sobre a capital do país de
Saddam. O alto comando iraquiano assumiu que as regiões pantanosas acima de
Basra eram barreiras naturais difíceis demais para serem transponidas. Os
pântanos tornavam difícil a movimentação de veículos pesados dos iraquianos e
absorviam os tiros de artilharia e bombas, diminuindo seu efeito.
Antes
do ataque principal da infantaria, comandos iranianos desembarcaram de
helicópteros atrás das linhas inimigas e destruíram parte da artilharia
iraquiana. Duas ofensivas menores, parte das operações Fajr al-Nasr, tinham
como objetivo tomar a cidade de Kut al-Imara, no Iraque, e cortou a ligação
entre o centro e o sul do país, atrapalhando a coordenação das forças de
Saddam. Soldados iranianos cruzaram os rios da região em barcos rápidos e
furtivos, mas avançaram apenas 24 km.
Em
24 de fevereiro foi oficialmente lançado a Operação Kheibar, com 250 000 homens
na linha de frente em cada lado, cruzando o pântano de Hawizeh usando
helicópteros e barcos em um ataque anfíbio. Os iranianos atacaram então a ilha
Majnoon, rica em petróleo, lançando tropas via helicóptero e cortando as linhas
de comunicação entre Amareh e Basra. Eles então continuaram avançando em
direção a Qurna. Majnoon caiu a 27 de fevereiro, mas a força aérea iraquiana
derrubou vários helicópteros iranianos. No mesmo dia, uma frota de helicópteros
transportando tropas iranianas foi atacada por caças iraquianos (MiGs, Mirages
e Sukhois). Foi essencialmente um massacre, com 49 dos 50 helicópteros iranianos
derrubados. Ao mesmo tempo, combates aconteciam na água e nos pântanos, numa
linha de frente de 2 km. O Iraque colocou eletrodos na água, que acabaram
eletrocutando até a morte vários soldados iranianos. Corpos dos soldados do Irã
mortos eram frequentemente mostrados na televisão estatal iraquiana. Mesmo com
a guerra estando em um impasse sangrento, a mídia do Iraque, controlada pelo
regime de Saddam Hussein, continuava dizendo que tudo ia bem.
Em
29 de fevereiro, os iranianos chegaram perto de Qurna e se aproximaram da tão
disputada autoestrada que liga Bagdá a Basra. Eles haviam superado os pântanos
e retornaram ao terreno aberto, onde foram confrontados com armas pesadas
convencionais, como artilharia, tanques e aeronaves, que lançavam ogivas
contando gás mostarda. Cerca de 1200 iranianos morreram no contra-ataque do
Iraque. O Irã recuou até o pântano, mantendo o controle da estratégica ilha de
Majnoon.
A
batalha pelos pântanos no sul do Iraque viu as forças de Saddam sob constantes
ataques. O uso extenso de armas químicas aliviou sua situação e as melhoras nas
posições defensivas iraquianas sangravam os inimigos que avançavam e os
fatigava até forçar o seu recuo. O Iraque contava muito com seus helicópteros
Mi-24 para caçar as tropas iranianas nos pântanos, e pelo menos 20 000 destes
foram mortos, ao custo de quase 10 000 vidas iraquianas.
Em
meados do quarto ano do conflito, o Irã já havia perdido 170 000 homens em
combate e outros 340 000 ficaram feridos. As baixas iraquianas contabilizavam
80 000 soldados mortos e outros 150 000 mais feridos.
A "Guerra dos navios petroleiros"
e a "Guerra das Cidades"
Sendo
agora incapaz de lançar qualquer ofensiva terrestre contra o Irã, os iraquianos
começaram a conduzir bombardeios aéreos estratégicos contra navios iranianos no
Golfo Pérsico, além de também mirar outros alvos de valor econômico (como
refinarias) e várias cidades, a fim de atingir a economia e a moral do povo
iraniano. O Iraque também esperava que o Irã esboçasse alguma reação exagerada
que chamasse a atenção das potências ocidentais para então envolve-las
diretamente na guerra em favor do Iraque.
Ataques a navios
A
chamada "Guerra dos Petroleiros" começou quando o Iraque pasasou a
atacar, no começo de 1984, os portos da ilha Kharg e os navios petroleiros ali
ancorados. O objetivo que Saddam esperava alcançar era forçar o Irã a retaliar
brutalmente e tomar medidas como fechar o Estreito de Ormuz para o tráfego
marítimo, fazendo com que as potências estrangeiras, especialmente os Estados
Unidos, reagissem: os americanos já haviam ameaçado intervir caso o estreito de
Ormuz fosse fechado, por qualquer um dos lados. Então os iranianos retaliavam
com ações de sabotagem e ataques aéreos e navais (a marinha do Irã era muito
superior em números e tinha melhor tecnologia que a do Iraque) apenas contra
navios iraquianos, permitindo que embarcações de outras nacionalidades
trafegassem sem problemas.
O
Iraque declarou que todos os navios indo ou voltando de portos iranianos na
zona norte do Golfo Pérsico estavam sujeitos a ataques. Eles usavam seu poder
aéreo, especialmente helicópteros, e aviões como o F-1 Mirage e o MiG-23
armados com mísseis antinavio Exocet, de fabricação francesa, para atacar. Os
iraquianos bombardeavam com frequência a ilha de Kharg e suas refinarias e
portos. Depois dessas agressões, o Irã atacou, próximo ao Bahrein, um navio
petroleiro do Kuwait carregando petróleo iraquiano a 13 de maio de 1984, além
de um petroleiro saudita no dia 16. Já que o Iraque tinha dificuldades em
exportar seu petróleo por terra, eles dependiam muito da ajuda de aliados
árabes para fazer transporte marítimo. Os iranianos passaram a atacar mais
navios do Kuwait transportando petróleo iraquiano, mais tarde bombardeando
qualquer embarcação que ajudasse Saddam. Ataques dos dois lados a navios de países
do Golfo (alguns neutros), expandiram-se para atacar embarcações genérias, que
não necessariamente transportavam petróleo. Como respostas, a Arábia Saudita
enviou caças para patrulhar suas águas e em 5 de junho um dos seus F-15s
abaterão um avião F-4 Phantom II iraniano.
Os
ataques pelo ar e pelo mar, na verdade, não danificaram a economia dos países
do Golfo Pérsico e o Irã passou a usar o porto da ilha Larak, mais próximo ao
estreito de Ormuz.
A
Marinha do Irã impôs um bloqueio naval ao Iraque, usando fragatas de fabricação
britânica, e começou a deter e inspecionar navios que faziam negócios com o
Iraque. Eles operavam com impunidade, já que a marinha iraquiana era muito
pequena e mal armada. Além disso, os pilotos iraquianos tinham quase nenhum
treinamento em combate aéreo naval. Alguns navios de guerra iranianos abriram
fogo contra navios petroleiros que passavam pelo Golfo. O Irã também contava
com a marinha dos Guardiães da Revolução Islâmica, que usavam ligeiros navios
Boghammar. Os iranianos também usavam aeronaves e helicópteros que partiam de
bases aéreas no solo, armados com mísseis AGM-65 Maverick e foguetes antinavio.
No
meio desse caos, o navio de guerra americano USS Stark (FFG-31) foi atingido, a
17 de maio de 1987, por dois mísseis Exocet disparados por um F-1 Mirage
iraquiano. O avião havia recebido um alerta do Stark pedindo para não se
aproximar. A fragata americana não detectou o míssil no radar e os avisos só
teriam sido dados momentos antes do ataque. Os dois mísseis disparados pelo
Mirage acertaram em cheio a embarcação estadunidense e explodiu nos alojamentos
da tripulação, matando 37 marinheiros e ferindo outros 21.
A
empresa britânica de seguros Lloyd's of London, estimou que 546 navios
comerciais foram danificados e pelo menos 430 civis morreram. A maioria dos
ataques foram perpetrados pelos iraquianos em águas do Irã. Mas as ações dos
iranianos contra embarcações kuwaitianas fez com que o governo dos países da
região pedissem ajuda externa para lidar com a situação, em novembro de 1986. A
União Soviética respondeu positivamente e despachou navios para escoltar os
cargueiros que navegavam no Golfo Pérsico, em 1987, e então a marinha dos
Estados Unidos enviou também navios para proteger os petroleiros das nações
aliadas do Golfo, permitindo que estes usassem a bandeira americana. Em março
de 1987 o governo americano lançou a Operação Earnest Will, para proteger o
trafego marítimo na região. Navios de nações neutras que iam para o Irã não
recebiam proteção estrangeira, o que reduziu o comércio de petróleo naval do
mundo com o Irã, já que havia o risco de um ataque iraquiano. Os iranianos
acusavam assim os Estados Unidos de intervir na guerra em favor do Irã.
Durante
o curso da guerra, o Irã chegou a atacar dois navios da marinha soviética que
protegiam petroleiros kuwaitianos. Também houve um caso de um Seawise Giant,
uma das maiores embarcações já construídas, transportando petróleo iraniano cru
para fora do Golfo, atingido e severamente danificado por um Exocet iraquiano.
Ataque à cidades
A
parir de 1984, os iraquianos começaram a fazer mais extensos bombardeios
estratégicos contra cidades iranianas. Embora o Iraque já tivesse feito ataques
com aviões e mísseis contra municípios pelo Irã, essa campanha sistemática de
bombardeios foi a maior da guerra. Isso ficou conhecido como a "Guerra das
Cidades". Com ajuda dos soviéticos e dos americanos, a força aérea iraquiana
foi reestruturada e expandida. Enquanto isso, o Irã sofria com a falta de
equipamentos e sanções, dependendo de caras compras no mercado negro. O Iraque
usava os aviões bombardeiro estratégicos Tu-22 e Tu-16 para lançar bombardeios
de longa distância às cidades iranianas, incluindo Teerã. Aviões de bombardeio
de curto alcance, como o Mig-25 e o Su-22, para lançar ataques, e caças como o
Mig-29 para escolta. Alvos civis e industriais eram atingidos com mais
frequência e cada ataque bem sucedido danificava muito a já cambaleante
economia iraniana.
Em
resposta a isso, os iranianos lançaram mais patrulhas com caças F-4 Phantom e
F-14s para interceptar as aeronaves iraquianas. Apesar das baixas sofridas
devido aos aviões do Irã e ao fogo antiaéreo, os bombardeios do Iraque eram bem
sucedidos e se tornou uma dor de cabeça para as autoridades iranianas. Em 1986,
o Irã expandiu seu sistema de defesa aéreo para tentar resistir. Perto do fim
da guerra, os ataques iraquianos com mísseis balísticos eram indiscriminados,
enquanto as incursões aéreas tinham se reduzido de intensidade. Em 1987, Saddam
ordenou que bombardeios com ogivas contendo componentes químicos fossem usados
contra cidades do Irã, como a cidade de Sardasht. Centenas de pessoas morreram.
O
Irã tentou retaliar, bombardeando cidades próximas a fronteira, como Basra. Os
iranianos também usavam alguns mísseis Scud, vindos da Líbia, e os dispararam
contra Bagdá, infligindo muitos danos.
A
7 de fevereiro de 1984, (durante a fase inicial da "guerra das
cidades") Saddam Hussein ordenou que sua força aérea atacasse direto onze
cidades iranianas em particular, indo até 22 de fevereiro. O objetivo desses
bombardeios era desmoralizar os civis do Irã e forçar governo deles a negociar,
mas eles tiveram pouco efeito. A aviação militar iraquiana sofreu pesadas
baixas no processo e o Irã revidava, atingindo Bagdá e algumas outras cidades
iraquianas com mísseis balísticos, artilharia e até aviões. Essas ações, apesar
de pouco eficientes, causavam muitas perdas civis e isso se repetiria diversas
vezes nos próximos anos como parte do que ficou conhecido como "a guerra
das cidades". Apenas em fevereiro de 1984, foi estimado que 1 200 civis
iranianos foram mortos pelas bombas iraquianas. Apesar de pouco eficiente, esta
estratégia deixou muitas fatalidades e cidades em ruina.
Situação estratégica em 1984
Em
1984, foi estimado que o Irã já havia perdido pelo menos 300 000 combatentes
(entre mortos e feridos), enquanto as baixas iraquianas eram estimadas em mais
ou menos 150 000. Analistas estrangeiros concordavam que ambos os lados haviam
falhado em usar quaisquer equipamentos modernos que tinham a disposição e
empregaram táticas obsoletas, especialmente nas ofensivas. Muito equipamento
danificado tinha que ser deixado para trás pois os seus técnicos e engenheiros
não eram capazes de conserta-los. Os militares iraquianos e iranianos mostravam
pouca coordenação com seus comandados e unidades inteiras eram deixadas para lutar
sozinhas. Como resultado, ao fim de 1984, a guerra entrou em outro impasse
estratégico. Entre 18 e 25 de outubro de 1984 o Irã lançou uma pequena ofensiva
(Dawn 7), onde eles expulsaram as forças iraquianas de Mehran.
Ofensivas e retiradas
Em
1985, as forças armadas do Iraque ainda recebiam apoio financeiro da Arábia
Saudita, do Kuwait e de outros Estados do Golfo Pérsico, e ainda faziam enormes
compras de armas da União Soviética, da China e da França. Foi neste ano que,
pela primeira vez desde 1980, Saddam lançou novas ofensivas contra o Irã.
Em
6 de janeiro de 1986, os iraquianos lançaram uma nova ofensiva para tentar
retomar a ilha de Majnoon. Contudo, eles não conseguiram sobrepujar as linhas
de 200 000 soldados e milicianos iranianos, que receberam reforços de tropas
anfíbias. Ainda assim, os militares de Saddam conseguiram conquistar uma
posição permanente no sul da ilha.
Os
iraquianos lançaram uma nova "guerra das cidades" entre 12 e 14 de
março de 1986, bombardeando e atingindo 158 alvos em mais de 30 cidades,
incluindo Teerã. O Irã respondeu lançando pelo menos 14 mísseis Scud contra o
Iraque, adquiridos da Líbia. Mais incursões aéreas iraquianas aconteceram em
agosto, causando muitas baixas civis. O Iraque continuou atacando navios
petroleiros iranianos ou de nações neutras, especialmente no Golfo Pérsico ou
no Golfo de Omã. Estes ataques aéreos eram conduzidos por aeronaves Super
Étendard e Mirages F-1, além de helicópteros Super Frelon, usando mísseis
franceses MBDA Exocet.
Operação Badr
Os
iraquianos lançaram uma ofensiva a 28 de janeiro de 1985, que acabou
fracassando. Os iranianos responderam em 11 de março com mais um ataque direto
contra a autoestrada Bagdá-Basra (uma das poucas grandes ofensivas de 1985),
codinome Operação Badr (nome que vem da famosa Batalha de Badr, a primeira
vitória de Maomé em Mecca). O aiatolá Khomeini declarou então aos iranianos:
"Acreditamos que Saddam
deseja retornar o islã a blasfêmia e ao politeísmo... se a américa vencer... e
dê vitória para Saddam, o islã receberá um golpe tal que não será capaz de
voltar... é o islã contra a blasfêmia e não o Irã contra o Iraque".
Esta
operação foi similar a Kheibar, mas foi melhor planejada. O Irã mobilizou 100
000 combatentes, com mais 60 000 na reserva. Eles infiltraram o terreno
pantanoso, abriram caminho e construíram uma ponte improvisada. A milícia Basij
havia adquirido novas arma antitanque, o que ajudou futuras campanhas.
A
ferocidade e o ímpeto do ataque iraniano surpreendeu os iraquianos, que
acabaram cedendo. A Guarda Revolucionária, com apoio de tanques e artilharia,
avançaram pelo norte da cidade de Qurna em 14 de março. Na mesmo noite, 3 000
iranianos atravessaram o rio tigre usando pontes improvisadas, uma vitória,
ainda que pequena, se comparada a outras operações para tomar a estrada que
liga Basra a Bagdá.
Saddam
respondeu mandando um extenso bombardeio com armas químicas contra as posições
iranianas perto da autoestrada e iniciou novamente a supracitado "guerra
das cidades", bombardeando com aviões e foguetes centros populacionais no
lado do Irã na fronteira. Mais de vinte municípios foram atingidos, incluindo
Teerã. Sob comando dos generais Hashim Ahmad al-Tai e Jamal Zanoun (considerado
uns dos mais habilidosos comandantes iraquianos), as tropas de Saddam Hussein
contra-atacaram e forçaram o recuo dos iranianos, usando artilharia pesada e
infantaria móvel. Armas químicas e biológicas também foram usadas e os
iraquianos ainda inundaram as trincheiras e vales com água, para dificultar a
movimentação inimiga.
Os
iranianos tiveram de recuar até os pântanos de Hoveyzeh enquanto eram atacados
por helicópteros. Os iraquianos então não tiveram problemas em retomar a
autoestrada. A operação Badr resultou na morte de mais de 10 000 iraquianos e
15 000 iranianos.
Como
a maioria das investidas em forma de ataques em "onda humana" não deu
muito certo, o Irã desenvolveu então melhores estratégias, baseado num melhor
relacionamento entre o exército e a Guarda Revolucionária, fazendo com que
estes últimos lutassem de forma mais convencional. Para combater o uso de armas
químicas por parte do Iraque, os iranianos começaram a usar métodos
alternativos, incluindo antídotos. Eles também investiram em desenvolvimento
tecnológico, para tentar diminuir o impacto do isolamento externo e das
sanções. Veículos aéreos não tripulados (drones) como o Mohajer 1, começaram a
ser postos em serviço. Embora a maioria fosse usado para observação, alguns
carregavam um lançador de RPG-7 e realizaram mais de 700 surtidas contra alvos
iraquianos.
Pelo
resto de 1986 e até a primavera de 1988, a eficiência da força aérea iraniana
em defesa antiaérea aumentou, com novas armas chegando e novas táticas sendo
implementadas. Por exemplos, o Irã havia empregado modernos sistemas SAM e
novos caças interceptadores para criar "regiões de morte" onde a
aviação militar iraquiana sofria pesadas perdas. O Iraque respondeu colocando
também mais modernos aviões em serviço, como o Mig-29 russo, além de incorporar
elementos de medidas de ataque eletrônico, defesa antiaérea e até mísseis
anti-radiação. Devido as pesadas baixas sofridas na últimas "guerra entre
cidades", os iraquianos reduziram o volume de ataques aéreos contra municípios
iranianos além de sua fronteira. Ao invés disso, eles lançavam vários mísseis
Scuds, que os iranianos não possuíam capacidade para interceptar. Já que os
Scuds não tinham alcance para atingir Teerã, muitos foram modificados para a
versão Al-Hussein, criado com ajuda de engenheiros alemães. O Irã retaliou
também modificando seus próprios mísseis balísticos. O Iraque, contudo, tinha
mais mísseis a disposição e os usavam com mais frequência e de modo mais
eficiente.
A
contrário do Iraque, que recebia vasto apoio externo, o Irã sofria com falta de
armamentos pesados e outros tipos de equipamentos. Os melhores equipamentos dos
iranianos haviam sido perdidos nos primeiros anos do conflito. Mesmo assim eles
ainda possuíam 1 000 tanques de guerra a sua disposição (muitos capturados dos
iraquianos) e também tinham muitas armas de artilharia, mas eles ainda sofriam
com a falta de peças de reposição. Para tentar superar isso, compras eram
feitas no mercado negro. Eles secretamente importavam armamentos no exterior,
como armas antiaéreas do tipo RBS-70. Apesar de ser um dos principais
apoiadores do Iraque, os Estados Unidos passaram também a enviar armas ao Irã
de forma clandestina. Os americanos, assim como alguns outros paíse, tinham
mudado de visão no decorrer do conflito e agora queriam a manutenção do status
quo e impedir que qualquer um dos lados saísse vitorioso. A Casa Branca ainda
queria que o Irã usasse sua influência para ajudar na libertação dos reféns
americanos no Líbano. No escandalo que ficou conhecido como "Caso
Irã-Contras", os Estados Unidos forneceram algumas armas como o míssil
antitanque BGM-71 TOW, que eram mais eficientes que os seus lança-granadas-foguetes.
O Irã começou a desenvolver variantes destas armas por conta própria. Assim, no
começo de 1986, a situação dos iranianos no campo de batalha melhorou, mas suas
perdas continuavam altas.
Primeira Batalha de al-Faw
Na
virada da noite do dia 10 a 11 de fevereiro de 1986, o Irã lançou a oitava
Operação Valfajr ("Amanhecer"), com 30 000 soldados na linha de
frente, atacando de duas posições diferentes para tomar a península de Al-Faw,
no sul do Iraque, a única área do país com acesso por terra ao Golfo Pérsico.
Apesar das altas baixas sofridas, os iranianos foram bem sucedidos. A conquista
de Al Faw e de Umm Qasr foi uma importante vitória para o Irã e tinha por
objetivo tornar o Iraque mais flexível a aceitar a paz. Os iranianos então
lançaram um pequeno ataque contra Basra, mas foram detidos. Enquanto isso, um
ataque anfíbio iraniano começou na costa da península. A resistência foi feita
por parte da milícia Exército Popular do Iraque. Mal armados e mal preparados,
eles foram facilmente superados. Os iranianos estabeleceram pontes improvisadas
sobre o rio Chatt al-Arab, e logo 30 000 de seus soldados passaram pela região.
Eles foram até o norte da península e derrotaram o que sobrou das tropas
iraquianas em menos de 24 horas. Logo depois eles firmaram novas posições
defensivas.
A
repentina e relativamente fácil conquista de al-Faw pelos iranianos tomou o
Iraque de surpresa, já que eles julgavam impossível qualquer um cruzar o Chatt
al-Arab com tanta rapidez. A 12 de fevereiro de 1986, os iraquianos lançaram
uma grande ofensiva para retomar a península de al-Faw, que acabou fracassando
após uma semana de intensos combates. A 24 de fevereiro, Saddam mandou um dos
seus melhores comandantes, o general Maher Abd al-Rashid, e algumas de suas
melhores tropas, a Guarda Republicana, para tentar de uma vez por todas
recapturar al-Faw. Combates violentos foram reportados, mas, novamente, com
pouco sucesso e sofrendo altas baixas: a 15ª divisão mecanizada iraquiana, por
exemplo, foi quase que completamente exterminada. A conquista de al-Faw e o
fracasso dos contra-ataques foram um duro golpe para o prestígio do regime
Ba'ath, e deixou os países do Golfo Pérsico com medo de uma possível vitória
iraniana. O Kuwait, em particular, viu a ameaça de tropas do Irã a menos de 16
km das suas fronteiras e então passou a dar mais apoio financeiro ao Iraque.
Em
março de 1986, os iranianos tentaram continuar com a boa maré e avançaram sobre
Umm Qasr, o que negaria completamente ao Iraque acesso ao mar do Golfo e
botaria tropas iranianas diretamente ao lado do Kuwait, o que os iranianos
acreditavam que forçaria Saddam a negociar de qualquer jeito. Contudo, a
ofensiva foi detida devido a falta de suprimentos e de veículos blindados. A
esta altura, 10 000 iraquianos morreram neste combate. As perdas iranianas
foram mais altas, ficando em mais ou menos 30 000 fatalidades. A primeira
batalha de al-Faw terminou em março, mas os combates continuaram na península
até 1988, com nenhum dos dois lados conseguindo superar o outro. A luta
terminou em impasse e numa série de embates e escaramuças sangrentas,
especialmente pelos pântanos da península. Cerca de 53 000 soldados iraquianos
morreram lutando em al-Faw. As baixas totais iranianas são desconhecidas, mas
presume-se que tenham sido bem altas.
Batalha de Mehran
Imediatamente
após os iranianos terem conquistado a cidade de al-Faw, Saddam ordenou uma nova
ofensiva contra Irã como represália. O município de Mehran, no lado iraniano da
fronteira, nos pés das montanhas Zagros, foi selecionado como o alvo. Entre os
dias 15 e 19 de maio de 1986, o 2º Corpo do exército iraquiano, apoiado por
helicópteros de ataque, tomou a cidade de assalto. Hussein ofereceu devolver
Mehran em troca al-Faw. Os iranianos rejeitaram a oferta. Assim o Iraque
prosseguiu atacando, tentando avançar mais dentro do Irã. Porém a infantaria
iraniana resistiu e os blindados e veículos iraquianos sofreram com ataques dos
helicópteros iranianos AH-1 Cobra e os recém adquiridos mísseis TOW, que
infligiram pesadas baixas nas tropas de Saddam.
Firmando
suas posições na parte elevada do terreno, os iranianos cercaram Mehran. A 30
de junho eles atacaram. Menos de uma semana depois, os soldados iraquianos na
região se renderam. Saddam ordenou que a Guarda Republicana (suas tropas de
elite) retomassem a cidade. Eles atacaram a 4 de julho mas foram repelidos. Os
iraquianos sofreram baixas tão altas que eles não tiveram como impedir os
avanços iranianos até além da fronteira comum dos dois países. Frente a esses
retrocessos, o Iraque teve sua capacidade bélica reduzida e assim eles não
conseguiram lançar grandes ofensivas pelos últimos dois anos da guerra. As
derrotas iraquianas em al-Faw e em Mehran atingiram em cheio o prestígio e a
reputação do regime iraquiano. A má situação do Iraque preocupou as potências
ocidentais e as nações do Golfo.
Ao
fim de 1986, para observadores internacionais, o Irã estava vencendo a guerra.
Na frente norte, os iranianos começaram a avançar até a cidade de Suleimaniya
com ajuda de guerrilheiros curdos, pegando o Iraque de surpresa. Eles chegaram
a 16 km do seu alvo mas foram detidos por incursões do exército baathista e por
ataques químicos. Os militares iranianos também chegaram até as montanhas Meimak,
a apenas 113 km de Bagdá. O Iraque conseguiu controlar as coisas no sul, mas
não ganhavam muito terreno e estavam sob constante pressão dos iranianos.
O
Iraque respondeu lançando outra "guerra das cidades". Em um desses
ataques, a principal refinaria de petróleo de Teerã foi atingida. Em outro
caso, o Iraque conseguiu danificar as antenas de telecomunicação de Assadabad,
atrapalhando as comunicações por telefone e os serviços de telex por quase duas
semanas direto em uma grande região. Áreas civis também foram atingidas,
resultando em muitas mortes. No golfo pérsico, os iraquianos continuavam a
atingir navios petroleiros iranianos. O Irã, como de costume, respondeu
lançando mísseis Scud contra alvos no Iraque.
O
Iraque continuou atacando a importante ilha de Kharg e os navios nela
ancorados. Petroleiros e estações de extração de petróleo também eram
atingidos. O Irã passou a escoltar seus navios até a ilha de Larak, onde era
mais seguro. Lá, eles eram transportados até o alto mar, que era mais neutro.
Eles também reconstruíam os terminais de petróleo danificados pelos iraquianos,
enquanto retaliava também atacando embarcações que levavam petróleo cru
iraquiano. A guerra dos petroleiros aumentou significativamente nos últimos
dois anos de guerra, com o número de ataques dobrando em 1986 (a maioria
executados pelo Iraque). Os iraquianos tinham permissão do governo saudita para
usar seu espaço aéreo e atacar na ilha Larak, apesar da distância fazer estes
ataques mais difíceis e menos frequentes. Os ataques aos cargueiros e
petroleiros continuavam a causar tensão e preocupação das nações ocidentais
(especialmente os Estados Unidos), muito dependentes do petróleo da região.
Em
abril de 1986, o aiatolá Khomeini emitiu um fatwa declarando que a guerra
deveria ser vencida até maio de 1987. Os iranianos começaram a recrutar mais
pessoal, reunindo 650 000 voluntários. A animosidade entre o exército e a
Guarda Revolucionária voltou, com os militares querendo ser melhor usados,
enquanto a Guarda exigia liderar as ofensivas. O Irã, confiante no sucesso,
começou a planejar sua maior ofensiva da guerra, que eles chamaram de
"ofensivas finais".
Estratégia de defesa iraquiana
Frente
as derrotas em al-Faw e Mehran, o Iraque parecia estar perdendo a guerra. Os
generais iraquianos estavam irritados com as constantes interferências de
Saddam e até ameaçaram se rebelar contra o regime baathista a não ser que eles
tivessem mais liberdades operacionais. Estranhamente e em um gesto raro, Saddam
cedeu as exigências de seus generais e deu mais liberdade de decisões a
eles.[38] Nesta altura, a estratégia iraquiana era frustrar as ofensivas do
Irã. Contudo, a humilhante derrota na península de al-Faw fez com que o ditador
iraquiano declarasse que a guerra se tornara Al-Defa al Mutahharakkha ("A
Defesa Dinâmica"),e anunciou que todos os civis tinham que tomar parte no
esforço de guerra. Muitas universidades foram fechadas e os estudantes homens
foram obrigados a servir nas forças armadas. Civis foram mandados para ajudar
na defesa e muitos também foram enviados para os pântanos do sul para drena-los
com o intuito de impedir ações anfíbias das unidades de infiltração iranianas.
O
governo iraquiano, governado pela minoria sunita, tentou envolver os xiitas no
esforço de guerra, integrando-os ao partido Ba'ath. Com o objetivo de combater
o fervor religioso invocado pelos iranianos (xiitas, em sua maioria) e ganhar
mais apoio das massas, o regime de Saddam, outrora extremamente secular,
começou a fazer propaganda religiosa. Imagens de Saddam Hussein orando e
fazendo peregrinações para locais sagrados do islã começaram a aparecer muito
na mídia estatal. Com a moral iraquiana baixa durante quase toda a guerra, a
conquista de al-Faw fez crescer um fervor patriota, com os iraquianos temendo
uma invasão estrangeira em larga escala. Saddam também começou a aceitar
recrutas de outros países árabes para formar suas milícias e a Guarda
Republicana também recebeu mais apoio técnico de nações estrangeiras. Apesar
das perdas sofridas pelos militares iraquianos, o apoio na forma de dinheiro e
equipamentos do exterior fez com que eles ainda fossem capazes de se reerguer,
chegando a ter quase 1 milhão de homens nas forças armadas ao fim de 1988.
Ao
mesmo tempo, Saddam ordenou o início da chamada Operação Anfal em uma tentativa
de acabar com a rebelião curda de uma vez por todas. Os curdos tinham
abertamente apoiado os iranianos e se aproveitaram do caos da guerra para se
revoltar. O resultado foi a destruição de diversas aldeias, cidades e vilas.
Milhares de pessoas foram mortas (algumas fontes estimam mais de 150 000
fatalidades em um período de três anos), a maioria civis.
Os
iraquianos também tentaram melhorar suas táticas de manobra. O Iraque também
buscou profissionalizar mais suas forças armadas. Até 1986, o exército (formado
por conscritos), e a milícia voluntária "Exército Popular do Iraque",
conduziam a maioria das operações militares, sem muito efeito. A Guarda
Republicana Iraquiana, outrora uma espécie de guarda pretoriana, foi expandida
e passou a ser comandada pelos melhores oficiais e a ter os melhores soldados
do país. Lealdade ao governo já não era mais um requisito para se alistar.
Contudo, devido a paranoia de Saddam, o antigo dever da Guarda Republicana
(proteger o líder e servir o partido) foi transferido para uma nova unidade,
chamada de 'Especiais'. Treinamentos em larga escala (envolvendo militares e
alguns civis) aconteciam nos desertos do oeste, o que resultou numa melhor
preparação dos membros das forças armadas. O Iraque, quando a guerra terminou,
havia conseguido construir um vasto exército, com a quarta maior infantaria do
mundo.
O Caminho para o cessar-fogo
Enquanto
os iraquianos buscavam se reinventar, os iranianos continuaram atacando. O ano
de 1987 viu novamente o amplo uso de ataques na forma de ondas humanas pelos
iranianos, tanto no norte quanto no fronte sul. O Iraque havia fortificado suas
posições defensivas. Anéis de defesa foram erguidos as margens do rio Jasim,
junto com barreiras naturais. Os lagos do leste foram enchidos de minas, as
margens tinham arames farpados, eletrodos e vários sensores. Além disso, atrás
das linhas de defesa, havia pesada artilharia e um aeroporto com aviões e
helicópteros de combate leve. Além da munição convencional para bombardear, os
iraquianos também tinham várias ogivas com gases venenosos.
O
Irã planejou sobrepujar estas linhas de defesa, cercar Basra, isolando esta a
região de norte a sul, e separando a península de Al-Faw do resto do país. Os
iranianos imaginavam que a queda de Basra seria o golpe fatal no regime de
Saddam Hussein e o forçaria a negociar em termos favoráveis ao governo do Irã.
A estratégia iraniana era simples: um ataque próximo a Basra, para distração,
uma ofensiva forte no centro e um outro ataque distrativo com uma divisão
blindada ao norte, para atrair a atenção do Iraque para outro lugar longe de
Basra. Para estas batalhas, o Ira reexpandiu seus exércitos, recrutando novos
soldados e milicianos. Eles conseguiram reunir uma força de 150 000 a 200 000
homens para a luta.
Operações Karbala
A
25 de dezembro de 1986, o Irã lançou a Operação Karbala-4 (Karbala se referindo
a vitória Hussein ibn Ali em 680 A.D.). De acordo com o general Ra'ad
al-Hamdani, esta ofensiva foi apenas para distrair. Os iranianos lançaram um
ataque anfíbio contra a ilha iraquiana de Umm al-Rassas, que ficava na costa do
rio Chatt Al-Arab e paralela a Khoramshahr. Eles então ergueram uma ponte
artificial e continuaram seu ataque, eventualmente capturando a ilha. Eles não
fizeram progressos além disso e ainda sofreram mais de 60 000 baixas (mortos e
feridos), enquanto o Iraque perdeu apenas 9 500 soldados. Os comandantes
iraquianos exageram as perdas iranianas em seus relatórios para Saddam e foi
assumido que a principal ofensiva do Irã contra Basra havia fracassado e que
não tinham mais capacidade de continuar avançando. Assim, quando os iranianos
lançaram novos ataques no sul do Iraque, em 1987, o governo iraquiano foi pego
de surpresa.
Operação Karbala-5 (Segunda
Batalha de Basra)
O
Irã lançou a Operação Karbala-5 na meia-noite do dia 8 de janeiro de 1987,
quando uma força de ataque de 35 000 soldados atravessaram a região de lagos da
província de Basra, enquanto outras quatro divisões se moviam pelo sudeste,
circundando as forças iraquianas e capturando Duaiji, um complexo de canais de
irrigação. De lá eles partiram para recapturar a cidade de Shalamcheh. Entre 9
e 10 de janeiro, os iranianos quebraram as duas primeiras linhas de defesa de
Basra ao norte, graças aos seus tanques. O Irã reforçou suas linhas com 60 000
tropas extras e começaram a caçar as forças iraquianas remanescentes na região.
Em
9 de janeiro, os iraquianos lançaram seu contra-ataque, apoiado por aeronaves
Su-25 e Mig-29. No dia seguinte, o Iraque lançou tudo que tinha contra as
posições iranianas. Apesar da desvantagem de 10 para 1 no ar, a defesa
antiaérea do Irã fez um bom trabalho, abatendo de 50 a 60 jatos (10% da força
aérea iraquiana), permitindo que os aviões iranianos fornecessem apoio aéreo
próximo a infantaria. Os pilotos do Irã também eram melhores em combate contra
os caças iraquianos. Os tanques do Iraque tinham dificuldade de passar pelos
pântanos e eram facilmente derrotados pelos helicópteros Cobra e mísseis TOW.
Então, com a infantaria sofrendo pesadas baixas devido a falta de apoio aéreo,
os aviões iraquianos voltaram com tudo e novamente travaram intensas batalhas
pelo controle do espaço aéreo do sul do Iraque.
Apesar
dos sucessos iniciais, as linhas de defesa iraquianas acabaram detendo,
eventualmente, o ataque do Irã. Entre 19 e 24 de janeiro, os iranianos lançaram
outra ofensiva, quebrando a terceira linha iraquiana e expulsando o inimigo das
margens do rio Jasim. Com ambos os lados trazendo reforços, a luta chegou em um
impasse sangrento. A 29 de janeiro, os iranianos lançaram um novo ataque pelo
oeste do rio Jasim, avançando no perímetro iraquiano. Eles avançaram 12 km
dentro de Basra. Nesta altura nenhum lado mais conseguia avançar. A TV estatal
iraniana mostrou fotos da periferia de Basra, mas o Irã não avançou além disso.
A quantidade de homens que os iranianos perderam foi altíssima e assim eles não
resistiram quando os iraquianos contra-atacaram com força e tiveram de recuar.
A luta nos arredores de Basra continuou, enquanto 30 000 soldados do Irã
mantinham sua posição no sul. Logo os exércitos opostos se entrincheiraram, com
nenhum lado forçando o recuo do outro. Os iranianos tentaram diversas vezes
avançar mas sempre sem sucesso. A operação Karbala-5 oficialmente foi encerrada
em fevereiro, mas os combates pela região continuaram, enquanto o Irã ainda
cercava a cidade.
Cerca
de 65 000 iranianos foram ou mortos ou feridos nos combates, incluindo o
general Hossein Kharrazi. As baixas iraquianas somaram quase 20 000 homens na
operação Karbala-5. Basra ficou parcialmente em ruínas e as perdas materiais
sofridas pelo exército do Iraque foram altas. Esta luta foi uma das mais
pesadas e sangrentas da guerra, com ambos os lados saindo dela muito
desgastados. O combate por Shalamcheh, bem próximo a Basra, ficou conhecida
como o "Somme da guerra Irã-Iraque". Naquela altura, a situação havia
piorado de forma tal que Saddam, enfurecido, ordenou a execução de vários de
seus oficiais (alguns notavelmente competentes). Com a aviação iraniana lutando
em Basra, bombardeiros iraquianos atacaram as posições do Irã na retaguarda com
armas químicas, e também lançaram bombas convencionais contra cidades iranianas
como Teerã, Isfahan e Qom. Estes ataques deixaram mais de 3 000 civis iranianos
mortos. As retaliações iranianas com mísseis balísticos no Iraque deixou mais
de 300 civis mortos.
Operação Karbala-6
Quase
que ao mesmo tempo da Operação Karbala 5, em 1987, o Irã também lançou a
Operação Karbala-6 contra as posições iraquianas em Qasr-e Shirin, no centro da
fronteira, para evitar que Saddam mandasse tropas para o sul. O ataque foi
liderado por homens da organização Basij e por combatentes da Guarda
Revolucionária e membros da 77ª Divisão blindada Khorasan. Os iranianos
atacaram os iraquianos de forma impetuosa, forçando o seu recuo. Blindados
iraquianos contra-atacaram os Basij em um movimento de pinça, mas os tanques do
Irã resistiram. Os iranianos só foram detidos depois que o Iraque lançou uma
série de ataques químicos, causando uma enorme quantidade de fatalidades.
Enfraquecimento iraniano
O
resultado da Operação Karbala-5 foi um duro golpe para o Irã, afetando sua
moral. Mas para observadores externos, parecia que o Irã estava se
fortalecendo. Em 1988, o país já tinha se tornado auto-suficiente em diversas
áreas, como na produção de mísseis antitanque, balísticos (Shahab-1),
antinavios (Silkworm), foguetes táticos Oghab e na produção de peças de
reposição para outras armas de seu arsenal. O país também tinha fortalecido seu
sistema de defesa antiaéreo, especialmente após a compra de armamento no
mercado clandestino. A nação estava até produzindo seus drones não tripulados e
aviões pequenos. O Irã também dobrou seu estoque de artilharia e já estava
auto-suficiente na produção de munição e armas pequenas.
Contudo,
o que não era óbvio para os observadores internacionais era que a população do
Irã já estava cansada da guerra e já não acreditava mais que o conflito era do
interesse nacional. O fervor nacionalista e religioso havia sumido e entre 1987
e 1988 foi registrado o menor nível de alistamento de voluntários desde o
início da guerra. Como o esforço de guerra dependia da mobilização e do apoio
popular, sua força militar havia declinado e o Irã já não podia mais lançar
nenhuma grande ofensiva desde meados de 1987. Como resultado, pela primeira vez
desde 1982, o exército regular e não as milícias (como os Guardiões da
Revolução) tinha a supremacia militar. Contudo, o serviço no exército era
obrigatório e isso fez a instituição impopular entre o povo. Começou então a
ser registrado um alto número de deserções. Em maio de 1985, manifestações
antiguerra tomaram conta de 74 cidades pelo país. O regime em Teerã, contudo,
esmagou qualquer oposição ao conflito ou a liderança da nação. Muitos
manifestantes foram mortos nas ruas. Em 1987, o problema da deserção se tornou
extremamente problemático e a Guarda Revolucionária e as demais milícias
governistas começaram a montar bloqueios nas saídas das cidades para capturar
aqueles que tentavam escapar ao serviço militar. Porém, outras pessoas
(incluindo nacionalistas e religiosos), incluindo o clérigo, e as forças do
regime permaneceram lutando, apesar de tudo. A questão da fronteira com o
Iraque ainda motivava muita gente a continuar guerreando.
A
liderança iraniana sabia que a guerra estava em um impasse e então começaram a
agir de acordo. Nenhuma grande ofensiva foi planejada. O chefe do Conselho de
Defesa Supremo, Hashemi Rafsanjani, propôs o fim dos ataques com "ondas
humanas". Mohsen Rezaee, chefe da Guarda Revolucionária, anunciou que as
forças armadas se limitariam a ataques pequenos e ações de infiltração,
enquanto seguia armando e financiando grupos de oposição dentro do Iraque (como
os curdos, a brigada Badr e os movimentos xiitas).
Dentro
do Irã a situação interna não era fácil. A combinação de sanções, queda nos
preços do petróleo (que totalizava quase toda a exportação do país) e os
ataques aéreos do Iraque as suas refinarias e infraestrutura interna haviam
levado a economia iraniana a beira do colapso. Embora as incursões aéreas
iraquianas não tenham feito tantos danos letais assim, a pior coisa havia sido
a Operação Earnest Will (lideradas pelos Estados Unidos). Enquanto os navios do
Iraque e de seus aliados eram protegidos pelo ocidente, os navios iranianos
eram atacados ou abordados. Temendo serem pegos também nações neutras evitavam
fazer negócios com o Irã. A exportação de petróleo iraniano caiu mais de 55%, e
a inflação chegou a 50% em 1987 (com a alta dos preços e escassez de produtos
básicos para a população) e o desemprego cresceu. Do outro lado, o Iraque
também sofria com a guerra. A sua economia também cambaleava e o país
enfrentava um déficit orçamentário gigantesco, uma dívida externa astronômica e
falta de trabalhadores qualificados.
Ao
fim de 1987, o Iraque possuía 5 550 tanques (superando os iranianos em 5 para
1) e 900 aeronaves de combate (superando os iranianos em 10 para 1). Contudo,
após a operação Karbala-5, os iraquianos tinham apenas 100 pilotos qualificados
na força aérea. Assim, Saddam teve que recrutar pilotos estrangeiros, como
belgas, australianos, sul-africanos, de ambas as Alemanhas (Ocidental e
Oriental), e soviéticos. A maioria dos estrangeiros, contudo, vinha de países
árabes. O Iraque, perto do fim do conflito, já era auto-suficiente na produção
de armas química e de algumas convencionais, mas dependia muito da importação
de equipamentos. Foi a ajuda externa que evitou o colapso iraquiano (econômico
e militar) e conforme a guerra prosseguia a dívida externa ia aumentando, assim
como seu poder militar.
Enquanto
as frentes no sul e no centro eram um impasse, o Irã resolveu focar seus
ataques mais no norte do Iraque (com ajuda dos insurgentes da milícia
paramilitar Peshmerga). Aquela região era rica em recursos energéticos, como
petróleo (principalmente), e grandes represas. Ocupando o norte iraquiano, os
iranianos esperavam forçar Saddam a negociar um cessar-fogo. O Irã usou
técnicas de infiltração e semi-guerrilha nas montanhas do Curdistão, com ajuda
dos membros da Peshmerga. Durante a operação Karbala-9, no começo de abril, o
Irã capturou a cidade de Suleimaniya, provocando uma resposta iraquiana na
forma de um bombardeio com armas químicas. Durante a operação Karbala-10, os
iranianos atacaram a mesma área, capturando a região. Já durante a operação
Nasr-4, o Irã cercou Suleimaniya e, com a ajuda dos curdos, se infiltrou 140 km
dentro do Iraque e ameaçou avançar sobre Kirkuk (região rica em petróleo). A
Nasr-4 foi uma das mais bem sucedidas campanhas iranianas da guerra. Contudo,
suas tropas não foram capazes de avançar mais, com o Iraque resistindo e não se
importando muito imediatamente com ceder território no norte.
A
20 de julho, o Conselho de Segurança da ONU aprovou, com apoio americano, a
Resolução 598, que exigiu um fim imediato dos combates e o retorno das
fronteiras de antes do conflito começar. O Irã achou a proposta interessante
pois, ao contrário de outras resoluções, esta não dizia que o Iraque podia
manter os territórios ocupados (algo que Teerã falou que não aceitaria). O
então líder dos Guardiões da Revolução, Mohsen Rezaee, afirmou que este acordo
mais generoso foi tomado apenas após a queda de Al-Faw, que deu ao Irã mais
poder de negociação. Contudo, apenas o Iraque aceitou a resolução. O ministro
das relações estrangeiras iraniano, Ali Akbar Velayati, recusou já que os
iraquianos não tinham acertado uma data para sua retirada. Como resultado, as
nações ocidentais acusaram o Irã de não querer a paz.
Com
os combates na terra se arrastando em um impasse sangrento, a guerra no ar e
dos navios petroleiros se tornou uma importante faceta no conflito.
Após
pesadas baixas sofridas, a força aérea iraniana havia sido reduzida
drasticamente, contendo apenas vinte F-4 Phantoms, vinte F-5 Tigers e quinze
F-14 Tomcats ativos. Apesar disso, o Irã conseguiu consertar vários aviões
danificados. Os iranianos, apesar dos aviões avançados, sofriam com a falta de
equipamentos e de pessoal para sustentar uma guerra de atrito prolongada. Já a
força aérea iraquiana, que sofria com poucas aeronaves modernas, passou a
operar avançadas aeronaves, como o Mig-29 soviético. Países como a França
também venderam vários modelos de aviões aos iraquianos e também mandaram técnicos
para dar auxílio. Contudo, durante boa parte de 1987, os aviões do Iraque
sofreram com a artilharia antiaérea iraniana.
A
tática do Iraque de atacar os meios econômicos do Irã fazer guerra (os poços de
petróleo próximo ao Golfo Pérsico, os navios petroleiros e a ilha Kharg) foi
mudada ainda em 1986, com os iraquianos passando a bombardear alvos da
infraestrutura econômica inimiga. Ao fim de 1987, os iraquianos contavam com
apoio total dos americanos para conduzir operações de longa distância contra
instalações petrolíferas iranianas e outros alvos no Golfo. Navios da marinha
dos Estados Unidos ativamente vigiavam o mar do golfo e reportavam a Saddam a
movimentação naval iraniana e também a localização de suas defesas. Quando os
americanos não conseguiam passar informações para os iraquianos, estes
normalmente sofriam grandes perdas. Um desses casos foi um bombardeio aos
portos da importante ilha Kharg, em 18 de março de 1988: os iraquianos
destruíram dois navios super-tanques mas perderam cinco aeronaves para os F-14
Tomcats iranianos, incluindo dois Tupolev Tu-22Bs e um Mikoyan MiG-25RB. Os
americanos e as nações da Europa se tornaram mais envolvidas na guerra através
das Operações Earnest Will e Prime Chance.
Ataques
a navios petroleiros se tornaram rotina perto do fim da guerra. Apesar desta
atitude ser mais frequente pelo Iraque, o Irã também fazia isso. O Irã tinha
uma marinha convencional maior e ainda usavam navios ligeiros e lanchas da
Guarda Revolucionária para atacar, enquanto os iraquianos usavam seu poderio
aéreo. Em 1987, navios do Kuwait passaram a navegar com a bandeira dos Estados
Unidos, para buscar mais proteção e com os americanos lançando a operação
Earnest Will, passaram a escoltar militarmente estas embarcações. O resultado
foi que navios do Iraque e seus aliados no Golfo tinham muita segurança para
navegar, enquanto os iranianos eram constantemente ameaçados. Até mesmo navios
de nações neutras podiam ser atacados. A economia do Irã não demorou para
sentir esses ataques. Os iranianos passaram então a minar parte do Golfo
Pérsico para desencorajar os iraquianos e aliados a navegar por lá. Assim,
mesmo com a proteção estadunidense, um navio foi afundado por uma dessas minas.
Apesar disso, o Irã teve quer reduzir suas atividades no mar.
Em
24 de setembro, Navy SEALS americanos (forças especiais navais) capturaram a
embarcação iraniana Iran Ajr. O Irã protestou e disse que os Estados Unidos e o
mundo estavam tomando o lado do Iraque na guerra. Naquela altura, os iranianos
estavam praticamente isolados diplomaticamente e sob fortes sanções econômicas.
A 8 de outubro, quatro lanchas iranianas foram afundadas pelos americanos. Em
resposta, os iranianos danificaram um navio tanque kuwaitiano. Os Estados
Unidos retaliaram atingindo duas plataformas de petróleo iranianas em alto mar
no Golfo Pérsico. Entre novembro e dezembro de 1987, a força aérea iraquiana
lançou uma campanha para atingir as bases da aviação militar iraniana no
Khuzistão. Contudo, eles perderam mais de 30 jatos devido ao fogo antiaéreo e
não alcançaram seus objetivos.
Em
28 de junho, caças bombardeiros iraquianos atacaram a cidade iraniana de
Sardasht, próxima a fronteira, usando ogivas contendo gás mostarda. Embora o
Iraque já tivesse usado armas químicas antes, este foi o primeiro uso
deliberado de gases venenosos contra áreas residências cheias de civis. Um
entre cada quatro habitantes da cidade de 20 000 pessoas sentiram os efeitos do
gás e 113 morreram imediatamente, com muitos mais morrendo em períodos
posteriores. Saddam ordenou o ataque para testar as novas armas químicas e
táticas a sua disposição. Este ataque teve um impacto na psique do povo
iraniano, que temiam que outras cidades pudessem também ser alvo de ataques
químicos iraquianos.
Ofensivas iraquianas e
cessar-fogo da ONU
Em
1988, se aproveitando da queda nos números de tropas disponíveis ao Irã, além
da chegada de novos equipamentos militares, o Iraque estava pronto para lançar
novas ofensivas. Em fevereiro, Saddam começou a quinta e mais sangrenta das
"guerra das cidades". Em um período de dois meses, os iraquianos
lançaram mais de 200 mísseis al-Hussein contra 37 cidades iranianas. Saddam
ameaçou usar armas químicas nestes mísseis balísticos, o que causou a fuga de
30% da população de Teerã (que sofria com bombardeios esporádicos). O Irã
retaliou e lançou pelo menos 104 míssies contra o Iraque no começo de 1988 e
chegou a bombardear Basra novamente. Esta troca de tiros foi chamada de
"Duelo dos Scuds" pela mídia global. No geral, o Iraque lançou mais
de 520 Scuds e al-Husseins contra o Irã, e este respondeu lançando pelo menos
177 misseis. Os iraquianos também aumentaram a intensidade de seus ataques
aéreos, atingindo as ilhas Kharg e também alguns petroleiros iranianos. Já os
navios de países aliados do Iraque transportando petróleo eram protegidos pela
marinha dos Estados Unidos e de algumas nações europeias. Para piorar a
situação do Irã, as potências ocidentais forneciam aos iraquianos bombas
inteligentes guiadas a laser, tornando seus ataques mais letais e menos
difíceis de se defender. Os bombardeios começaram a atingir em cheio a já
debilitada economia iraniana, além da moral do povo e dos soldados. As baixas
civis e militares também continuavam altíssimas.
Operações no Curdistão iraquiano
Em
março de 1988, os iranianos lançaram as operações Valfajr 10, Beit-ol-Moqaddas
2 e Zafar 7, todas no Curdistão iraquiano, com o objetivo de capturar a represa
Darbandikhan e as usinas no lago Dukan, que forneciam boa parte da água potável
e da energia elétrica para o Iraque, e a cidade de Suleimaniya. O Irã esperava
que a captura desses objetivos faria com que o governo iraquiano fosse mais
favorável a aceitar seus termos de paz. Estas manobras de infiltração
aconteciam com apoio da milícia curda Peshmerga. Paraquedistas iranianos agiam
atrás das linhas inimigas, fazendo sabotagem e destruindo tanque do Iraque. Os
iraquianos foram pegos de surpresa com a ferocidade dos avanços do Irã. Caças
F-5E Tiger da força aérea iraniana atingiram as importantes refinarias de
petróleo de Kirkuk. Como de costume, Saddam ordenou a execução de diversos
oficias, entre março e abril de 1988, por terem fracassado em combate,
incluindo o conhecido coronel Jafar Sadeq. Os iranianos chegaram a se infiltrar
na importante cidade curda de Halabja, nos pés das montanhas, e se dispersaram
pela região para melhor defende-la.
Por
fim, os iranianos conseguiram tomar a usina de Dukan e capturaram 1 040 km² da
região e fizeram 4 000 soldados iraquianos prisioneiros. Contudo, seus avanços
foram detidos por um intenso bombardeio com armas químicas. Foi nas montanhas
do Curdistão que o Iraque de Saddam Hussein lançou seus mais mortíferos ataques
químicos da guerra. A Guarda Republicana iraquiana lançou mais de 700 ogivas
com componentes químicos, enquanto outras unidades do exército dispararam mais
de 300 ogivas químicas. Estes ataques foram devastadores. Gás mostarda e
nervoso foram usados criando uma nuvem de veneno sobre a região, matando ou
ferindo 60% da tropa iraniana. Reforços iraquianos então avançaram e terminaram
o serviço, expulsando os iranianos. Em retaliação pelo apoio dos curdos ao Irã,
o Iraque lançou um intenso e mortal bombardeio químico contra a cidade curda de
Halabja, que terminou com mais de 5 000 civis mortos. O Irã levou jornalistas
estrangeiros para sobrevoar a cidade e mostraram fotos dos corpos ao mundo.
Contudo, o Ocidente desconfiava das atitudes do governo iraniano e, como
aliados dos iraquianos, eles culparam o Irã pelo incidente. Essa visão foi
defendida pelos Estados Unidos. Contudo, anos depois, foi descoberto que a CIA
(agência de inteligência americana) sabia que Saddam Hussein utilizava
abertamente armas químicas e não se opuseram a isso. Na verdade eles teriam,
segundo algumas fontes, oferecido ajuda ao Iraque.
Batalha de Al-Faw
Em
17 de abril de 1988, o Iraque lançou a Operação Ramadan Mubarak
("Abençoado Ramadan"), com 100 000 homens na linha de frente, contra
uma força de 15 000 milicianos Basij iranianos, que estavam protegendo a
península. O ataque contra al-Faw foi precedido por pequenos ataques no norte,
para distrair. A região foi extensamente bombardeada, atingindo especialmente
linhas de suprimento, postos de comando e depósitos de munição e combustível.
Para tornar os ataques ainda mais mortíferos, os iraquianos usavam ogivas com
armas químicas, como o gás mostarda. Comandos iraquianos foram jogados atrás
das linhas inimigas para atacar os iranianos na retaguarda, abrindo caminho
para a infantaria. Em 48 horas, os iranianos haviam recuado de al-Faw, após
terem sofrido pesadas baixas. O dia se tornou uma data comemorativa e de
celebração nacional durante o resto do governo de Saddam.
Os
iraquianos planejaram bem a ofensiva que retomou al-Faw. Os militares de Saddam
deram a si mesmo, antes de atacar, antídotos e remédios contra os gases
venenosos que usavam, para tentar se proteger. O ataque químico foi muito
eficiente e se tornou um fator decisivo na vitória (algo que se repetiu em
algumas batalhas). As perdas iraquianas foram relativamente baixas durante a
batalha, se comparadas com as iranianas. O Irã eventualmente conseguiu deter a
ofensiva do Iraque no perímetro do Khuzistão. Os iraquianos, contudo, se
reagruparam e voltaram a atacar. Uma nova ofensiva atacou os militares do Irã
que cercavam Basra. Logo em seguida, Saddam ordenou uma ofensiva generalizada
para reocupar o sul do seu país. Nos últimos anos do conflito, o Iraque
utilizou armas químicas de forma desenfreada, algo que o Irã não tinha como
reagir.
Operação Praying Mantis
No
mesmo período do ataque iraquiano na península de al-Faw, a marinha dos Estados
Unidos lançou a Operação Praying Mantis em retaliação contra o Irã após um dos
seus navios ter sido danificado por uma mina. Os iranianos perderam pelo menos
duas plataformas de petróleo, um contratorpedeiro e uma fragata em combate
contra os americanos, que só terminou quando o presidente Reagan afirmou que a
marinha iraniana estava abatida o suficiente. As embarcações da Guarda
Revolucionária iraniana continuaram a atuar contra navios petroleiros próximos
a sua costa. Contudo, as derrotas em al-Faw e as perdas em batalhas navais no
Golfo Pérsico persuadiu o Irã a aceitar a paz e encerrar a guerra. A liderança
iraniana temia a escalada do conflito e um maior envolvimento americano direto.
Frente
as pesadas perdas sofridas, Khomeini apontou o clérico Hashemi Rafsanjani como
o novo Comandante em Chefe das Forças Armadas, apesar dele já ocupar este cargo
por meses. Rafsanjani ordenou um novo contra-ataque surpresa contra o Iraque,
que aconteceu a 13 de junho de 1988. Os iranianos quebraram algumas das linhas
defensivas iraquianas e avançaram 10 km dentro do Iraque. Além disso, em um
ataque aéreo, uma bomba lançada por um caça iraniano atingiu o Palácio de
Radwaniyah, uma das residências de Saddam em Bagdá. Depois de mais dez horas de
luta, os iranianos tiveram de recuar. A força aérea iraquiana lançou várias
surtidas aéreas com helicópteros e aviões, causando enorme destruição.
Operação Chehel Cheragh
A
18 de junho de 1988, os iraquianos lançaram a Operação Chehel Cheragh
("Quarenta Estrelas") junto com o grupo Mujahideen-e-Khalq (MEK) na
região de Mehran, na província de Ilam. Com mais de 530 incursões aéreas e
pesado uso de armas biológicas (como gás nervoso), eles esmagaram as forças
iranianas na região, matando 3 500 deles e praticamente destruindo uma divisão
inteira da Guarda Revolucionária. Mehran foi então conquistada novamente e
ocupada pelos guerrilheiros do MEK. O Iraque também buscou expandir seus
bombardeios aéreos contra centros populacionais e alvos econômicos iranianos,
incendiando pelo menos 10 instalações petrolíferas no processo.
Operações Tawakalna ala Allah
Em
25 de maio de 1988, o Iraque lançou um série de quatro operações intituladas
Tawakalna ala Allah ("Confie em Deus"),que consistiu em um maciço
ataque de artilharia e alguns bombardeios com armas químicas. Os ataques
aconteceram ao logo de toda a fronteira sul, através dos pântanos, com os
iraquianos avançando com blindados, destruindo as fortificações e posições
defensivas inimigas e tomando a cidade fronteiriça de Shalamcheh depois de
apenas 10 horas de combate.
Em
25 de junho, lançou a segunda fase da campanha Tawakal ala Allah contra os
iranianos na ilha Majnoon. Forças especiais iraquianas atacaram o inimigo por
trás, enquanto a infantaria avançava com apoio de tanques e barragens de
artilharia (e armas químicas). Os iranianos mais uma vez não resistiram ao
poder de fogo superior do Iraque e teve que recuar. Saddam então apareceu ao
vivo na televisão estatal para "liderar" as ofensivas contra os
iranianos. As duas últimas operações da Tawakal ala Allah aconteceram perto de
al-Amarah e Khaneqan, na região de Maysan. Em 12 de julho de 1988, os
iraquianos conquistaram Dehloran, avançando 30 km dentro do Irã. Eles
infligiram severas perdas as tropas iranianas, especialmente entre as divisões
blindadas. Foram mais de 20 000 combatentes mortos ou feridos no lado iraniano.
O Iraque perdeu aproximadamente 5 000 homens. Os iraquianos, contudo, recuaram
um tempo depois de Dehloran, afirmando que "não tinham interesse em
conquistar território do Irã para si". Alguns historiadores afirmam que os
meses da operação Tawakal ala Allah foram alguns dos piores para os iranianos,
especialmente devido as suas perdas materiais sofridas.
Durante
as batalhas travadas em 1988, os iranianos resistiam menos do que em anos
anteriores. O exército e a população já estavam cansados demais depois de oito
anos de guerra total contínua. As perdas humanas e materiais estavam sendo
gigantescas. Apesar disso, o país não cedia suas linhas defensivas. A 2 de
julho, o governo em Teerã unificou o comando das infantarias do Exército e da
Guarda Revolucionária, em uma tentativa de acabar com a rivalidade crescente
entre essas duas forças. Contudo, essa manobra veio tarde demais. Os iranianos
estimaram que havia pelo menos 200 tanques de guerra em boa ordem para lutar no
sul, contra milhares que os iraquianos tinham nas linhas de frente. A única
região em que o Irã não sofria grandes retrocessos era no Curdistão, ao norte.
O Irã aceita o cessar-fogo
Em
meados de 1988, Saddam enviou avisos para Khomeini ameaçando seu país de uma
invasão total e grandes ataques com armas de destruição em massa. Logo depois,
os iraquianos bombardearam a cidade iraniana de Oshnavieh com gás venenoso,
matando ou ferindo mais de 2 000 civis. Dentro da liderança do regime iraniano
havia o medo de grandes ataques com armas químicas aos relativamente mal
defendidos centros urbanos do país. Havia também o entendimento que a
comunidade internacional não faria nada para deter o Iraque neste aspecto. A
vida da população civil iraniana havia sido severamente modificada, com
um-terço dos habitantes de grandes cidades deixando suas casas com medo de
novos ataques com armas químicas. Nesse meio tempo, armamento convencional
iraquiano (como bombas, foguetes e mísseis) continuavam a cair sobre vilas e
cidades pelo Irã, destruindo a infraestrutura civil e militar daquela nação,
deixando também um alto número de mortos. A defesa antiaérea iraniana fazia o
que podia mas não conseguia deter os iraquianos.
Sob
a ameaça de uma nova invasão (mais poderosa do que aquela de 1980 que começou a
guerra), o comandante em chefe das forças armadas iranianas, Akbar Rafsanjani
ordenou que suas forças se retirassem de Haj Omran, no Curdistão, a 14 de julho
de 1988. No fim do mesmo mês, o exército iraniano dentro do Iraque (com exceção
de algumas áreas no Curdistão) havia debandado. O Iraque orquestrou então um
grande desfile em Bagdá, exibindo armas supostamente "capturadas" do
inimigo, incluindo 1 298 tanques, 5 550 rifles pesados e milhares de outras
armas. Contudo, as baixas iraquianas também eram muito altas e cada vitória no
campo de batalha vinha com um salgado preço.
Em
julho de 1988, aviões iraquianos haviam despejado mortais bombas de cianeto
sobre o vilarejo curdo iraniano de Zardan (na mesmo forma como haviam feito em
Halabja). Vilas e cidades, pequenas ou grandes, como Marivan, também foram
atacadas com gás venenoso, resultando em altas perdas civis. Nesse meio tempo,
o navio de guerra americano USS Vincennes derrubou acidentalmente o Voo Iran
Air 655, matando todos os 290 passageiros. A falta de simpatia da comunidade
internacional para com o ocorrido irritou os líderes do Irã e alguns chegaram a
conclusão de que os Estados Unidos estavam perto de entrarem em definitivo na
guerra ao lado dos iraquianos, enquanto Saddam expandia seus ataques com armas
químicas.
Foi
então que lideranças dentro do regime iraniano, como Ali Akbar Hashemi
Rafsanjani (que no início fora um dos principais defensores do conflito),
começaram a tentar convencer Khomeini a aceitar o cessar-fogo proposto pela
ONU.[17] Eles afirmaram que, para o Irã vencer a guerra, seria necessário
expandir o orçamento militar em 700% e ainda assim as hostilidades não se
encerrariam antes de 1993. Eles afirmaram para Khomeini que apesar da Resolução
598 não desse tudo que o país pretendia, era melhor do que tudo que ja havia
sido proposto e que dificilmente uma proposta tão boa iria surgir novamente.
Finalmente,
depois de oito anos sangrentos, precisamente a 20 de julho de 1988, o Irã
formalmente aceita a Resolução 598 do Conselho de Segurança da ONU, se dispondo
a acatar o cessar-fogo com os iraquianos. Em um pronunciamento oficial na rádio
estatal, o aiatolá Khomeini disse que não foi fácil aceitar a proposta das
Nações Unidas. Ele completou dizendo que estava feliz por aqueles que haviam
morrido pela pátria (que ele chamava de mártirs), mas se mostrou decepcionado
com o que ele considerou como um fracasso na guerra.
A
notícia do fim da guerra foi bem recebida no Iraque, com festas acontecendo nos
grandes centros urbanos, como na capital Bagdá. Em Teerã, a capital iraniana,
contudo, o fim das hostilidades foi recebida com receio de uma população
extremamente fatigada.
Operação Mersad e o fim da guerra
A
operação Mersad (مرصاد, ou "emboscada") foi a última grande operação
da guerra. Tanto o Iraque quanto o Irã haviam aceitado a Resolução 598. Mas
apesar do cessar-fogo, a milícia Organização dos Mujahidin do Povo Iraniano (ou
Mujahadeen-e-Khalq, ou MEK) decidiu lançar seus próprios ataques contra o
governo central do Irã e falaram que marchariam até Teerã. Apesar do
encerramento formal das hostilidades, Saddam ordenou apoio a essa ofensiva. Os
ataques se concentraram na fronteira norte e central com o Irã, indo até a
região do Curdistão. As tropas do MEK, totalizando 90 000 homens, se lançaram
sobre a província de Ilam, contando com a cobertura da força aérea iraquiana.
No
norte, as tropas de Saddam Hussein também lançaram uma ofensiva, desta vez
contra o Curdistão dentro do seu próprio território, mas foram detidos por
milicianos curdos, apoiados por forças de Teerã.
A
26 de julho 1988, os homens do Mujahadeen-e-Khalq (MEK), apoiados por militares
iraquianos, iniciaram uma campanha, a Operação Forough Javidan ("Luz
Eterna") na região central do Irã, avançando sob a cidade de Kermanshah.
Os iranianos haviam movido uma enorme quantidade de soldados em direção do
Khuzistão, temendo uma nova invasão iraquiana e como resultado, os mujahidins
não encontraram muita resistência, tomando de assalto Qasr-e Shirin, Sarpol-e
Zahab, Kerend-e Gharb e Islamabad-e-Gharb. O MEK esperava apoio da população
local mas nenhum tipo de revolta foi instigada. No final, eles só avançaram 145
km em território iraniano. Não demorou e o Irã respondeu lançando um grande
contra-ataque, a Operação Mersad, sob comando do tenente-general Ali Sayad
Shirazi. Paraquedistas iranianos foram lançados atrás das linhas inimigas,
enquanto aviões e helicópteros atacavam as posições dos mujahidins, destruindo
muito dos seus veículos. O exército iraniano continuou avançando e derrotou as
tropas do MEK na cidade de Kerend-e Gharb, em 29 de julho de 1988. Dois dias
depois, os guerrilheiros mujahidins já haviam se retirado de Qasr-e-Shirin e
Sarpol Zahab. As tropas do Irã afirmaram ter matado mais de 4 500 combatentes
do MEK, perdendo apenas 400 dos seus.
O
último combate notável da guerra aconteceu em 3 de agosto de 1988, no Golfo
Pérsico, quando a marinha iraniana abriu fogo contra um cargueiro iraquiano. O
Iraque respondeu, lançando um pequeno bombardeio com armas químicas contra
civis iranianos na região de fronteira entre os dois países matando ou ferindo
mais de 2 300 pessoas. Depois disso, os canhões se silenciaram de vez.]
A
postura da comunidade internacional com o Iraque mudou após a guerra, com o país
sendo mais pressionado. A Resolução 598 entrou em vigor oficialmente a 8 de
agosto de 1988, encerrando formalmente todas as hostilidades entre as duas
nações. A 20 de agosto, a paz dentro no Irã havia sido alcançada, com a derrota
dos mujahidins do MEK. Foram enviados tropas de paz da ONU (a UNIIMOG) para a
fronteira entre os dois países e lá eles ficariam até 1991. A maioria dos
analistas e historiadores ocidentais acreditam que a guerra terminou sem um
vencedor, com as duas nações quebradas e muito fatigadas. Contudo, o governo de
Saddam Hussein afirmou ter se saído vitorioso, citando as campanhas bem
sucedidas travadas entre abril e julho de 1988 (embora o objetivo declarado da
invasão de 1980 não ter sido alcançado).
Embora
a guerra contra o Irã tenha oficialmente acabado, o Iraque seguiu nos próximos
meses lutando contra a resistência curda no norte. Usando mais de 60 000
soldados, e apoiados por aviões e helicópteros, o Iraque esmagou a revolta.
Foram reportados uso de armas químicas, execuções em massa e outras táticas não
aceitas pelas leis internacionais. Mais de quinze vilarejos curdos foram
completamente arrasados, matando milhares de pessoas (muitos combatentes, mas a
maioria civis) e obrigando outras milhares a deixarem suas casas. Muitos curdos
iraquianos decidiram migrar para o Irã. A 3 de setembro de 1988, a campanha
militar anticurda foi encerrada, com o grosso da resistência tendo sido
brutalmente destruída. Mais de 400 militares iraquianos e 50 000 curdos foram
mortos nestes combates.
Consequências
A
guerra Irã-Iraque foi a guerra convencional mais sangrenta já lutada entre
exércitos de nações em desenvolvimento. As perdas iraquianas são estimadas
entre 105 000 a 200 000 mortos, além de mais de 400 000 feridos e mais uns 70
000 feitos prisioneiros. Milhares de civis morreram, em ambos os lados, devido
aos bombardeios por terra e pelo ar. Prisioneiros tomados pelos dois países
começaram a ser libertos em 1990, embora alguns tenham ficado presos por até
dez anos após o conflito. A infraestrutura das duas nações ficou arrasada, com
diversas cidades em ruínas (especialmente aquelas próximas a fronteira). O
Iraque, apesar de tudo, terminou a guerra com um exército gigantesco (1 milhão
de homens) e saiu como uma potência regional, embora assustadoramente
endividado, cheio de problemas financeiros e com falta de pessoal qualificado
para trabalhar na economia.
De
acordo com fontes do governo iraniano, o país contabilizou mais 220 000 mortes
sofridas em combate, ou pelo menos 262 000 segundo fontes ocidentais. Isso
inclui 123 220 soldados mortos na linha de frente,60 711 desapareceram em ação
e 16 000 civis que faleceram. Entre as perdas sofridas no fronte de batalha, 79
664 eram membros da Guarda Revolucionária e 35 170 do exército. Além disso, 42
875 soldados iranianos foram feitos prisioneiros. Alguns foram libertos em até
dois anos depois das hostilidades se encerrarem, mas alguns tiveram de esperar
quinze anos. De acordo com a organização Janbazan, 398 587 iranianos foram
feridos de um jeito que requeressem um tratamento médico prolongado, incluindo
52 195 (13%) expostos a diferentes agentes químicos. De 1980 a 2012, 218 867
iranianos morreram devido a ferimentos sofridos ou sequelas adquiridas durante
a guerra. Isso inclui 33 430 civis, a maioria mulheres e crianças. Pelo menos
144 000 crianças iranianas ficaram órfãs. Fontes fora do Irã estimam que, na
verdade, entre 600 000 e 800 000 iranianos tenham morrido na guerra (civis ou
militares).
Tanto
o Irã quanto o Iraque manipularam o número total de mortos, para cima e para
baixo, conforme lhe era conveniente. Em abril de 1988, observadores
internacionais estimavam as perdas em combate pelo Iraque entre 150 000 e 340
000. Já os iranianos perderam entre 450 000 e 730 000 pessoas.[121] Mortes
continuaram mesmo após o silêncio das armas, em 1988, devido a ferimentos de
combates e sequelas de ataques químicos.
A
batalha não só custou nos campos de batalha em termo de vidas, mas ela também
foi pesada no bolso dos dois países. Estima-se que o conflito custou para cada
nação pelo menos US$ 500 bilhões de dólares (US$ 1,2 trilhões no total). Além
disso, a guerra atingiu a estrutura financeira dos países e as exportações de
petróleo, a principal fonte de renda das duas nações, o que garantiu que os
anos seguintes ao conflito seriam difíceis. O Irã adotou táticas mais
sangrentas no campo de batalha mas estas eram bem econômicas, e por isso no
final não ficou com uma dívida tão grande assim. Em contraste, o Iraque terminou
com uma dívida (externa e pública) astronômica. Saddam teve que recorrer a
comunidade internacional contraindo mais de US$ 130 bilhões de dólares em
dívidas com credores estrangeiros, excluindo os juros, e ainda teve que contar
com um fraco crescimento do PIB durante a guerra e nos anos posteriores. Um dos
maiores credores era o chamado Clube de Paris, que emprestou mais de US$21
bilhões aos iraquianos, sendo que 85% deste dinheiro veio do Japão, União
Soviética, França, Alemanha, Estados Unidos, Itália e Reino Unido. Já a maior
parte da dívida externa de US$ 130 bilhões veio dos países árabes vizinhos.
Cerca de US$ 67 bilhões de dólares vieram do Kuwait, Arábia Saudita, Qatar,
Emirados Árabes Unidos e Jordânia. Após a guerra, o Iraque acusou os kuwaitianos
de roubar petróleo iraquiano através de perfurações clandestinas. Saddam também
acusou o vizinho do sul de fazer uma guerra econômica (junto com os outros
países do Golfo) ao baixar os preços do petróleo com superprodução, em um
momento em que o país estava precisando desesperadamente de dinheiro. Com o
pedido de perdão da dívida negado veementemente, Saddam ordenou a invasão do
Kuwait (1990), o que acabou por enterrar de vez a debilitada economia
iraquiana. Uma coalizão ocidental, liderada pelos americanos, eventualmente
expulsou as tropas de Saddam do território kuwaitiano na chamada Guerra do
Golfo (1991), que ceifou a vida de quase 100 000 iraquianos. A Comissão de
Compensação das Nações Unidas então exigiu que o Iraque pagasse reparações de US$
200 bilhões para as partes afetadas pela invasão, incluindo o Kuwait e os
Estados Unidos. O Iraque, outrora aliado dos Estados do Golfo e dos americanos
e europeus, passou a ser o principal antagonista da região e foi completamente
isolado e posto sob pesadas sanções econômicas, o que levou o país na década de
1990 a beira da falência, com uma dívida externa superior a US$ 500 bilhões ao
fim do regime de Saddam em 2003. Uma vez que o regime baathista tinha sido
derrubado, o novo governo renegociou parte da dívida e conseguiu que uma fatia
dela (principalmente aquela feita na guerra Irã-Iraque) prescrevesse.
A
indústria petrolífera de ambos os países estava arruinada. Sua infraestrutura
de produção, refinarias e postos de extração estavam em ruínas devido aos
bombardeios. Só em Basra foram mais de 10 000 projéteis disparados contra seus
campos de petróleo, seriamente atingindo a indústria por lá. A recuperação
deste setor levou anos, ou até décadas.
Em
1991, após a Guerra do Golfo, o Iraque estava arruindo, econômica e
militarmente. Saddam não conseguiria novamente reerguer sua nação. Agora
antagonista nas relações do Ocidente com o Oriente Médio, o regime iraquiano
permaneceu isolado e sob fortes sanções, se empobrecendo rapidamente. Apesar
dos dois países terem, no começo dos anos 90, reatado alguns canais
diplomáticos, a relação das duas nações permaneceu fria. O Iraque continuou
apoiando os mujahidins do MEK no Irã, e os iranianos continuaram apoiando os
xiitas iraquianos, especialmente em suas revoltas no sul do Iraque. O governo
de Teerã chegou inclusive autorizar alguns ataques aéreos em solo iraquiano.
Misseis Scud também foram disparados contra alvos do regime baathista.
Em
2003, os Estados Unidos invadiram o Iraque e derrubaram Saddam Hussein do
poder. Apesar de se opor a invasão americana, os iranianos viram nisso uma
oportunidade de expandir sua influência para o país vizinho. O regime baathista
sunita havia sido deposto e um novo governo xiita subiu ao poder. Em 2005, o
governo iraquiano formalmente pediu desculpas para o Irã por causa da guerra e
das atrocidades cometidas pelas tropas de Saddam. A subsequente guerra civil
iraquiana e o conflito contra o grupo terrorista ad-Dawlat al-Islāmiyah (o
"Estado Islâmico") fez com que as relações entre os antigos inimigos
melhorassem de forma acentuada. Os iranianos passaram a ajudar o novo governo
em Bagdá, enviando para o país tropas do exército e da milícia Quds para lutar
ao lado das forças armadas iraquianas, algo impensável três décadas antes
quando a sangrenta guerra entre os dois países havia começado.
Efeitos nos países
Iraque
As
espadas de Qādisīyah, conhecida como Arco da Vitória. Um monumento erguido por
Saddam em honra aos soldados iraquianos mortos nesta guerra.
De
início, Saddam queria fazer com que a guerra afetasse o seu povo da menor
maneira possível, embora houvesse racionamentos. Ao mesmo tempo, o já presente
culto à personalidade ao redor do ditador chegou a novas alturas de adulação
enquanto o regime aumentava seu controle sobre os militares e a sociedade.
Após
as vitórias iranianas na primavera de 1982 e o fechamento do principal oleoduto
iraquiano pela Síria, Saddam mudou de opinião: uma política de austeridade e
guerra total foi introduzida, com toda a população sendo mobilizada para o
esforço de guerra. Todos os iraquianos foram convocados para doar sangue e
cerca de 100 000 civis foram enviados para limpar os canais e estradas no sul,
para ajudar o exército. Enormes manifestações foram feitas (muitas a presença
era obrigatória) para demonstrar apoio a Saddam. Também foi instaurada uma
política de discriminação contra iraquianos de origem persa (a maior etnia do
país vizinho).
No
verão de 1982, Saddam começou uma política de terrorismo de Estado. Mais de 300
oficiais do exército foram executados por falharem em combate. Em 1983, uma
grande campanha interna de terror foi lançada contra as lideranças da
comunidade xiita. Cerca de 90 membros da influente família de clérigos xiitas,
os al-Hakim, liderados por Mohammad Baqir al-Hakim e Abdul Aziz al-Hakim, foram
presos e seis foram imediatamente enforcados. Ações contra os curdos também
foram tomadas, com mais de 8 000 prisões feitas contra o clã Barzani, cujo
líder (Massoud Barzani) liderava o Partido Democrático do Curdistão. Vários
membros da liderança curda foram sumariamente executados. De 1983 em diante,
uma violenta política de repressão contra os curdos foi implementada,
caracterizada pelo historiador Efraim Karsh como um "genocídio" ao
fim de 1988. A infame campanha al-Anfal, onde mais de 180 000 pessoas morreram,
tinha como objetivo "pacificar" permanentemente os movimentos curdos
iraquianos.
Para
tentar não alienar demais a população xiitas e garantir sua lealdade, Saddam
permitiu que xiitas ingressassem no Partido Ba'ath e no governo, e tentou
melhorar a qualidade de vida desse segmento da sociedade, que era inferior ao
da população sunita (minoria que governava a nação). Saddam ordenou que o
Estado restaurasse a tumba do Imam Ali com mármore importado da Itália. Apesar
disso, a política de perseguição dos baathistas contra a população xiita
cresceu, especialmente porque o grosso da oposição contra Saddam no sul e
centro da nação era formado por xiitas. O mais infame caso foi o massacre de
148 civis na cidade xiita de Dujail, em 8 de julho de 1982.
Apesar
dos custos da guerra, o regime fez grandes contribuições financeiras para o
waqf xiita (dotes religiosos) para tentar ganhar mais apoio dos xiitas. A
tentativa de ganhar simpatia dos xiitas foi tanta que políticas de assistência
social em seus territórios foram expandidas, apesar da austeridade imposta pelo
Estado. Durante os primeiros anos da década de 1980, o governo iraquiano tentou
também lançar os curdos contra os iranianos. Em 1983, a União Patriótica do
Curdistão (UPC) aceitou cooperar com Bagdá, mas o Partido Democrático Curdo
(PDC) se recusou. Em 1983, Saddam assinou um acordo de autonomia parcial para
os territórios controlados pela União Patriótica, liderados por Jalal Talabani.
O ditador, contudo, mais tarde, voltaria atrás. Como resultado, em 1985, o UPC
e o PDC uniram forças e iniciaram uma campanha de guerrilha contra o regime até
o fim da guerra, quando ações armadas e ataques com armas químicas silenciou
parte do movimento curdo separatista.
Irã
O
governo iraniano viu na guerra uma chance de fortalecer sua posição e espalhar
sua influência na região, ao mesmo tempo que a também usavam para consolidar
sua revolução em casa. A nação entrou, no começo do conflito, em um frenesi
nacionalista e religioso, lançando uma jihad contra os inimigos e testando o
caráter nacional iraniano. O regime em Teerã iniciou uma política de guerra
total em todo o país desde o começo do conflito e tentou mobilizar toda a
população para defender a nação. Eles estabeleceram um grupo chamado de
Campanha de Reconstrução, que eram isentos da conscrição, que foram enviados
para trabalhar nas fazendas do interior para substituir os homens que foram
servir no fronte.
Trabalhadores
iranianos tinham um dia de pagamento deduzido de seus salários todo o mês para
ajudar a pagar o esforço de guerra e houve grandes mobilizações governamentais
para incentivar o povo a doar sangue, dinheiro e comida para os militares. Para
ajudar ainda mais a financiar o conflito, o governo do Irã baniu toda a
importação de bens não essenciais e mandava civis consertarem as refinarias
danificadas nos bombardeios.
As Revoltas
Em
junho de 1981, combates começaram a acontecer em diversas cidades iranianas
entre a Guarda revolucionária e o grupo esquerdista Organização dos Mujahidin
do Povo Iraniano (Mujaheddin e-Khalq, ou MEK). Esta luta durou dias e terminou
com centenas de mortos. Em setembro do mesmo ano, mais confrontos internos
aconteciam, enquanto o MEK tentava tomar o poder para si. Milhares de
simpatizantes da esquerda (mesmo aqueles sem ligação com o MEK) foram presos e
executados pelo governo. O MEK retaliou emboscando e matando vários oficiais do
regime, especialmente no outono de 1981. A 28 d e junho do mesmo ano, eles
assassinaram o secretário geral do Partido Republicano Islâmico, Mohammad
Beheshti, e em 30 de agosto mataram o presidente do país, Mohammad-Ali Rajai. O
governo iniciou represálias em massa, executando diversas pessoas em uma
campanha de terror que durou até 1985.
Além
do conflito aberto contra o MEK, o governo iraniano também teve que lutar
contra grupos curdos, que eram duramente reprimidos pelo regime. Em 1985 foi
reportado manifestações antiguerra nas grandes cidades, liderada principalmente
por estudantes. Novamente, o governo reprimiu todos os movimentos sociais
considerados subversivos ou antiguerra.
Economia
A
guerra foi um duro golpe para a economia iraniana, embora seu declínio já
estivesse acontecendo antes mesmo da revolução de 1978–79. Entre 1979 e 1981,
negócios com o exterior caíram de US$ 14,6 bilhões de dólares para US$1 bilhão.
Como resultado, os padrões de qualidade de vida caíram vertiginosamente, e o
Irã foi descrito pelos jornalistas britânicos John Bulloch e Harvey Morris como
"um lugar melancólico e triste" governado por um áspero regime que
"parecia ter nada a oferecer além de guerra". A indústria e a
agricultura entraram em colapso e a exportação de petróleo se tornou
praticamente a única fonte de renda. Ainda assim, as rendas com petróleo caíram
de US$ 20 bilhões em 1982 para menos de US$ 5 bilhões em 1988.
Em
janeiro de 1985, o ex primeiro-ministro e líder do Movimento de Libertação
Antiguerra Islâmico, Mehdi Bazargan, criticou o conflito em um telegrama as
Nações Unidas, a chamando de "não islâmica" e "ilegítima" e
afirmou que Khomeini deveria aceitar a trégua proposta por Saddam em 1982, ao
invés de prosseguir lutando para derrubar o regime Ba'ath iraquiano. Um ano
mais tarde, ele afirmou para o aiatolá: "Desde 1986, você não para de
proclamar vitória e agora você conclama o povo a resistir até chegar a vitória
final. Isso não é uma admissão de derrota de sua parte?" Khomeini ficou
irritado com as declarações de Bazargan e defendeu a guerra dizendo que ela era
sim "islâmica e justa".
Em
1987, a moral do povo iraniano havia afundado, refletindo na dificuldade do
governo em recrutar novos "mártires" para o fronte. O historiador
israelense Efraim Karsh disse que o declínio da moral da população, cada vez
mais fatigada, entre 1987 e 1988, foi um grande fator para a mudança de
política do regime que levou ao cessar fogo.
Mas
nem tudo na guerra foi ruim para o governo. O conflito sedimentou e fortaleceu
a revolução, e tornou ela mais radical. O regime iraniano divulgou no jornal
estatal Etelaat o seguinte: "não há uma única escola ou cidade que exclua
a felicidade da 'santa defesa' da nação, de beber o elixir requintado do
martírio, ou da doce morte do mártir, aqueles que morrem para viver para sempre
no paraíso".
Apoio estrangeiro
Durante
a guerra, o Iraque era considerado pelo Ocidente e pela União Soviética como um
contra-peso para a revolução iraniana. Os soviéticos, o principal aliado do
regime de Saddam Hussein, não queria encerrar seus laços com os iraquianos e
ficaram assustados quando o regime baathista ameaçou comprar armas de outros
países, no ocidente ou da China se o Kremlin não lhes fornecessem os armamentos
que eles queriam. Depois destes incidentes, a Rússia buscou um melhor
relacionamento com o Irã.
Durante
os primeiros anos da guerra, os Estados Unidos não tinham relações tão boas com
qualquer um dos lados. O Irã, outrora um dos mais importantes aliados
americanos na região, havia se tornando um antagonista no Oriente Médio após a
revolução e a crise dos reféns. E como Saddam nutria hostilidade para com
Israel e amizade com a União Soviética, relações com o Iraque também estavam
ruins. Após o sucesso iraniano em repelir a invasão iraquiana e a recusa de
Khomeini em encerrar a guerra em 1982, os Estados Unidos decidiram se
reaproximar do regime iraquiano, reatando completamente as relações
diplomáticas em 1984. Os americanos queriam impedir que a revolução islâmica e
suas palavras antiocidente se espalhassem para outros países do Golfo Pérsico e
também queriam impedir que a União Soviética usasse o conflito para tentar
restabelecer uma zona de influência na região. Como resultado, a Casa Branca
aprovou apoio limitado para o Iraque. Em 1982, Henry Kissinger, ex Secretário
de Estado, resumiu a polícia americana para o Irã:
"O foco da pressão iraniana
é neste momento o Iraque. Há apenas alguns governos no mundo que merecem menos
apoio de nós e é menos capaz de usa-lo. Se o Iraque vencesse a guerra, o medo
no Golfo e a ameaça aos nossos interesses seria menor do que é hoje. Ainda
assim, dada a importância do balanço de poder na região, é do nosso interesse
um cessar-fogo, embora com este resultado uma eventual reaproximação com o Irã
fica difícil a menos que um governo moderado substitua Khomenini ou talvez o
atual líder acorde para a realidade geopolítica histórica de que a maior ameaça
para a independência iraniana vem de um país que compartilha uma fronteira de 2
400 km com eles: a União Soviética. Uma reaproximação com o Irã, é claro, deve
esperar que estes desistam de suas aspirações hegemônicas para a região do
Golfo".
Richard
Murphy, assistente do Secretário de Estado americano, testemunhou para o
Congresso, em 1984, que o governo Reagan acreditava que a vitória ou do Iraque
ou do Irã não era "nem militarmente viável ou estrategicamente
desejável".
O
apoio ao Iraque veio na forma de vendas de armas, ajuda tecnológica,
informações de inteligência, venda de tecnologia para fabricação de armamentos
químicos e biológicos e outros materiais bélicos. Embora, em um momento, na
frente naval, os Estados Unidos e o Irã se combatessem em momentos pontuais,
não é um consenso que um conflito direto entre os americanos e os iranianos
beneficiaria os iraquianos, ou a rixa pessoal entre Washington, D.C. e Teerã. A
ambiguidade entre a relação dos Estados Unidos com os dois lados envolvidos é
bem colocado por Henry Kissinger quando ele diz que "é uma pena que os dois
lados não possam perder". Durante o conflito, os americanos e britânicos
bloqueavam ou não apoiavam qualquer resolução da ONU que condenasse o Iraque,
especialmente por uso de armamento proibido (ogivas químicas e biológicas,
principalmente) contra os iranianos e curdos.
Mais
de 30 países forneceram apoio ou para o Iraque ou para o Irã ou para ambos. A
maioria da ajuda externa foi para os iraquianos. Os iranianos, sob forte
sanções, tiveram que optar por ajuda clandestina e compras no mercado negro
para compra de armas, munição e outros materiais importantes. Na verdade, o
Iraque tinha uma rede de compra clandestina bem maior, envolvendo pelo menos
dez países, para manter uma ambiguidade da sua aquisição de armas e passar por
cima de restrições de importação. Mercenários e voluntários árabes foram lutar
por ambos os lados, mas principalmente pelo Iraque. A maioria vinha de países
como Egito e Jordânia (brigada Yarmouk).
Iraque
De
acordo com o Instituto Internacional da Paz de Estocolmo, a União Soviética, a
França e a China combinaram com 90% das vendas oficiais de armas para o Iraque
entre 1980 e 1988. O Brasil vendeu enormes quantidades de armas (principalmente
veículos blindados) para o Iraque em troca de petróleo, contudo quando a guerra
terminou em 1988, como o Iraque não tinha como honrar suas dívidas e
pagamentos, o governo brasileiro ficou no prejuízo milionário.
Os
Estados Unidos estabeleceu um forte relacionamento com o regime de Saddam,
restabelecendo canais diplomáticos, removendo restrições para exportação de
tecnologias de dupla utilização, supervisionando a transferência de equipamento
militar (via terceiros) e dando informações de inteligência (como imagens de
satélite) para os comandantes iraquianos em batalha. A França, que desde a
década de 1970 havia sido uma grande aliada do Iraque, foi um dos seus grandes
apoiadores militares, em termos de armas. Os franceses venderam pelo menos US$
5 bilhões de dólares em armamentos, o que significava pelo menos um-quarto das
compras de armas feitas pelo regime de Saddam. A China que não tinha qualquer
interesse político na região, mas sim econômico, vendeu armas para ambos os
lados.
O
Iraque também usava empresas de fachada, intermediários e outros métodos para
aquisição clandestina de equipamentos. Pelo menos dez países se envolveram e
participaram dessas operações ilegais. O Reino Unido também usava terceiros e
organizações de fachada para passar por cima de regulamentações de exportação e
fazer negócios com o Iraque. O governo britânico também teria negociado com o
Irã, em troca de petróleo.
O
Conselho de Segurança das Nações Unidas inicialmente pediu um cessar-fogo logo
nos primeiros momentos do conflito, enquanto o Iraque ocupava vários
territórios em disputa, e fez novos pedidos para que os dois lados encerrassem
as hostilidades conforme os anos iam passando. Mas como a ONU não condenou a invasão
iraquiana e tão pouco veio em ajuda ao Irã, o que o governo em Teerã
interpretou como uma simpatia da ONU pelo Iraque.
O
principal apoio financeiro dado ao Iraque veio dos seus países vizinhos do
Golfo Pérsico (ricos em petróleo). Entre os maiores suportes estão a Arábia
Saudita (US$ 30,9 bilhões emprestados), o Kuwait (US$ 8,2 bilhões) e os
Emirados Árabes Unidas (US$ 8 bilhões). Já do ocidente, foram mais US$ 35
bilhões na forma de empréstimos e mais US$ 30 a US$ 40 bilhões totais de demais
países do Golfo durante a década de 1980.
Em
um caso que ficou conhecido como Iraqgate, a filial do maior banco da Itália, o
Banco Nazionale del Lavoro (BNL), em Atlanta, Geórgia, enviou empréstimos
(parcialmente vindo junto com dinheiro público) no valor de US$ 5 bilhões de
dólares feitos para o Iraque entre 1985 e 1989. Em agosto de 1989, logo após
agentes do FBI revistarem a agência do BNL em Atlanta, o gerente Christopher
Drogoul acabou sendo indiciado por fazer empréstimos não autorizados,
clandestinos e ilegais ao governo iraquiano (segundo a investigação, parte
desse dinheiro foi usado para compra de armas). De acordo com uma reportagem
feita pelo Financial Times, outras companhias envolvidas clandestinamente com
transferência de tecnologia para o Iraque, entre elas a Hewlett-Packard (HP) e
a Tektronix.
Irã
Desde
a revolução, o Irã esteve isolado economicamente e sob sanções. Os Estados
Unidos, em particular, se posicionaram fortemente contra o Irã, chegando a
travar combates navais contra a República Islâmica citando a liberdade de
navegação como o casus belli. Contudo, de forma clandestina, os americanos
enviaram indiretamente armas para o Irã através de um programa oculto e ilegal,
que viria à tona como "Caso Irã-Contras". O objetivo principal dessa
venda secreta de armas aos iranianos era a necessidade da intervenção destes
para apoiar os americanos para libertar reféns que haviam sido pegos no Líbano.
Parte do lucro dessas vendas também foram usados pelo governo de Ronald Reagan
para financiar a milícia Contras, na Nicarágua (abertamente desobedecendo uma
ordem do Congresso). Essa venda ilegal de armas em troca de apoio para a
libertação dos reféns americanos acabou sendo um grande escândalo nos Estados
Unidos.
A
Coreia do Norte foi um dos poucos países que abertamente venderam armas aos
iranianos. Eles também agiam como intermediário para a aquisição de
equipamentos militares vindos do Leste Europeu. Outros países que forneceram
apoio, em termo de armamentos, ao Irã foram a Líbia, a China e a União
Soviética (esta última de forma limitada). A Síria, apesar de governada por um
regime baathista (assim como o Iraque), deu apoio para os iranianos. Havia
muita rivalidade entre Saddam e os Assad.
Não
só os Estados Unidos e a União Soviética venderam armas para os dois lados, mas
países como a Iugoslávia também o fizeram. Foi reportado que Portugal também
fazia negócios com ambos os países. Não era incomum ver navios de bandeira
iraniana e iraquiana lado a lado no porto de Sines.
De
1980 a 1987, a Espanha vendeu pelo menos € 458 milhões de euros em armas ao Irã
e € 172 milhões para o Iraque. Entre as armas vendidas aos iraquianos estavam
veículos 4x4, helicópteros BO-105, explosivos e munição. Mais tarde uma
investigação afirmou que uma ogiva contando agentes tóxicos que caiu no Irã
fora na verdade fabricada na Espanha.
Embora
nenhum dos lados recebeu apoio formal do governo da Turquia, bens civis eram
adquiridos pelas duas nações com cidadãos turcos. As autoridades turcas,
inclusive, mantinham uma postura de neutralidade e inicialmente se recusou a
colaborar com os americanos a impor sanções contra Teerã. Os mercados turcos
lucraram muito vendendo produtos para iranianos e iraquianos. As boas relações
econômicas entre a Turquia e o Iraque acabou quando este último invadiu o
Kuwait, em 1990, forçando o governo do país a colaborar com o embargo contra
Saddam.