O
sebastianismo foi uma crença ou
movimento profético que surgiu em Portugal em fins do século XVI como
consequência da morte do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, em
1578.
Sebastianismo em Portugal
Após
o desaparecimento de D. Sebastião no norte da África e da morte de seu tio, o
cardeal-rei D. Henrique, houve uma disputa por quem sucederia o trono português
por falta de herdeiros diretos. O trono terminou nas mãos do rei Filipe II da
rama espanhola da casa de Habsburgo. Basicamente é um messianismo adaptado às
condições lusas e à cultura do Brasil. Traduz uma inconformidade com a situação
política vigente e uma expectativa de salvação, ainda que miraculosa, através
do retorno de um morto ilustre.
Vários
setores da população não acreditavam na morte do rei, divulgando a lenda de que
ele ainda se encontrava vivo, apenas esperando o momento certo para voltar ao
trono e afastar o domínio estrangeiro. De certa maneira, isso ecoava uma crença
no chamado "rei encoberto", que povoara a península Ibérica, e que se
manifestara fortemente durante as "Germaníadas" em Valência, durante
o reinado do imperador Carlos V. Entretanto, foi com o aparecimento dos
chamados falsos "D. Sebastião" que aquilo que era uma crença difusa
acabou por ganhar contornos políticos mais definidos, e em alguns casos, mais
preocupantes para Madri. O caso mais emblemático e importante para a
constituição do que se chamou de sebastianismo foi o do "Sebastião de
Veneza", um calabrês, Marco Túlio Catizone, que se fizera passar por D.
Sebastião. Incrivelmente, o Sebastião de Veneza obteve o apoio de vários
fidalgos, letrados e religiosos portugueses, muitos deles ligados a
"corte" exilada de D. António, prior do Crato, que disputara com Filipe
II a sucessão da coroa portuguesa. Entre eles, João de Castro, neto do homônimo
navegador, que dedicou seus anos finais de vida a provar e defender a causa
sebastianista. Como indicado por Jacqueline Hermann, foi João de Castro que deu
forma letrada e constituiu um corpo mais teórico ao que antes era um conjunto
de esperanças no retorno de um rei desejado.
João
de Castro, em seus tratados, uniu uma tradição exegética e apocalíptica em
torno dos sonhos do livro de Daniel com o encobertismo e com os fundamentos
proféticos da monarquia portuguesa. Entre eles, o Milagre de Ourique, que
ganhara novas cores com o Juramente de Afonso Henriques, diploma forjado nos
anos 1590 no mosteiro de Alcobaça, e, sobretudo, as Trovas de Gonçalo Annes
Bandarra. Foi João de Castro que editou e fez imprimir a primeira versão das
Trovas que até então circulavam manuscritas ou oralmente. No seu Paráfrase e
concordância, lançado na França em 1603, transcreveu e comentou os versos do
sapateiro de Trancoso, buscando mostrar como as trovas enigmáticas e proféticas
só poderiam indicar a volta de Sebastião I para retomar o trono português e
expulsar os castelhanos.
No
dia 1 de dezembro de 1640, um grupo de conjurados chefiados pelo Duque de
Bragança (futuro D. João IV - dinastia de Bragança), depôs em Lisboa o
representante de Filipe III e restaurou a independência de Portugal e o
movimento tomou novas características por todo o Império Português. Como
demonstrado por Eduardo D'Oliveira França e mais tarde Luis Reis Torgal, houve
uma adequação da crença sebástica para uma ideologia restauracionista à serviço
da causa de João IV. O jesuíta Antônio Vieira foi um dos principais
articuladores dessa construção profética a partir do chamado sebastianismo.
Ainda que não tenha terminado suas obras proféticas, dedicou-se a elas de modo
sistemático no fim da sua vida e já após o fim das Guerra de Restauração
(1640-1668) contra a Espanha, escrevendo, entre outros, a Clavis Prophetaruam e
a História do Futuro.
Retrato
d'El Rei Dom Sebastião
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O
poeta português Fernando Pessoa, em seu livro Mensagem, faz uma interpretação
sebastianista da História de Portugal, em busca de um patriotismo perdido. O
poema reinterpreta a História de Portugal em função de uma ressurreição de um
passado heroico ("é a Hora!").
Sebastianismo no Brasil
O
sebastianismo também influenciou certos movimentos brasileiros em todo o país,
desde o Rio Grande do Sul até ao norte do Brasil, principalmente no início do
século XX.
O
sebastianismo tem suas raízes na concepção religiosa do messianismo, que
acredita na vinda ou no retorno de um enviado divino, o messias; um redentor,
com capacidade para mudar a ordem das coisas e trazer paz, justiça e
felicidade. É um movimento que traduz uma inconformidade com a situação
política vigente e uma expectativa de salvação, ainda que miraculosa, através
da ressurreição de um morto ilustre.
Chegou
ao Brasil, principalmente ao Nordeste brasileiro, no século XIX. Unindo
fanatismo religioso com idéias socialistas, o movimento se redescobriu no
sertão nordestino, assumindo características próprias através de símbolos e do
imaginário popular.
Alguns
viajantes estrangeiros afirmam ter conhecido adeptos do sebastianismo, no Rio
de Janeiro (1816) e em Minas Gerais (1817), descrevendo-as como pessoas
educadas, cordatas e sem traços de crueldade aparente.
No
sertão de Pernambuco, no entanto, o sebastianismo apresentou-se como um
movimento político-religioso violento, com líderes fanáticos que ludibriavam a
boa fé da população, principalmente dos mais humildes e menos informados, que
sofriam bastante com o isolamento e os flagelos da seca.
Dois
movimentos sebastianistas trágicos aconteceram em Pernambuco: o da Serra do
Rodeador, no município de Bonito, em 1819-1820, e o da Serra Formosa, em São
José do Belmonte, no período de 1836 a 1838.
O
primeiro, conhecido como A Tragédia do Rodeador, tinha como líder Silvestre
José dos Santos, “Mestre Quiou”, que fundou um arraial no local denominado
Sítio da Pedra, destruído em 25 de outubro de 1820 pelo governador de
Pernambuco Luiz do Rego. Denominado de “massacre de Bonito”, a destruição do
arraial pelas forças legais deixou um saldo de 91 mortos e mais de cem feridos.
Após o massacre, mais de 200 mulheres e 300 crianças foram aprisionadas e
enviadas para o Recife.
O
segundo movimento, A Tragédia da Pedra Bonita, ocorreu num lugar denominado
Pedra Bonita, localizado na Serra Formosa, no município de São José do
Belmonte, sertão de Pernambuco. Um grupo de fanáticos sebastianistas, liderado
por João Antônio dos Santos, fundou uma espécie de reino, com leis e costumes
próprios e diferentes dos do resto do país. Seu líder era chamado de rei e
usava até coroa feita de cipó. Nas suas pregações ele dizia que o rei Dom
Sebastião lhe havia aparecido e lhe mostrara um tesouro escondido; e que o rei
estaria prestes a retornar e iria transformar todos os seus seguidores em
pessoas ricas, jovens, bonitas e saudáveis. O grande número de pessoas pouco
esclarecidas que seguiu os fanáticos de Pedra Bonita preocupou o governo, os
fazendeiros e a Igreja Católica. Foi enviado o padre Francisco José Correia de
Albuquerque para tentar fazer as pessoas voltarem ao seu lugar. O padre
conseguiu convencer João Antônio a parar com a pregação, mas este deixou em seu
lugar o cunhado João Ferreira, que se tornou o mais fanático e cruel rei da Pedra
Bonita. Ele pregava que Dom Sebastião só voltaria se a Pedra Bonita fosse
banhada com sangue de pessoas e animais, comandando um grande massacre de
pessoas inocentes em maio de 1838. Entre os dias 14 e 18 morreram 87 pessoas.
No dia 18 de maio o arraial da Pedra Bonita foi destruído pelas forças
comandadas pelo major Manoel Pereira da Silva.
O
movimento político-religioso também foi muito forte e com resultados trágicos
nos sertões da Bahia, no arraial de Canudos chefiado por Antônio Conselheiro,
entre os anos de 1893 e 1897, que culminou com a Guerra de Canudos. Documentos
encontrados no arraial indicam que Conselheiro e seus colaboradores acreditavam
no retorno de Dom Sebastião, ou, pelos menos, usavam isso para obter apoio dos
seus seguidores. No caso de Canudos, o sebastianismo pregava a volta de Dom
Sebastião para restabelecer a monarquia e derrubar a República. Em 1897, o
arraial de Canudos foi destruído por tropas do Exército.
O
sentido místico-religioso do sebastianismo também contribuiu para o aparecimento
de manifestações folclóricas no Brasil. Há registros de lendas sobre o retorno
de Dom Sebastião, como as do Touro Encantado e a do Rei Sebastião.