João
Maurício de Nassau-Siegen (em neerlandês: Johan Maurits van Nassau-Siegen; em
alemão: Johann Moritz von Nassau-Siegen; Dillenburg, 17 de junho de 1604 –
Cleves, 20 de dezembro de 1679), cognominado "o Brasileiro", foi
conde e (após 1674) príncipe de Nassau-Siegen, um Estado do Sacro Império
Romano-Germânico e mais tarde da Confederação Germânica, localizado nas
cercanias das cidades de Wiesbaden e Coblença.
Filho
do conde João VII de Nassau, casado em segundas núpcias com Margarida de
Holstein, princesa de Holstein-Sonderburg, filha do duque de Schleswig-Holstein
e de uma princesa da dinastia de Brunswick, João Maurício foi o décimo-terceiro
filho de seu pai, mas o primogênito do segundo casamento.
Pouco
se sabe da sua infância, passada em Siegen. Recebeu boa educação nas
Universidades da Basileia, onde chegou aos 10 anos, famosa desde os tempos de
Erasmo, e de Genebra — importantes centros calvinistas no século XVII. Em
Genebra, o rigor da época de Calvino estava atenuado pela presença de Teodoro
de Bèze, grande teólogo protestante. Em 1616 ingressou no Collegium
Mauritianum, criado por seu cunhado Maurício de Hesse-Kassel para filhos da
nobreza protestante, participando da vida da corte da landgravina, sua
meia-irmã Juliana.
A
sua formação protestante, além dos laços de parentesco com famílias nobres
neerlandesas, levaram-no a ingressar, em 1621, na carreira militar a serviço
dos Países Baixos, à época da guerra dos Trinta Anos, contra a Espanha. Muito
cedo obteve um primeiro posto como alferes de cavalaria.
Foi
cavaleiro da Ordem de São João, ligado à Bailia de Brandenburgo — a parte da
Ordem que se filiou à Reforma Protestante. Aliás, é frequentemente retratado
tendo em seu peito a cruz de oito pontas ou de São João (Cruz de Malta),
símbolo da ordem.
Fez
a campanha militar de Breda (1625), para retomar a cidade aos espanhóis; a fase
de reconquista das praças-fortes estratégicas, ao longo dos rios, iniciou-se em
1626, uma vez que, com a crise em Mântua, a Espanha para ali deslocou tropas. A
reviravolta se deu em 1629, quando os neerlandeses ocuparam 's-Hertogenbosch.
Desde 1626 fora promovido a capitão e, em 1629 a coronel. Em 1632 foi tomada
Maastricht e Nassau distinguiu-se no cerco que culminou com a conquista de
Nieuw Schenckenschans, numa ilha do rio Reno (1636), confirmando o seu
prestígio e experiência militares. A vitória teve repercussão e tornou seu nome
respeitado. O conflito prosseguiu até 1648, quando pela Paz de Münster a
Espanha reconheceu a independência da República, que prometeu respeitar a
soberania espanhola ao sul de sua fronteira meridional.
A Mauritshuis. |
Data
desse período a predileção de Nassau pelo convívio com artistas e homens de
letras. Frederico Henrique de Orange, stadhouder desde 1625, filho de uma
Coligny, neto do chefe protestante que patrocinou a França Antártica, casado
com a condessa alemã Amélia de Solms-Braunfels, tinha pretensões dinásticas e
mantinha uma corte aristocrática na República burguesa. Nela brilhava, por
exemplo, Constantino Huygens, figura renascentista, incentivador da carreira de
Rembrandt, um dos animadores de um círculo que, nas cercanias de Amsterdã,
contava com Joost van den Vondel, o poeta nacional dos Países Baixos, o
humanista Caspar Barlaeus, que sob o nome latinizado de "Barlaeus"
escreveu mais tarde a história do governo de Nassau no Brasil.
Em
1632 Nassau, entusiasta da arquitectura, começou a construir a luxuosa
Mauritshuis, em Haia, projeto do famoso arquitecto Jacob van Campen, seguidor
do estilo italiano de Palladio. Na execução desta obra veio a comprometer os
seus recursos, pois as despesas ascenderiam a meio milhão de florins.
Prioritariamente
por essa razão, aceitou o convite da Companhia Neerlandesa das Índias
Ocidentais (WIC) para administrar os domínios por ela conquistados na região
Nordeste do Brasil (1636), percebendo uma ajuda de custo de 6.000 florins
(equipamento) e salário mensal de 1.500 florins (que C. R. Boxer classifica
como principesco), o soldo de Coronel do Exército, além de uma participação de
2% sobre os lucros. Corriam ainda por conta da WIC suas despesas de mesa e
criadagem (trouxe dezoito criados), os salários do predicante Francisco Plante,
de seu médico Guilherme van Milaenen, e de seu secretário Tolner.
Nassau
prestou juramento perante os XIX em 4 de agosto de 1636 comprometendo-se pelo
prazo de cinco anos a ser o Governador, Almirante e Capitão-General dos
domínios conquistados e por conquistar pela Companhia das Índias Ocidentais no
Brasil.
Chegada ao Recife e período no
Brasil
Conde Mauricio de Nassau |
Começariam
no embarque alguns dos motivos de sua frustração: em vez da armada prometida de
trinta e duas velas e sete mil homens de armas, a WIC lhe entregou apenas doze
navios com dois mil e setecentos homens.
A
armada partiu do porto de Texel (25 de outubro de 1636), chegando ao Recife (23
de janeiro de 1637).
Estabeleceu
relações amistosas entre neerlandeses, comerciantes e latifundiários. Estes
restauraram seus engenhos com empréstimos concedidos pela WIC, utilizados
também na venda a crédito dos engenhos abandonados, visando restabelecer a
produção de açúcar. Nassau incrementou no Nordeste a economia açucareira,
introduziu métodos aperfeiçoados de cultivo da cana-de-açúcar e do fumo.
Por
ser calvinista, permitiu a liberdade de culto entre holandeses, franceses,
italianos, belgas, alemães, flamengos e judeus, que oriundos da Península
Ibérica e do norte europeu, foram atraídos para a Nova Holanda por clima de
tolerância religiosa que não havia na Europa. Neste período foi fundada uma
sinagoga no Recife, considerada a primeira das Américas.
Decidido
a transformar o Recife em uma moderna capital, determinou o projeto da cidade
Maurícia (Mauritsstad), responsável pelos atuais traçados urbanísticos dos
bairros de Santo Antônio e São José, onde drenou terrenos, construiu canais,
diques, pontes, palácios (Palácio de Friburgo e Palácio da Boa Vista), jardins
(botânico e zoológico),um museu natural e um observatório astronômico.
Organizou serviços públicos essenciais como o de bombeiros e de coleta de lixo.
Comitiva
Erudito
e humanista, interessava-se pelas ciências e pelas artes. Tão logo foi nomeado,
reuniu um grupo de cientistas, teólogos, arquitetos, médicos e pintores.
O
cientista Willem Piso, que estudara em Leiden e em Caen e praticara Medicina em
Amsterdã, veio à Nova Holanda para estudar as doenças tropicais. O paisagista
Frans Post, de vinte e poucos anos, vinha recomendado por seu irmão Pieter Post
e era tão desconhecido como o retratista Albert Eckhout. A Luís XIV, porém,
Nassau diria mais tarde que contara no Brasil com seis pintores - talvez
incluísse um pintor primitivo, Zacharias Wagener, seu despenseiro. Viriam ainda
o cartógrafo Cornelis Golijath e o astrônomo saxão Georg Marggraf, que, com
Piso, seria o autor da Historia Naturalis Brasiliae (Amsterdã, 1648), primeira
obra de caráter científico sobre a natureza brasileira. O nome de Marggraf é
sobretudo ligado a sua descrição do eclipse solar de 1640. Vieram ainda três
vidraceiros e um entalhador. Ao humanista Caspar Barlaeus, Nassau encomendou a redação
da história de seu governo no Brasil.
Consolidação da conquista
Assim
que chegou ao Brasil, Nassau passou imediatamente à ofensiva contra a tropa
hispano-luso-brasileira aquartelada em Porto Calvo, Alagoas, comandada pelo
conde de Bagnoli, oficial napolitano, que comandando cerca de quatro mil
homens, preferiu retirar-se. Nassau em seu encalço marchou para o rio São
Francisco, desceu em terra em Jaraguá, cavalgou pela costa até Penedo. Ali se
demorou dois meses, na construção de uma fortaleza a que deu seu nome, encetou
relações com os Tapuias, e assentou no grande rio o limite meridional do Brasil
holandês. Regressou ao Recife no início do Inverno e se dedicou à tarefa imensa
de recompor a administração civil e militar e ao complexo problema do
abastecimento da conquista.
Ainda
em 1637 implantou uma reforma administrativa e começou a tratar da tarefa de
reativação do sistema açucareiro pois a quase totalidade dos 150 engenhos do
Brasil holandês estava destruída pela guerra, 15 mil habitantes tinham fugido,
dos quais 1/3 eram escravos. A WIC não via com bons olhos a confirmação dos
direitos dos luso-brasileiros, mas Nassau percebeu que sem eles, e sem o que
chamava a classe média rural (lavradores de cana, mestres-de-açúcar, feitores,
artesãos, lavradores de víveres) não seria possível recompôr a indústria. Entre
1637 e 1638 mandou leiloar os engenhos dos proprietários ausentes ao preço
médio de 30 a 40 mil florins. Com isso arrecadou 2 milhões de florins. Os
compradores foram sobretudo judeus, neerlandeses e luso-brasileiros, mas no
decorrer dos meses os dois primeiros terminariam revendendo as propriedades aos
terceiros - como no caso de João Fernandes Vieira, por exemplo.
A
oferta de crédito ainda dependia da definição do regime de comércio a ser
adotado no Brasil holandês. A intervenção de Nassau, com a influência de
Amsterdã e dos Estados da Holanda, foi decisiva para que os Estados Gerais
ratificassem em abril de 1638 (contra as pretensões da WIC) a política de livre-comércio
adotada há quatro anos. Pois a Holanda era verdadeiramente a pátria do
livre-comércio e a comunidade mercantil de Amsterdã não hesitaria em devolver o
Nordeste do Brasil a Portugal só para ter o direito de comerciar nas colônias
hispano-portuguesas. Nassau estava convencido de que o monopólio desejado pela
WIC seria a perda do Brasil holandês, pois a fase era de escassez de açúcar e
de preços crescentes, além de que daria estímulo à imigração de colonos
neerlandeses, desencadeando um círculo virtuoso na economia. E, favorável
também a uma oferta abundante de escravos africanos, em 1637 enviou o coronel
Hans Koin, à testa de uma expedição naval que conquistou o Forte de São Jorge
da Mina, na África (28 de agosto). A possessão portuguesa da Mina foi colocada
sob o controle de Recife, mas sua conquista não correspondeu às expectativas
econômicas neerlandesas, já que o desempenho do escravo da Guiné era reputado
pelos portugueses como inferior ao dos de Angola.
Logo
Nassau foi obrigado a se defender da tropa de Bagnoli em Sergipe, perdendo a
ilusão de que o rio São Francisco ofereceria proteção natural ao Brasil
holandês. Ficou claro que, enquanto Recife permanecesse em mãos neerlandesas e
a Bahia em mãos portuguesas, nenhum dos dois lados poderia se sentir
verdadeiramente seguro.
Para
assegurar o setor norte das suas possessões, Nassau fez, em 1638, viagem à
Paraíba e ao Rio Grande do Norte, examinando as suas fortificações e
fortalecendo a sua aliança com os Tapuias, inabalavelmente hostis aos luso-brasileiros.
Fortaleza se rendera desde dezembro de 1637. Voltando ao Recife, Nassau recebeu
a notícia da poderosa armada hispano-lusitana que se aprestava em Lisboa e
Cádiz com destino ao Brasil. Filipe IV e o conde de Olivares haviam finalmente
decidido lançar uma ofensiva dupla, afinal a última dos Áustria madrilenhos:
uma armada chefiada por D. Antônio de Oquendo tentaria reabrir as comunicações
marítimas com o norte da Europa e outra armada, chefiada por D. Fernando
Martins de Mascarenhas, o conde da Torre, deveria restaurar o domínio lusitano
no Nordeste. Nassau tomou assim a arriscada decisão de se antecipar e
conquistar a Bahia.
A luta pela Bahia
Nassau
organizou as guardas cívicas do Recife , da Paraíba e de Itamaracá para
reforçar a tropa que deixava e partiu em 8 de abril na chefia de uma frota
naval de 36 unidades com 3600 europeus e mil índios. Começou o assalto a
Salvador em 16 de abril, desembarcando em Água dos Meninos e obtendo a rendição
dos fortes de Santo Alberto, São Filipe e São Bartolomeu. Mas como Bagnuolo e o
Governador-Geral haviam superado as suas divergências, o exército de Pernambuco
e a guarnição local estavam unidos contra o invasor e o avanço neerlandês foi
detido. Só na noite de 17 para 18 de maio o invasor perdeu 300 homens.
Os
navios do almirante Lichthart saquearam os engenhos do Recôncavo sem conseguir
impedir a entrada de reabastecimento. Nassau retirou-se, convencido de que caso
a vitória fosse alcançada nas circunstâncias existentes, só "faria ricos
os soldados e pobre a Companhia", evacuando sua tropa de modo tão
eficiente que os sitiados só iriam perceber na manhã seguinte que estavam
livres.
Perante
o Conselho dos XIX, Nassau defendeu-se atacando: era impossível expandir os
domínios da WIC por meio de um exército desfalcado por doenças tropicais,
perdas em combate e expiração do prazo trienal de recrutamento. Dos soldados
prometidos em 1636, a Companhia ainda lhe devia 1200. Não era melhor a situação
da esquadra, que reclamava 18 grandes naus. Nassau solicitou mais 3600
soldados, para perfazer os 7 mil que considerava necessários, total de que
jamais disporia. A Companhia já se encontrava no círculo vicioso de que, para
retomar a ofensiva, era preciso dinheiro mas os acionistas só compareceriam
quando houvesse êxitos militares no Brasil.
Os
historiadores costumam datar do episódio baiano o início das graves
dificuldades de Nassau com a Companhia. Mas como a falhada expedição fora
rentável, pela pilhagem do Recôncavo e pelo apresamento de boa quantidade de
escravos revendidos no Recife, Nassau decidiu renovar a ofensiva para evitar
que o Governador-Geral português começasse represálias contra o interior
pernambucano, prejudicando a safra de 1638-1639, que se previa ser abundante.
A armada hispano-lusitana e os
reforços neerlandeses
Em
10 de janeiro de 1639 apareceram as velas da armada que zarpara de Lisboa a 8
de setembro de 1638 e se reunira em Cabo Verde a outra armada, castelhana.
Teriam de 8 a 9 mil homens. O conde da Torre veio a Recife apenas numa
demonstração de força até o meio dia, seguindo então viagem para Salvador,
sempre à vista do litoral. Nos meses seguintes os informantes de Nassau lhe
contaram das penosas circunstâncias materiais e morais da armada, das más
relações de Torre com o governador, que o acusava de covardia por não ter
atacado imediatamente o Brasil holandês.
Em
março Nassau recebeu reforços: 1200 soldados e sete navios, enviados sob o
comando do coronel polonês Crestofle d'Artischau Arciszewski, nomeado general,
que era veterano da guerra no Nordeste e cheio de experiência brasileira, ao
contrário de Nassau - que o vencera entretanto na disputa pelo lugar de
comandante do Brasil holandês. Em julho, graças à interceptação de uma carta do
conde da Torre, Nassau teve o quadro preciso da força do inimigo: 46 navios,
dos quais 26 galeões, com 5 mil homens. A armada tinha instruções para
permanecer dois anos no litoral brasileiro.
Em
novembro de 1639 a armada seguiu para Pernambuco, seguida por terra por
soldados da tropa do conde de Bagnoli, chefiados pelos três veteranos André
Vidal de Negreiros, Antônio Filipe Camarão e Henrique Dias que se ilustrariam
mais tarde na Guerra da Restauração, uma vez partido Nassau. Eram 87 navios,
com 5 mil soldados, fora a tripulação, e 12 peças de artilharia. Nassau optou
por se defender por mar. Para compensar a inferioridade dos meios, se absteria
de abordar os navios inimigos e os poria a pique - o que era péssimo,
financeiramente, para a WIC. Tinha 41 navios, 2800 homens embarcados, postados
ao largo de Olinda. Os navios se deram caça de Alagoas à Paraíba, em uma série
de quatro batalhas navais entre Itamaracá e Rio Grande. no dia 13 de janeiro de
1640, diante de Ponta das Pedras; no dia 14, na altura da cidade de Paraíba;
dia 17, ao largo de Cunhaú, hoje praia de Pipa. Houve poucas baixas. Cada uma
teve resultados indecisos mas seu somatório seria favorável aos neerlandeses
pois a armada não pode desembarcar e se dispersou, afinal. O conde da Torre
desembarcou na baía de Touros uma tropa de 1200 soldados, comandados por Luís
Barbalho Bezerra, que regressou à Bahia pelo interior do Brasil holandês em
marcha heroica de mais de 400 léguas.
Em
seu relato à Companhia, Nassau atribui o fracasso luso-espanhol à escolha de um
comandante ineficaz para comandar força tão poderosa, devido à praxe de nomear
aristocratas inexperientes, como Torre, no pressuposto que sua nobreza era mais
apta a garantir a disciplina; outro motivo fora a mortandade que atacara a
armada em Cabo Verde, obrigando-a a escala em Salvador; e a ação dos ventos,
que haviam desfavorecido sempre o inimigo.
A Restauração da Independência e
as suas consequências
Nassau
soube por via da Inglaterra que em Lisboa, em 1 de dezembro, um complô
aristocrático liquidara 60 anos de domínio espanhol e alçara o duque de
Bragança ao trono como João IV de Portugal. A adesão da Bahia modificou
completamente a guerra, e disso se soube no Recife por carta que ali chegou em
14 de março de 1641, pois Portugal e os Países Baixos eram, potencialmente,
aliados contra a Espanha.
Paralelamente,
Nassau e o marquês de Montalvão prosseguiram entendimentos secretos. Mas tais
gestões não o impediram de expandir os domínios da Companhia e, consciente da
iminência de um tratado entre Amsterdã e Lisboa, apressou-se a tirar partido do
intervalo que transcorreria. Desde o fevereiro anterior debatera com o Conselho
Supremo a ocupação da ilha de São Tomé.
Ordenou
a ocupação de Sergipe, para garantir suprimento de gado. Hesitou entre atacar
São Luís ou o Grão-Pará. Em abril de 1640, recebeu ordens para agir contra a
Bahia e Sergipe, antes da ratificação do tratado luso-neerlandês.
Em
maio, decidiu-se por uma expedição contra Luanda. Entregou o comando ao
almirante Jol e ao coronel Henderson, à frente de uma esquadra enorme, das
maiores que a Companhia armou em 18 anos de sua existência. Nassau achava que
nenhuma iniciativa poderia ser tão proveitosa quanto a conquista de Angola, nem
desferir tamanho golpe contra a Espanha. De Angola se exportavam anualmente 15
mil escravos, dos quais 10 mil para as minas e fazendas da América Espanhola e
cinco mil para o Brasil — o tráfico era avaliado em 6 milhões de florins, dos
quais 1 milhão apenas em impostos. Senhora de Angola, a VOC arruinaria a
produção espanhola de prata, base do poderio espanhol na Europa, e a produção
portuguesa de açúcar, fazendo com que a Bahia caísse depois. A esquadra tomou
Luanda em dezembro de 1641, mas não atacou Massangano (onde se refugiara a
guarnição e população portuguesa), conquistando a seguir Benguela e São Tomé, e
Axim, na costa da Guiné. Dizem os cronistas que a única resistência foi a do
clima, ao qual Jol sucumbiu.
Nassau
não conseguiu unificar, subordinando-o a seu comando, um governo unificado em
Angola para as possessões africanas, pois os XIX preferiram criar um Distrito
Meridional da Costa Africana com capital em Luanda, englobando Angola e São
Tomé, sob alegação de que Portugal sempre mantivera separadas suas possessões
brasileiras e africanas, para preservar os lucros do tráfico negreiro na
metrópole.
Em
novembro de 1640, a força naval comandada por Lichthart e Koin tomou a ilha de
São Luís, no Maranhão.
Tratado de trégua de dez anos com
Portugal
Em
junho de 1641 o embaixador Tristão de Mendonça Furtado assinou com o governo
neerlandês um tratado de trégua por 10 anos, com oposição das duas Companhias
comerciais. Em Lisboa, indignada com a perda de Angola, Sergipe e Maranhão,
exigia-se o recurso às armas para vingar a traição do novo aliado. Cortesãos e
altos funcionários começaram a organizar um levante luso-brasileiro no Brasil
holandês que, entretanto, só se concretizou em junho de 1645, quando Nassau já
havia deixado o Brasil.
Montalvão,
reabilitado por D. João IV, obtivera a presidência do Conselho Ultramarino e
retomou os contatos com Nassau. Ofereceram-lhe inclusive, para afastá-lo, um
comando no Exército português. Nassau foi, aos poucos, entretendo Montalvão,
para buscar os maiores benefícios para os neerlandeses. O Brasil holandês
começou a desandar em 1642, como observa Evaldo Cabral de Mello em sua obra.
A
queda no preço dos diversos tipos de açúcar tivera início em 1638. Na safra de
1641-1642 as enchentes prejudicaram os canaviais, e a escravaria foi atacada
por uma praga de "bexigas" vinda de Angola. A queda dos preços do
açúcar refletiu-se no valor do preço dos imóveis em Recife, que se reduziu de
1/3. A receita fiscal da WIC caiu na mesma proporção. Em quatro anos, o tráfego
marítimo com a metrópole se reduziu de 56 para 14 embarcações anuais. Senhores
de engenho e lavradores de cana deviam à WIC 5,7 milhões de florins. Em junho
de 1644, enquanto Nassau retornava para a Europa, registravam-se falências em
Amsterdã. A escassez de moeda pressionava a taxa de juros que aumentava,
provocando mais falências. A ferocidade da Companhia não era menor que a do
comércio particular e dos arrecadadores de impostos. Desde fins de 1641, Nassau
deve ter percebido que a independência de Portugal poderia vir a ser um mau
negócio para o Brasil holandês.
Apreciação
Administrador
eficiente e conciliatório, sob sua gestão (1637-1644) o domínio neerlandês no
Brasil atingiu o auge. Consolidada a ocupação militar de Pernambuco, expandiu a
conquista com a anexação do litoral das Capitanias do Ceará, Sergipe e
Maranhão, mas fracassou na tentativa de conquistar a Bahia (1639) sobretudo por
falta de meios.
Diz
Evaldo Cabral de Mello: "A política de conciliação que adotou e sua peça
fundamental, a tolerância da religião católica, eram certamente um imperativo
da dependência em que se achava a produção de açúcar em relação aos senhores de
engenho, lavradores de cana e artesãos da nação portuguesa. Mas não se deve
afirmar grosseiramente que a atitude de Nassau e das autoridades batavas
decorresse apenas das exigências do sistema produtivo. A liberdade de
consciência era doutrina oficial da República dos Países Baixos e assim foi
proclamada na sua carta fundamental, a União de Utrecht (1579). (…) Sua atitude
para com a comunidade judaica, porém, foi menos benevolente."
Após
sete anos, mesmo tendo desenvolvido uma política conciliadora e tolerante, não
conseguiu impedir contradições insolúveis. Divergências entre sua forma de
governar e os lucros esperados pela WIC levaram-no a deixar o cargo e retornar
à Europa em 23 de maio de 1644.
O
seu governo está associado ao planejamento urbano do Recife, que o historiador
da Arte estadunidense Robert Chester Smith iria considerar "a primeira
cidade digna desse nome na América portuguesa", (…) caracterizada pela
liberdade de circulação por meio de pontes e de ruas pavimentadas e traçadas
geometricamente, mercados e praças bem plantadas. A descrição da vida em Recife
nos tempos de Nassau foi feita por cronistas neerlandeses e por frei Manuel
Calado que vivia em Alagoas em seu engenho com 25 escravos mas foi chamado por
Nassau ao Recife, onde se ligou especialmente a João Fernandes Vieira.
Seus
êxitos inegáveis foram a defesa do Brasil holandês contra o ataque da armada
luso-espanhola em 1640 e a conquista de Angola, São Tomé e do Maranhão em 1641,
graças ao poder naval.
Para
o historiador Charles Boxer foi sobretudo um "administrador de primeira
categoria".
O retorno à Europa
Desde
abril de 1642, o Conselho dos XIX o havia dispensado, com ordens de regressar
na primavera de 1643. Com o envio das expedições a Angola e Maranhão e a
próxima ratificação do tratado luso-neerlandês, o seu papel no Brasil passou a
ser visto como desnecessário. Em setembro, porém, não deixou de manifestar aos
Estados Gerais o seu ressentimento com a direção da Companhia. Nassau projetava
um ataque a Buenos Aires - escoadouro ilegal da prata peruana com destino ao
Rio de Janeiro e a Luanda, e porta de entrada de escravos destinados ao Peru -
enquanto que, sem consultá-lo, a Companhia decidiu enviar uma expedição para
atacar o Chile, sob o comando do almirante Hendrick Brouwer, que chegou a
Recife e, no decurso de 1643, ocupou Chiloé e Valdivia.
Nassau
também previa uma iminente insurreição luso-brasileira, em carta aos Estados-Gerais.
Em Salvador, já se instalara como governador-geral Antônio Teles da Silva,
encarregado de fomentar tal insurreição, e havia regressado do Reino André
Vidal de Negreiros, que articularia a insurreição no terreno. Havia levantes em
São Tomé e no Maranhão, e Bengo, em Angola, foi saqueada.
Em
30 de setembro de 1643 Nassau recebeu a carta de dispensa dos Estados Gerais,
com a promessa de o designar para importantes funções na Europa. Partiu numa
esquadra de treze naus que transportava carga avaliada em 2,6 milhões de
florins. A sua bagagem pessoal ocupava duas naus: nela seguiam as suas
coleções, barris de conchas e seixos, botijas de farinha de mandioca, dentes de
elefante, toras de jacarandá, pranchas de pau-santo, de pau-violeta, trinta
cavalos pernambucanos, cem barriletes de frutas confeitadas, inclusive abacaxi.
Fez quarenta anos a bordo e, em julho de 1644, desembarcou no porto de Texel.
De
volta aos Países Baixos, foi promovido a General de Cavalaria, nomeado
Comandante da Guarnição de Wesel. Nesse período encarregou Caspar Barlaeus da
redação da história do seu governo no Brasil, obra publicada em 1647. Diante
das dificuldades da WIC no Brasil, chegou-se a cogitar da sua volta, ideia
declinada por Nassau diante da limitação de seus poderes.
Ocupou
o cargo de Governador de Cleves (1647) tendo exercido as funções de embaixador
junto à Dieta de Frankfurt, em 1652 foi escolhido Comandante da Ordem de Malta
para o norte da Alemanha, e recebeu do Imperador o título de Príncipe do Sacro
Império Romano-Germânico. Mesmo com idade avançada e a saúde debilitada, tornou
a pegar em armas quando os Países Baixos foram atacados pelo bispo de Münster
(1665) e, posteriormente, pelos franceses (1667) e espanhóis (1671). Na guerra
contra a França, tornou-se marechal-de-campo. Aos setenta anos de idade foi
nomeado governador de Utrecht (1674). A partir de 1674 se tornou Conde e depois
Príncipe (1674-1679) de Nassau-Siegen, região da atual Alemanha.
Embora
lhe tenham atribuído várias relações amorosas (frei Manuel Calado se reporta à
filha de um pastor no Recife, Margarida, filha do predicante Soler), sabe-se
que permaneceu celibatário.
Túmulo de Maurício de Nassau em Cleves. |