O
fogo foi a maior conquista do ser humano na pré-história. A partir desta
conquista o homem aprendeu a utilizar a força do fogo em seu proveito,
extraindo a energia dos materiais da natureza ou moldando a natureza em seu
benefício.
O fogo serviu como proteção aos primeiros hominídeos, afastando os
predadores. Depois, o fogo começou a ser empregado na caça, usando tochas
rudimentares para assustar a presa, encurralando-a. Foram inventados vários
tipos de tochas, utilizando diversas madeiras e vários óleos vegetais e
animais. No inverno e em épocas gélidas, o fogo protegeu o ser humano do frio
mortal. O ser humano pré-histórico também aprendeu a cozinhar os alimentos em
fogueiras, tornando-os mais saborosos e saudáveis, pois o calor matava muitas
bactérias existentes na carne.
O
fogo também foi o maior responsável pela sobrevivência do ser humano e pelo
grau de desenvolvimento da humanidade, apesar de que, durante muitos períodos
da história, o fogo foi usado no desenvolvimento e criação de armas e como
força destrutiva.
Na
antiguidade o fogo era visto como uma das partes fundamentais que formariam a
matéria. Na Idade Média, os alquimistas acreditavam que o fogo tinha
propriedades de transformação da matéria alterando determinadas propriedades
químicas das substâncias, como a transformação de um minério sem valor em ouro.
Controle humano
A
capacidade de controle de fogo foi uma mudança dramática nos hábitos dos
primeiros seres humanos. Fazer fogo para gerar calor e luz tornou possível às
pessoas cozinhar alimentos, aumentando a variedade e disponibilidade de
nutrientes. O calor produzido também ajudou as pessoas a manterem-se aquecidas
no frio, permitindo-lhes viver em climas mais frios. O fogo também manteve
predadores noturnos afastados. Evidências de comida cozida são encontradas a
partir de 1,9 milhões de anos atrás, embora o fogo provavelmente não foi
utilizado de forma controlada até há um milhão de anos. As evidências tornam-se
generalizadas cerca de 50 a 100 mil anos atrás, sugerindo o uso regular a
partir deste momento. Curiosamente, a resistência à poluição atmosférica
começou a evoluir nas populações humanas na mesma época. O uso do fogo
tornou-se progressivamente mais sofisticado, com a sua utilização para produzir
carvão e controlar a vida selvagem desde dezenas de milhares de anos atrás.
O
fogo também foi usado por séculos como um método de tortura e execução, como
evidenciado pela morte na fogueira, bem como em instrumentos de tortura, como a
bota malaia, que poderia ser preenchida com água, óleo, ou mesmo chumbo e, em
seguida, aquecida em fogo aberto para agonia do que a calçava.
Até
a Revolução Neolítica, durante a introdução da agricultura baseada em grãos,
pessoas de todo o mundo usaram o fogo como uma ferramenta de manejo da
paisagem. Estes incêndios foram tipicamente queimadas controladas ou
"fogos frios", ao invés de "incêndios quentes"
descontrolados, que danificam o solo. Incêndios quentes destroem plantas e
animais e põem em perigo as comunidades. Este é um problema especialmente nas
florestas de hoje, onde a queimada tradicional está impedida, a fim de
incentivar o crescimento das culturas de madeira. Fogos frios são geralmente
realizados na primavera e no outono. Eles limpam a vegetação rasteira,
queimando biomassa que pode provocar um incêndio quente que o deixaria muito
concentrado. Oferecem uma maior variedade de ambientes, o que estimula a caça e
a diversidade de plantas. Para os humanos, eles tornam transitáveis as densas e
antes intransitáveis florestas. Outro uso humano para o fogo no que diz
respeito ao manejo da paisagem é o seu uso para limpar a terra para a
agricultura. O cultivo baseado em corte e queima ainda é comum em grande parte
da África tropical, Ásia e América do Sul. "Para os pequenos agricultores,
é uma forma conveniente para limpar áreas cobertas de vegetação e liberar
nutrientes da vegetação restante de volta para o solo". No entanto, esta
estratégia útil também é problemática. A população crescente, a fragmentação
das florestas e aquecimento do clima estão fazendo a superfície da Terra mais
propensa a que ocorram incêndios cada vez maiores. Estes danificam os
ecossistemas e a infra-estrutura humana, causam problemas de saúde e liberam
espirais de carbono e fuligem que podem incentivar ainda mais o aquecimento da
atmosfera e, assim, servir de base para mais incêndios. Globalmente, nos dias
de hoje, cerca de cinco milhões de quilômetros quadrados de área - mais de
metade do tamanho dos Estados Unidos - são queimados em um determinado ano.
Existem
inúmeras aplicações modernas de fogo. Em seu sentido mais amplo, o fogo é usado
por quase todo o ser humano na terra em um ambiente controlado todos os dias.
Os usuários de veículos de combustão interna empregam fogo cada vez que eles
dirigem. Usinas termoelétricas fornecem eletricidade para uma grande
porcentagem da humanidade.
O
uso do fogo na guerra tem uma longa história. O fogo foi a base de todos as
primeiras armas térmicas. Homero detalhou o uso do fogo por soldados gregos que
se esconderam em um cavalo de madeira para queimar Troia durante a guerra de
Troia. Mais tarde, a frota bizantina utilizou fogo grego para atacar navios e
homens. Na Primeira Guerra Mundial, os primeiros modernos lança-chamas foram
usados pela infantaria, e foram instalados de forma bem-sucedida em veículos
blindados na Segunda Guerra Mundial. No final da guerra, bombas incendiárias
foram usadas pelas Potências do Eixo e pelos Aliados da mesma forma,
nomeadamente em Tóquio, Rotterdam, Londres, Hamburgo e, notoriamente, em
Dresden. A Força Aérea dos Estados Unidos também usou amplamente bombas
incendiárias contra alvos japoneses nos últimos meses da guerra, devastando
cidades inteiras construídas principalmente com casas de madeira e papel. O
napalm foi empregado em julho de 1944, no final da Segunda Guerra Mundial;
embora seu uso não tenha ganho a atenção do público até a Guerra do Vietnã.
Emprego do fogo pelos nativos das
Américas
Os
dados disponíveis indicam que os primeiros povos que chegaram às Américas
vieram da Ásia através do Estreito de Bering há cerca de 13 mil anos, embora
haja outras teorias a respeito, mas todas admitem que a tomada dos territórios
foi feita ao longo de milênios por levas de povos com diferentes graus de
evolução. Além da coleta de alimentos alguns já praticavam a caça, a pesca e
possivelmente a agricultura e a zootecnia e muitos deviam ter conhecimento de
como produzir o fogo.
Muitos
índios acreditavam que o fogo ficava encerrado invisível na madeira e era
liberado quando se atritava dois pedaços dela. Várias lendas tentavam explicar
o aparecimento do fogo: o macaco provocava o fogo pelo atrito de dois pedaços
de pau e ensinou aos Bororó do Mato Grosso a produzí-lo; um moço misterioso que
vivia no fundo das águas ensinou os Tariana do Amazonas; o Deus Tupã
esqueceu-se do fogo sobre uma pedra e o jacaré o engoliu. Após ser morto pela
rã Jui, o fogo foi encontrado atrás da orelha do jacaré pelo pássaro japu, que
ficou com o bico vermelho; em outra lenda o japu voou até o sol e trouxe o fogo
para a Terra; para os Bacaeri do Mato Grosso dois dos seus heróis roubaram o
fogo que pertencia à raposa.
Como
geralmente a produção do fogo demandava muito esforço, índios de Minas Gerais
mantinham de prontidão, vinte e quatro horas por dia, uma equipe de anciões
cuidando para que o fogo não se apagasse. Os Cherokee da Carolina do Norte,
Georgia e Oklahoma mantinham o fogo aceso debaixo dos locais onde construiam
suas habitações. Se elas fossem destruídas por inimigos, o fogo lá permanecia
por até um ano e era utilizado quando a aldeia era reconstruída.
Jean
de Léry (1534-1611) pastor, missionário e escritor francês que junto com
Villegagnon participou da invasão do Rio de Janeiro em 1557 deixou-nos uma
vívida narrativa sobre o emprego do fogo pelos índios:
São os selvagens muito amigos do
fogo e não pousam em nenhum lugar sem acendê-lo, principalmente à noite, pois
temem então ser surpreendidos por Ayugnan, o espírito maligno, que, como já
disse, amiúde os espanca e atormenta. Em suas caçadas no mato ou em suas
pescarias nos lagos e rios, para qualquer lado que se dirijam, ignorando o uso
da pedra e do fuzil, carregam por toda parte duas espécies de madeira, uma tão
dura como aquela de que nossos cozinheiros fabricam espetos e outra tão mole
que parece podre. Quando querem fazer fogo pegam de um pau em forma de fuso,
preparado com a madeira dura e mais ou menos de um pé de comprimento, e colocam
com a ponta no centro de outra peça feita com a madeira mole. Esta peça é
deitada no chão ou posta sobre um tronco mais ou menos grosso; em seguida rodam
com rapidez o pau pontudo entre as palmas das mãos como se quisessem furar a
peça inferior. O rápido e violento movimento ao fuso desenvolve tal calor que
em se colocando ao lado algodão ou folhas secas de árvores, o fogo pega
perfeitamente; e asseguro aos leitores que eu mesmo acendi fogo deste modo .
Dos
métodos primitivos de produzir fogo, por percussão e por friccão (atrito), os
indígenas das Américas adotaram o de percussão, onde o fogo é produzido pelo
choque de duas pedras, e vários de fricção, como o acendedor manual, o
acendedor de boca, o acendedor de quatro mãos, o acendedor de arco, o acendedor
de peito, o acendedor de pressão manual e o acendedor de bombeamento.
Produzindo fogo por percussão
Método de produção de fogo por percussão de duas pedras |
Índios
de Minas Gerais provocavam fogo usando duas pedras de sílex, uma rocha
sedimentar silicatada, apropriadamente chamada de silex pirômico .
Acredita-se
que o uso da percussão pelos índios brasileiros para produzir fogo tenha sido
aprendido dos europeus. Isto é em parte corroborado pelo texto acima de Jean de
Léry onde há a informação de que os índios por ele contatados não usavam o
fuzil, também conhecido como pederneira, que nada mais é do que o sílex
pirômico, ou seja, a pedra de fazer fogo. Contudo, outras tribos das Américas
já empregavam este processo muito antes da chegada dos europeus.
Os
Algonquin ou Algonquinos dos Estados Unidos e os Athapascan do Alasca usavam
duas pedras de pirita para produzir fogo. Os Esquimó também usavam duas pedras
de pirita, dirigindo a faísca para dentro de uma bolsa de couro contendo musgo
seco e esfarelado. Quando este incendiava, o fogo era transferido para local
previamente preparado para recebê-lo.
Acendendo fogo pela fricção de duas madeiras |
Produzindo fogo por fricção ou
atrito
Como
descreveu Jean de Léry, um dos métodos dos indígenas acenderem o fogo era com o
acendedor manual, com o emprego de duas madeiras. A que ficava apoiada no chão
recebia o nome de base e a que girava era a haste.
Com
as mãos abertas, provocava-se um movimento rotatório na haste. Esta removia
moinha da base que caia sobre a mecha, ou seja, folhas ou musgo seco ou
algodão. Após algum esforço surgia a fagulha na moinha, que pegava fogo,
incendiando a mecha. Os Kaingang do Mato Grosso do Sul e Argentina e os
Apopocuva-Guarani de São Paulo retiravam a ponta da flecha e colocavam no lugar
uma madeira dura, tendo assim uma haste, que era friccionada em outra mole,
produzindo fogo.
Os
Xavante, os Caiapó e os Angarité de Goiás, os Yanomâmi do Amazonas e a maioria
das tribos sul-americanas faziam fogo com o acendedor manual, assim como os
Huron, os Iroquoi e outras tribos norte-americanas.
Os
Yanomâmi de Roraima faziam fogo utilizando o acendedor manual feito de madeira
de cacaueiro. Uma haste com diâmetro equivalente ao de um lápis e com o
comprimento de meio metro era atritada em uma pequena cavidade feita na base.
Esta apresentava o comprimento de um palmo e a largura de cerca de três
centímentros.
Os
Yahi da Califórnia usavam para a base alguma madeira mole como salgueiro ou
cedro e a haste era de qualquer madeira dura. Na proximidade da borda da base
eram feitos furos de 5 a 6 milímetros de profundidade, que eram ligados a ela
por finos canais.Os Luiseño, Yana, Maidu, Miwok, Yurok e outras tribos da
Califórnia usavam a mesma madeira para a haste e para a base.
A
haste composta era usada por algumas tribos norte-americanas, que faziam o
corpo principal da haste de uma madeira e a ponta de outra. Capim seco, casca
de árvore, madeira apodrecida, agulhas (folhas adultas) de pinheiros e alguns
fungos eram usados como mecha. O Acendedor manual, quando não em uso, era
mantido embrulhado para que pegasse umidade. Além de ser usado para produzir
fogo, o acendedor manual tinha outras utilidades. Era usado para fazer furos
pelos Esquimó, para trabalhar madeira pelos Haida do Canadá e, com ajuda de
areia, para furar pedras por algumas tribos amazônicas. Oito segundos era o
tempo que, em condições ideais, os Apache demoravam para fazer fogo. Algumas
vezes eles mergulhava a ponta da haste na areia antes de usá-la.
Acendedor de boca
Acendendo fogo pela fricção de duas madeiras - acendedor de boca |
Os
Esquimó utilizavam para fazer fogo o acendedor de boca, assim chamado porque a
parte superior da haste era apoiada na boca. O movimento de rotação era dado
por uma tira que dava uma volta em torno da haste e era puxada de um lado para
outro pelas mãos. Algumas tribos amarravam as pontas da tira em um arco e o
movimentavam de um lado para o outro, provocando a rotação, como no acendedor
de arco.
Acendedor de quatro mãos
Acendedor de quatro mãos |
Algumas
tribos de Esquimó usavam o acendedor de quatro mãos, cujo nome deriva do fato
de que era necessário duas pessoas para fazê-lo funcionar. Uma pessoa
pressionava a haste sobre a base e a outra movia uma correia que, por dar uma
volta em torno da haste, provocava o movimento de rotação.
Acendedor de arco
Acendedor de arco |
Algumas
tribos norte-americanas produziam o fogo com o acendedor de arco, composto por
quatro partes: a base, a haste, o arco e o suporte. A base e a haste eram
similares às do acendedor de mão; o arco era uma peça curva de madeira, marfim
ou osso com um cordão de fibra animal ou vegetal amarrado em uma das
extremidades que dava uma volta na haste e era amarrado na outra extremidade do
arco. O suporte era uma pequena peça de madeira, osso ou pedra com uma cavidade
em uma das faces, por onde se encaixava na haste. Apoiada no suporte, a mão
esquerda pressionava a haste sobre uma cavidade da base e com a direita
movimentava-se o arco para frente e para trás, provocando na haste um movimento
rotativo alternado. O fogo era produzido com maior facilidade do que com o
acendedor de mão.
O
acendedor de arco já era usado entre o quinto e o quarto milênio antes de
Cristo no Paquistão. Servia para produzir fogo, como também para fazer furos em
materiais e como instrumento odontológico.
Acendedor de bombeamento
Acendedor de bombeamento |
Dos
acendedores, o mais avançado era o de bombeamento. A haste era bem mais
comprida do que os outros acendedores e próximo à ponta que entrava em contado
com a base havia um peso, geralmente em forma de rodela, que imprimia força ao
movimento de rotação. A haste era enfiada no furo no centro de um pedaço de
madeira em forma de tábua ou roliça. Um cordão era preso na parte superior da
haste, enrolado nela, e cada ponta era fixada em uma das extremidades da tábua.
Com uma mão na parte superior da haste mantendo-a na vertical, a outra mão
pressionava para baixo a tábua, provocando a rotação da haste, cuja ponta
girava sobre a base provocando o atrito. Dependendo do tipo de ponta, a ação
fazia a furação ou provocava o aquecimento, produzindo calor que gerava o fogo.
Quando a tábua chegava ao seu limite inferior e o cordão estivesse totalmente
desenrolado, bastava parar de exercer pressão para que o movimento de inércia
fizesse a haste continuar em rotação e o cordão se enrolasse nela, puxando a
tábua para cima. Para continuar era só pressionar novamente a tábua para baixo.
Embora
a maioria das etnias norte-americanas utilizasse o acendedor de bombeamento
apenas para fazer furos, os Iroquois dos USA e Canadá empregavam-no também para
produzir fogo.
Acendedor de peito
Acendedor de peito |
Indígenas
venezuelanos faziam fogo de uma maneira sui generis utilizando um acendedor de
peito. Pegavam uma haste flexível e apoiavam uma extremidade dela em um
protetor encostado no peito e a outra extremidade em um pequeno orifício de uma
base apoiada em alguma estrutura vertical. Com o peito pressionavam a haste que
se encurvava formando um arco e com a mão a girava produzindo fogo.
Tabus e crenças
O
fogo era de singular importância para os índios e em algumas tribos anciões
eram destacados para mantê-lo continuamente. Acreditavam que se ele se apagasse
desgraças aconteceriam com a tribo. Os Juruna do Mato Grosso e Pará sempre que
assavam carne deixavam um pedaço no jirau para alimentar o
gavião-do-bico-amarelo. Diziam que quando os homens e animais eram semelhantes
esta ave, que carregava o fogo em um embornal, passou-o para o pai ancestral da
tribo que se transformara em um pau seco.
O
Ano Novo dos Asteca era iniciado com a produção de fogo com a fricção de dois
paus em um morro à noite. Se não conseguiam iniciar o fogo, acreditavam que o
sol seria destruído e os demônios da escuridão baixariam à terra para comer os
humanos. Centenas de anos depois, os Karok da Califórnia iniciavam o Ano Novo
com a produção de fogo com dois paus. Os Yokut da Califórnia, quando estavam
preparando a roça, faziam um fosso ao redor do tronco da árvore, colocavam galhos
secos e colocavam fogo. Como queriam queimar apenas a parte inferior do tronco
e aproveitar o resto, debelavam as chamas que ameaçavam subir, mas não olhavam
para cima, já que acreditavam que isto incentivaria as chamas a subirem.
Quando
grassava alguma doença entre os Iroquois, eles acreditavam que era porque os
fogos que havia na aldeia estavam velhos. Para debelar a doença era necessário
apagar todos os fogos e acender novos.