A Inquisição é um grupo de instituições
dentro do sistema jurídico da Igreja Católica Romana, cujo objetivo é combater
a heresia. Começou no século XII na França para combater a propagação do
sectarismo religioso, em particular, em relação aos cátaros e valdenses.
Entre os outros grupos que foram investigadas mais tarde foram os fraticellis, os hussitas (seguidores de Jan Hus) e as beguinas. A partir da década de 1250, os inquisidores eram geralmente escolhidos entre os membros da Ordem Dominicana para substituir a prática anterior de utilizar o clero local como juízes. O termo Inquisição Medieval cobre os tribunais ao longo do século XIV.
Entre os outros grupos que foram investigadas mais tarde foram os fraticellis, os hussitas (seguidores de Jan Hus) e as beguinas. A partir da década de 1250, os inquisidores eram geralmente escolhidos entre os membros da Ordem Dominicana para substituir a prática anterior de utilizar o clero local como juízes. O termo Inquisição Medieval cobre os tribunais ao longo do século XIV.
No
final da Idade Média e início do Renascimento, o conceito e o alcance da
Inquisição foi significativamente ampliado em resposta à Reforma Protestante e
a Contrarreforma Católica. O seu âmbito geográfico foi expandido para outros
países europeus, resultando na Inquisição Espanhola e Portuguesa. Esses dois
reinos em particular operavam tribunais inquisitoriais ao longo de seus
respectivos impérios (o Espanhol e o Português) na América (resultando na
Inquisição Peruana e Mexicana), Ásia e África. Um foco particular das
inquisições espanhola e portuguesa era converter forçadamente judeus e
muçulmanos ao catolicismo, em parte porque esses grupos minoritários eram mais
numerosos na Espanha e em Portugal do que em muitas outras partes da Europa e
em parte porque muitas vezes eles eram considerados suspeitos devido à
suposição de que haviam secretamente voltado a praticar suas religiões
anteriores.
Desde
o século XIX, os historiadores têm gradualmente extraído estatísticas dos
registros dos tribunais inquisidores, a partir do qual estimativas foram
calculadas ajustando o número registrado de condenações pela taxa média de
perda de documentos para cada período de tempo compilado. García Cárcel estima
que o número total de pessoas julgadas por tribunais inquisitoriais ao longo da
sua história foi de aproximadamente 150 mil, dos quais cerca de três mil foram
assassinadas - cerca de dois por cento do número de pessoas que foram a
julgamento. Gustav Henningsen e Jaime Contreras estudaram os registros da
Inquisição Espanhola, que lista 44 674 casos, dos quais 826 resultaram em
execuções e 778 em efígies (ou seja, quando um boneco de palha era queimado no
lugar da pessoa). William Monter estima 1.000 execuções entre 1530-1630 e 250
entre 1630-1730. Jean-Pierre Dedieu estudou os registros de tribunal de Toledo,
que colocou 12 mil pessoas em julgamento. Para o período anterior a 1530, Henry
Kamen estimou que houve cerca de duas mil execuções em todos os tribunais da
Espanha. Os tribunais eclesiásticos atuaram em Minas Geraisentre 1700 e 1820,
onde aconteceram 989 denúncias nas comarcas do Rio da Mortes, do Rio das Velhas,
do Serro do Frio e na de Vila Rica.
A
instituição da Inquisição persistiu até o início do século XIX (exceto dentro
dos Estados Pontifícios), após as guerras napoleônicas na Europa e depois das
guerras hispano-americanas de independência na América. A instituição
sobreviveu como parte da Cúria Romana, mas recebeu um novo nome em 1904, de
"Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício". Em 1965, tornou-se a
Congregação para a Doutrina da Fé.
Origem
A
instalação desses tribunais era muito comum na Europa a pedido dos poderes
régios, pois queriam evitar condenações por mão popular. Diz Oliveira Marques
em História de Portugal, tomo I, página 393: «(…) A Inquisição surge como uma instituição muito complexa, com
objetivos ideológicos, econômicos e sociais, consciente e inconscientemente
expressos. A sua atividade, rigor e coerência variavam consoante a época.»
A ideia da criação da Inquisição surgiu inicialmente para funcionar como um tribunal interno, apenas para dentro Igreja católica. Mas viram razões da sua atuação, em 1183, quando delegados enviados pelo Papa averiguaram a crença dos cátaros de Albi, sul de França, também conhecidos como "albigenses", que acreditavam na existência de um Deus para o Bem e outro para o Mal; Cristo seria o Deus do bem, enviado para salvar as almas humanas, e o Deus criador do mundo material seria o Deus do mal. Após a morte, as almas boas e espirituais iriam para o céu, enquanto as almas pecadoras e materialistas, como castigo, reencarnariam no corpo de um animal. Isto foi considerada uma heresia e no ano seguinte, no Concílio de Verona, foi criado o Tribunal da Inquisição. As heresias cátaras abalavam as estruturas das nações, pois, consideravam que a alma seria a parte boa do ser humano, e o corpo seria a parte má do homem; assim, eram favoráveis ao suicídio, eram contra o casamento, matavam mulheres grávidas (pois consideravam que essa mulher carregava o fruto do mal em sua barriga) - teorias contrárias ao que ensina o cristianismo. Desse modo, herege era visto como um revolucionário, e tratado, tanto pela sociedade quanto pelo próprio governo (pois o governo era cristão, a heresia era tido pelo governo como crime de lesa-majestade; a falta contra Deus era punida pela lei civil). Os próprios governos exigiram uma posição da Igreja Católica.
Com
base no estudo dos processos inquisitoriais concluiu o historiador Rino
Camillieri: "Em 50 000 processos inquisitoriais uma ínfima parte levaram à
condenação à morte, e dessas só uma pequena minoria produziu efetivamente
execuções". Toulouse, considerada uma das cidades em que a inquisição
atingiu grau mais forte "houve apenas 1% de sentenças à morte",
atesta Rino Camillieri. Agostinho Borromeu, historiador que estudou a
inquisição espanhola pontua: "A Inquisição na Espanha celebrou, entre 1540
e 1700 (160 anos), 44.674 juízos. Os acusados condenados à morte foram apenas
1,8% (804) e, destes, 1,7% (13) foram condenados em 'contumácia' (queima de
efígies)". Adriano Garuti, historiador escreve: "contrariamente ao
que se pensa, apenas uma pequena fração do procedimento inquisitorial se concluía
com a condenação à morte."
Na
época medieval a pena privativa de liberdade não era utilizada como forma de
sanção contra crimes. Ou seja, se um sujeito cometesse um crime, não existia
ainda a prática civil de mandar para a cadeia os delinquentes, essa prática se
tornou comum a partir do século XVIII. Assim, no tempo medieval era comum a
aplicação de penas (pelo próprio governo) que hoje nos pareceriam assustadoras,
por exemplo: a pena de tortura é bastante comum; a pena de morte era bastante
comum; assim como a fogueira era já utilizada. Essas eram as formas de punição
por crimes cometidos. Diz o historiador Adriano Garuti: "A pena de morte
foi empregada não somente na Inquisição, mas praticamente em todos os outros
sistemas judiciários da Europa". Sobre o uso da tortura diz o historiador
especialista na inquisição espanhola Henry Kamen: "Em uma época em que o uso da tortura era geral nos tribunais
penais europeus, a inquisição espanhola seguiu uma política de benignidade e
circunspeção que a deixa em lugar favorável se se compara com qualquer outra
instituição. A tortura era empregada somente com último recurso e se aplicava
em pouquíssimos casos." ; em outro momento diz o mesmo autor: "As cenas de sadismo que descrevem os
escritores que se inspiraram no tema tem pouca relação com a realidade";
"em comparação com a crueldade e as
mutilações que eram normais nos tribunais seculares, a Inquisição se mostra sob
uma luz relativamente favorável; este fato, em conjunção com o usual bom nível
da condição de seus cárceres, nos faz considerar que o tribunal teve pouco
interesse pela crueldade e que tratou a justiça com a misericórdia."
O
Papa Gregório IX, em 20 de abril de 1233, editou duas bulas que marcam o
reinício da Inquisição. Nos séculos seguintes, ela julgou, absolveu ou condenou
e entregou ao Estado - para que as penas fossem aplicadas - vários de seus
inimigos propagadores de heresias. Nesta etapa, foi confiada à recém-criada
ordem dos Pregadores.
Onde
quer que os ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem em
defender a heresia apesar das advertências, a privá-los para sempre de seus
benefícios espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação,
solicitando em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua
oposição, se isto for necessário, por meio de censuras eclesiásticas
inapeláveis.
–
A bula Licet ad capiendos, 1233, dirigida aos dominicanos inquisidores
A
privação de benefícios espirituais era a não administração de sacramentos aos
heréticos, onde, caso houvesse ripostação, deveria ser chamada a intervir a
autoridade não religiosa (casos de agressão verbal ou física). Se nem assim a
pessoa quisesse arrepender-se eram dadas, conscientemente, como anátema
(reconhecimento oficial da excomunhão), "censuras eclesiásticas
inapeláveis".
Conforme
o Concílio de Viena, de 1311, obrigavam-se os inquisidores a recorrerem à
tortura apenas mediante aprovação do bispo diocesano e de uma comissão
julgadora, em cada caso. A tortura era um meio incluído no interrogatório,
sobretudo nos casos de endemoninhados ou de réus suspeitos de mentira.
No
entanto, e bem mais tarde, já em pleno século XV, os reis de Castela e Aragão,
Isabel e Fernando, solicitam, e obtêm do Papa a autorização para a introdução
de uma Inquisição. Tal instituição afigurava-se-lhes necessária para garantir a
coesão num país em unificação (foi do casamento destes dois monarcas que
resultou a Espanha) e que recentemente conquistara terras aos mouros muçulmanos
na Península Ibérica e os judeus sefarditas, por forma a obter «unidade»
nacional que até ali nunca existira. A ação do Tribunal do Santo Ofício tratou
de mais casos depois da conversão de alguns judeus e mouros que integravam o
novo reino. Alguns deles foram obrigados a renegar as suas religiões e a aderir
ao cristianismo ou a abandonar o país. A estes é dado o nome de
"cristãos-novos". Alguns esqueciam de fato a religião dos seus
antepassados, enquanto outros continuavam a praticar secretamente a antiga
religião. A esses últimos dá-se o nome de cripto-judeus. Eram frequentes os
levantamentos populares e as denúncias de práticas judaizantes aos
inquisidores.
Sendo
essencialmente um tribunal eclesiástico, desde cedo o reino, o poder régio se
apossou da Inquisição, como forma de prosseguir os seus particulares fins
econômicos, esquecendo o fundamental inquiridium aos réus por motivos
religiosos. Tomado pelo poder régio, o Tribunal da Santa Inquisição, em
Espanha, deu azo a uma persistente propaganda por parte dos inimigos da Espanha
católica: ao sujeitar o poder da fé ao poder da lei, da coação, e da violência,
a Inquisição espanhola tornou-se, no imaginário coletivo, uma das mais
tenebrosas realizações da Humanidade.
Mais
tarde, em certas regiões da Itália e em Portugal, o Papa autorizou a introdução
de instituições similares, em condições diferentes. No caso de Portugal, a
recusa do Papa ao pedido, tendo visto os abusos da Espanha, mereceu que o rei
tivesse como alternativa ameaçar com a criação de uma "inquisição"
régia, que segundo ele era coisa urgente para o reino. De fato, a introdução da
Inquisição em Portugal resultou das pressões espanholas que, para além de uma
sinceridade zelota, não queriam ver o reino rival beneficiar com os judeus e
mouriscos expulsos de Espanha.
O
historiador Olivier Tosseri adverte que:
"A
memória coletiva acabou retendo o episódio da cruzada contra os albigenses,
lançada pelos grandes barões do norte da França para acabar com a heresia dos
cátaros no sul do país entre 1208 e 1249. Mas foi, sobretudo, o fanatismo do
inquisidor espanhol Tomás de Torquemada, no século XV, que marcou definitivamente
o espírito do Ocidente europeu. Então vieram a Reforma protestante do século
XVI, o antipapismo da Igreja Anglicana, a luta do iluminista Voltaire contra o
obscurantismo e, finalmente, o anticlericalismo dos séculos XIX e XX: um
conjunto de elementos que pintaram um quadro tenebroso e distorcido da
Inquisição. E essa é a imagem que ainda repousa na mentalidade de nosso
tempo.".
Neste
momento, estamos diante da "apropriação penal" dos discursos, ato que
justificou por muito tempo a destruição de livros e a condenação dos seus
autores, editores ou leitores. Como lembrou Chartier: " A cultura escrita é inseparável dos gestos violentos que a
reprimem". Ao enfatizar o conceito de perseguição enquanto o reverso
das proteções, privilégios, recompensas e pensões concedidas pelos poderes
eclesiásticos e pelos príncipes, este autor retoma os cenários da queima dos
livros que, enquanto espetáculo público do castigo, inverte a cena da
dedicatória.
Inquisição medieval
Em
1184 surge no Languedoc (sul da França) para combater a heresia dos cátaros ou
albigenses. Em 1249, implantou-se também no reino de Aragão, como a primeira
Inquisição estatal e, já na Idade Moderna, com a união de Aragão e Castela,
transformou-se na Inquisição espanhola (1478 - 1834), sob controle direto da
monarquia hispânica, estendendo posteriormente sua atuação à América. A
Inquisição portuguesa, foi criada em 1536 e existiu até 1821. A Inquisição
romana ou "Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição do Santo
Ofício" existiu entre 1542 e 1965.
O
condenado era muitas vezes responsabilizado por uma "crise da fé",
pestes, terremotos, doenças e miséria social, sendo entregue às autoridades do
Estado para que fosse punido. As penas variavam desde confisco de bens e perda
de liberdade até a pena de morte, muitas vezes na fogueira, método que se
tornou famoso, embora existissem outras formas de aplicar a pena. Os castigos
aplicados eram reproduções das punições comuns à época, instituídas pelo poder
temporal, que, em geral, se encarregava de condenar e queimar os hereges, as
feiticeiras ou os sodomitas.
Os
tribunais da Inquisição não eram permanentes, sendo instalados quando surgia
algum caso de heresia, sendo depois desfeitos. Posteriormente tribunais
religiosos e outros métodos judiciários de combate à heresia seriam utilizados
também pelas igrejas protestantes (como por exemplo, na Alemanha e Inglaterra).
Nos países de maioria protestante também houve perseguições - neste caso contra
católicos, contra reformadores radicais, como os anabatistas, e contra supostos
praticantes de bruxaria, neste caso os tribunais se constituíam no marco do
poder real ou local, geralmente ad-hoc, e não como uma instituição específica.
O
delator que apontava o "herege" para a comunidade, muitas vezes
garantia sua fé e status perante a sociedade.
Ao
contrário do que é comum pensar, o tribunal do Santo Ofício era uma entidade
jurídica e não tinha forma de executar as penas. O resultado da inquisição
feita a um réu era entregue ao poder secular ou nem sequer seguia para lá. Numa
sociedade na qual imperava a fé, é de supor que os poderes civis se
apropriassem, na tentativa de combater a desordem social ou os inimigos
públicos, das prerrogativas religiosas.
O
recurso da tortura, muito comum nos tribunais seculares, não foi uma constante
na Inquisição: a instituição recorreu muito raramente a esse procedimento. Ao
todo, menos de 10% dos julgamentos envolveu a agonia física dos acusados. Com a
imposição de uma regra que proibia os eclesiásticos de derramar qualquer gota
de sangue dos réus, várias das confissões obtidas sob tortura perderam sua
validade. No século XIX, os tribunais da Inquisição foram suprimidos pelos
estados europeus, mas foram mantidos pelo Estado Pontifício. Em 1908, sob o
Papa Pio X, a instituição foi renomeada "Sacra Congregação do Santo
Ofício". Em 1965, por ocasião do Concílio Vaticano II, durante o
pontificado de Paulo VI e em clima de grandes transformações na Igreja após o
papado de João XXIII, assumiu seu nome atual - "Congregação para a
Doutrina da Fé".
Inquisição espanhola
A
Inquisição espanhola é, entre as demais inquisições, a mais famosa. David
Landes relata: "A perseguição levou a uma interminável caça à bruxa,
completa com denunciantes pagos, vizinhos bisbilhoteiros e uma racista
"limpieza de sangre". Judeus conversos eram apanhados por intrigas e
vestígios de prática mosaica: recusa de porco, toalhas lavadas à sexta-feira,
uma prece escutada à soslaia, frequência irregular à igreja, uma palavra mal
ponderada. A higiene em si era uma causa de suspeita e tomar banho era visto
como uma prova de apostasia para marranos e muçulmanos. A frase "o acusado
era conhecido por tomar banho" é uma frase comum nos registros da
Inquisição. Sujidade herdada: as pessoas limpas não têm de se lavar. Em tudo
isto, os espanhóis e portugueses rebaixaram-se. A intolerância pode prejudicar
o perseguidor (ainda) mais do que a vítima. Deste modo, a Ibéria e na verdade a
Europa Mediterrânica como um todo, perdeu o comboio da chamada revolução
científica".
Rino
Cammilleri diz: "As fontes históricas demonstram muito claramente que a
inquisição recorria à tortura muito raramente. O especialista Bartolomé
Benassa, que se ocupou da Inquisição mais dura, a espanhola, fala de um uso da
tortura 'relativamente pouco frequente e geralmente moderado.” "O número
proporcionalmente pequeno de execuções constitui um argumento eficaz contra a
lenda negra de um tribunal sedento de sangue"; pois, como diz o
historiador Henry Kamen, "as cenas de sadismo que descrevem os escritores
que se inspiraram no tema possuem pouca relação com a realidade".
Segundo
Michael Baigent e Richard Leigh, a 1 de novembro de 1478, uma Bula do Papa
Sixto IV autorizava a criação de uma Inquisição Espanhola. Confiou-se então o
direito de nomear e demitir aos monarcas espanhóis. O primeiro Auto de fé foi
realizado a 6 de fevereiro de 1481, e seis indivíduos foram queimados vivos na
estaca. Em Sevilha, só em novembro, 288 pessoas foram queimadas, enquanto
setenta e nove foram condenadas à prisão perpétua. Em fevereiro de 1482 o Papa
autorizou a nomeação de mais sete dominicanos como Inquisidores, entre eles,
Tomás de Torquemada. Este viria a passar à história como a face mais
aterrorizante da Inquisição. Em abril de 1482, o próprio Papa emitiu uma bula,
na qual concluía: "A Inquisição há algum tempo é movida não por zelo pela
fé e a salvação das almas, mas pelo desejo de riqueza". Após essa
conclusão, revogaram-se todos os poderes confiados à Inquisição e o Papa exigiu
que os Inquisidores ficassem sob o controle dos bispos locais. O Rei Fernando
ficou indignado e ameaçou o Papa. A 17 de outubro de 1483, uma nova bula
estabelecia o Consejo de La Suprema y General Inquisición para funcionar como a
autoridade última da Inquisição, sendo criado o cargo de Inquisidor Geral. Seu
primeiro ocupante foi Tomás de Torquemada. Até a sua morte em 1498, Torquemada
teve poder e influência que rivalizavam com os próprios monarcas Fernando e
Isabel. O número de autos-de-fé durante o mandato de Torquemada como inquisidor
é muito controverso, mas o número mais consensual é normalmente 2000.
Inquisição portuguesa
A
Inquisição Portuguesa começou formalmente em Portugal em 1536, a pedido do Rei
de Portugal, D. João III. Manuel I pediu o Papa Leão X a instalação da
Inquisição em 1515, mas só depois de sua morte (1521) que o Papa Paulo III
criou a instituição. Na sua liderança, havia um "Grande Inquisidor",
ou "Inquisidor Geral", nomeado pelo Papa, mas selecionado pela Coroa
portuguesa e sempre de dentro da família real. A Inquisição Portuguesa
principalmente direcionados aos judeus sefarditas, a quem o Estado forçava a se
converter ao cristianismo. A Espanha expulsou sua população sefardita em 1492;
depois de 1492 muitos destes judeus espanhóis deixaram a Espanha e rumaram para
Portugal, mas foram de perseguição lá também.
A
Inquisição Portuguesa realizou o seu primeiro "auto-de-fé" em 1540.
Os inquisidores portugueses principalmente direcionavam seus julgamentos contra
os cristãos-novos (ou seja, judeus convertidos). A Inquisição Portuguesa
expandiu o seu âmbito de operações de Portugal para as possessões coloniais
portuguesas, como Brasil, Cabo Verde e Goa, onde continuou como um tribunal
religioso, investigando e julgando casos de violação dos princípios do
catolicismo romano ortodoxo até 1821. D. João III (que reinou entre 1521 e
1557) estendeu a atividade dos tribunais para cobrir temas como censura,
adivinhação, feitiçaria e bigamia. Originalmente voltada para uma ação
religiosa, a Inquisição passou a exercer influência sobre quase todos os
aspectos da sociedade portuguesa: político, cultural e social.
Apesar
de não estar instituído no Brasil, esta colônia estava subordinada ao Tribunal
de Lisboa, que enviava um visitador para investigar presencialmente como se
encontravam a fé e o cumprimento dos dogmas católicos pela população. Desse
modo, registraram-se três visitações à colônia brasileira, nomeadamente na
Capitania da Bahia, na Capitania de Pernambuco e no Estado do Maranhão e
Grão-Pará. Esta última, classificada como extemporânea pelos historiadores,
ocorreu já ao final do século XVIII, momento em que a instituição já se
encontrava enfraquecida.
A
Inquisição em Goa começou em 1560 e tinha como principal objetivo punir pessoas
que seguiam o hinduísmo ou islamismo e que se converteram para o catolicismo
romano, mas que eram suspeitas de estarem seguindo suas antigas fés. Além
disso, a Inquisição processava não-convertidos que interferiam em tentativas
portuguesas de converter os não-cristãos ao catolicismo.
De
acordo com Henry Charles Lea, entre 1540 e 1794, os tribunais de Lisboa, Porto,
Coimbra e Évora queimaram 1.175 pessoas vivas, a queimaram a efígie de outras
633 e impuseram castigos a 29.590 seres humanos. No entanto, a documentação de
15 dos 689 autos-de-fé desapareceu, de forma que estes números podem subestimar
levemente a realidade.
Procedimentos
Segundo
Michael Baigent e Richard Leigh ao chegar a uma localidade, os Inquisidores
proclamavam que todos seriam obrigados a assistir a uma missa especial, e ali
ouvir o "édito" da Inquisição lido em público. No fim do sermão, o
Inquisidor erguia um crucifixo e exigia-se que os presentes erguessem a mão
direita e repetissem um juramento de apoio à Inquisição e seus servos. Após este
procedimento lia-se o "édito", que condenava várias heresias, além do
Islão e o judaísmo, e mandavam que se apresentassem os culpados de
"contaminação". Se confessassem dentro de um "período de
graça" poderiam ser aceites de volta à igreja sem penitência, porém teriam
que denunciar outras pessoas culpadas que não tivessem se apresentado. Não
bastava denunciar-se como herege para alcançar os benefícios do
"édito", deveria denunciar os cúmplices. O ônus da justificação
ficava com o acusado. Essa denúncia foi usada por muitos como vingança pessoal
contra vizinhos e parentes, para eliminar rivais nos negócios ou no comércio. A
fim de se adiantarem a uma denúncia de outros, muitas pessoas prestavam falso
testemunho contra si mesmas e denunciavam outras. Em Castela, na década de
1480, diz-se que mais 1500 vítimas foram queimadas na estaca em consequência de
falso testemunho, muitas delas sem identificar a origem da acusação contra
elas. Reservava-se a pena de morte, aplicada pelo braço secular (o Estado) basicamente
para os hereges não arrependidos, e para os que haviam recaído após conversão
nominal ao catolicismo.
Morte na fogueira
A
utilização de fogueiras como maneira de o braço secular aplicar a pena de morte
aos condenados que lhes eram entregues pela Inquisição é o método mais famoso
de aplicação da pena capital, embora existissem outros. Seu significado era
basicamente religioso - dada a religiosidade que estava impregnada na população
daquela época, inclusive entre os monarcas e senhores feudais -, uma vez que o
fogo simbolizava a purificação, configurando a ideia de desobediência a Deus
(pecado) e ilustrando a imagem do Inferno.
Em
muitos casos também queimavam-se em praça pública os livros avaliados pelos
inquisidores como símbolos do pecado: " No fim do auto se leo a sentença
dos livros proibidos e se mandarão queimar três canastras delles. Maio de
1624".
Foi
por causa da sua obra: Discours pathetéque ou suget des calamités…, publicado
em Londres (1756) que o Cavaleiro de Oliveira foi relaxado à justiça secular
que o fez queimar em estátua com o livro suspenso ao pescoço - como herege
convicto - durante o auto-de-fé realizado em Lisboa no ano de 1761.
Na
Inquisição, livros e homens “hereges” foram queimados
|
Censura literária
O Index ou Index Librorum
Prohibitorum era
a lista de livros proibidos cuja circulação tinha de ser controlada pela
Inquisição. Os livros autorizados eram impressos com um "imprimatur"
("que seja publicado") oficial. Assim era evitada a introdução de
conteúdo considerado herege pela Igreja.
Em
1558 foi introduzida na Espanha (pela própria Coroa Espanhola, à revelia da
Igreja) a pena de morte para quem importasse livros estrangeiros sem permissão
ou para quem imprimisse sem a autorização oficial. Um exemplo desta
desconfiança dos espanhóis perante as ideias que lhes chegavam da Europa no
século é-nos dado pela estatística dos alunos espanhóis da Universidade de
Montpellier. Esta universidade costumava receber estudantes de medicina
espanhóis. Eles deixaram de ir. Entre 1510 e 1559 foram 248. Já entre 1560 e
1599 foram apenas 12 (Goodman).
Inquisição no Brasil
No
Brasil, a expansão do catolicismo foi marcada pela ação dos jesuítas junto às
populações nativas. Contudo, não podemos deixar de levar em conta que, sendo
lugar de encontro de várias culturas, o território brasileiro se tornou próprio
para a prática de rituais e outras manifestações que iam contra os preceitos
católicos. Muitas vezes, recorrendo aos saberes dos indígenas ou dos escravos africanos,
os professos católicos se desviavam de seus dogmas.
Em
vários documentos de época, possuem o registro de algumas situações onde homens
e mulheres apelavam para os saberes místicos de alguns feiticeiros. Geralmente,
essa opção era ativada quando os remédios e ações litúrgicas cristãs não
surtiam o esperado efeito em alguém que sofria com alguma enfermidade física ou
emocional. Muitas vezes, até mesmo alguns padres eram denunciados aos seus
superiores por recomendar a ação desse tipo de prática religiosa.
Para
frear esse costume, os dirigentes da Igreja fizeram o requerimento das chamadas
visitações do Tribunal do Santo Oficio. Essa instituição, criada nos fins da
Idade Média, tinha por função combater qualquer tipo de manifestação que
representasse uma ameaça contra a hegemonia dogmática católica. Em 1591, o
clérigo Heitor Furtado Mendonça foi o primeiro a estabelecer essas visitações
que investigavam os casos de heresia ocorridos no Brasil.
As
denúncias pelas práticas heréticas surgiam das mais variadas formas. Qualquer
delação sem provas ou dedução precipitada bastava para que as autoridades
retirassem o acusado de seu lar para responder ao processo. No momento em que
chegava a uma localidade, para facilitar o acesso aos suspeitos, o inquisidor
anunciava nas praças e igrejas os tais “editos de fé”, que era uma espécie de
documento oficial onde o clérigo declarava os pecados que poderiam ser
denunciados.
Após
ser preso pelas autoridades, o acusado passava por uma série de torturas que
tinham como principal função obter a confissão do herege. Uma das punições mais
comuns utilizadas era cortar a planta dos pés do acusado e, depois de untá-los
com manteiga, expor as feridas em um braseiro. Contudo, antes que uma sessão de
tortura fosse iniciada, um médico realizava uma avaliação prévia para que as
limitações físicas do indivíduo fossem levadas em conta.
Somente
quando alguém não confessava os pecados denunciados é que a morte na fogueira
era utilizada. Sendo um instrumento de forte natureza coercitiva, os membros do
Tribunal da Inquisição acreditavam que a humilhação pública era um instrumento
de combate bem mais eficiente que a morte. A grande maioria das perseguições do
Santo Ofício ocorreu na segunda metade do século XVIII. Ao todo, cerca de 500
pessoas foram denunciadas no Brasil, sendo a maioria acusada de disseminar o
judaísmo.