Peste negra é o nome pela qual ficou
conhecida, durante a Baixa Idade Média, a pandemia de peste bubônica que
assolou a Europa durante o século XIV e dizimou entre 25 e 75 milhões de
pessoas(mais ou menos um terço da população europeia), sendo que alguns
pesquisadores acreditam que o número mais próximo da realidade é de 75 milhões,
aproximadamente metade da população da época.
A
doença é causada pela bactéria Yersinia pestis, transmitida ao ser humano
através das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-pretos (Rattus rattus) ou
outros roedores. Os surtos de peste bubônica têm origem em determinados focos
geográficos onde a bactéria permanece de forma endêmica, como no sopé dos
Himalaias e na região dos Grandes Lagos Africanos. As restantes populações de
roedores infectados hoje existentes terão sido apenas contaminadas em períodos
históricos.
As
populações de alguns roedores das pradarias vivem em altíssimos números em
enormes conjuntos de galerias subterrâneas que comunicam umas com as outras. O
número de indivíduos nestas comunidades permite à peste estabelecer-se porque,
com o constante nascimento de crias, há sempre suficiente número de novos
hóspedes de forma contínua para a sua manutenção endêmica. Naturalmente que as
populações de ratos e de humanos nas (pequenas) cidades medievais nunca tiveram
a massa crítica contínua de indivíduos susceptíveis para se manterem. Nessas comunidades
de homens, a peste infecta todos os indivíduos susceptíveis até só restarem os
mortos e os imunes. Só após uma nova geração não imune surgir e se tornar a
maioria, pode a peste regressar. Nas comunidades humanas, portanto, a peste
ataca em epidemias.
A
condição inicial para o estabelecimento da peste foi a invasão da Europa pelo
rato preto indiano Rattus rattus (hoje raro). O rato preto não trouxe a peste
para a Europa, mas os seus hábitos mais domesticados e mais próximos das
pessoas criaram condições para a rápida transmissão da doença. A sua
substituição pelo Rattus norvegicus, cinzento e muito mais tímido, foi
certamente importante no declínio das epidemias de peste na Europa a partir do
século XVIII.
A
peste foi quase certamente disseminada pelos mongóis, que criaram um império na
estepe no final do século XIII. Gêngis Khan com as suas hordas de nômades
mongóis conquistou toda a estepe da Eurásia setentrional, da Ucrânia até à
Manchúria. Teriam sido os mongóis que, após a sua conquista da China, foram
infectados na região a sul dos Himalaias pela peste, já que essa região alberga
um dos mais antigos reservatórios de roedores infectados endemicamente.
Os
guerreiros mongóis teriam infectado as populações de roedores das planícies da
Eurásia, da Manchúria à Ucrânia, cujos reservatórios de roedores infectados
endemicamente existem hoje. Os ratos pretos das cidades e do campo da Europa
ocidental não são suficientemente numerosos ou aglomerados em grandes
comunidades para serem afetados endemicamente, e terão sido afetados pela
epidemia do mesmo modo que as pessoas, morrendo em grandes quantidades até
acabarem os indivíduos suscetíveis, ocorrendo nova epidemia quando surgia uma
nova geração. Logo terão sido apenas os mediadores da infecção entre por um lado
os mongóis e os roedores infectados da sua estepe, e os europeus.
Deste
modo explica-se que, ao contrário de qualquer época precedente, a peste tenha
surgido em quase todas as gerações na Europa após o século XIV: estava
estabelecido um reservatório da infecção logo às suas portas, na Ucrânia (onde
de fato foram as epidemias mais frequentes, até à última que aí se limitou).
Também é por esta razão explicado o fato da peste ter atingido simultaneamente
a Europa, a China e o Médio Oriente, já que as caravanas da Rota da Seda
facilmente comunicaram a doença a estas regiões limítrofes da estepe. A peste
melhorou as condições de trabalho.
A peste na Europa
A
peste responsável pela epidemia do século XIV surge durante o cerco à colônia
genovesa de Caffa, na Crimeia (Rússia), em outubro de 1347 pelos tártaros (um
povo mongol ou túrquico) auxiliados pelos venezianos. A peste matou tantos
tártaros que foram obrigados a retirar-se, não sem antes contaminar a cidade.
Ali morreram tantos habitantes que tiveram de ser queimados em piras, já que
não havia mão de obra suficiente para enterrá-los.
Com
a propagação da peste negra as pessoas procuravam se isolar do
resto da
população para não serem contaminadas ,até evitavam pessoas
de entrar na cidade
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Constantinopla
teria sido infectada na mesma época. Vários navios genoveses fugiram da peste,
indo atracar aos portos de Messina, Gênova, Marselha e Veneza, com os porões
cheios dos cadáveres dos marinheiros. A transmissão teria sido feita pelos
ratos pretos de Caffa, que transmitiram as suas pulgas infectadas aos ratos
destas cidades. Assim se explica que apesar de algumas cidades terem recusado
os navios, tenham sido infectadas igualmente, já que os ratos escapavam pelas
cordas da atracagem.
Assim
descreve Bocaccio os sintomas: "Apareciam, no começo, tanto em homens como
nas mulheres, ou na virilha ou nas axilas, algumas inchações. Algumas destas
cresciam como maçãs, outras como um ovo; cresciam umas mais, outras menos;
chamava-as o povo de bubões. Em seguida o aspecto da doença começou a
alterar-se; começou a colocar manchas de cor negra ou lívidas nos enfermos.
Tais manchas estavam nos braços, nas coxas e em outros lugares do corpo. Em
algumas pessoas as manchas apareciam grandes e esparsas; em outras eram
pequenas e abundantes. E, do mesmo modo como, a princípio, o bubão fora e ainda
era indício inevitável de morte, também as manchas passaram a ser
mortais".
Uma
das maiores dificuldades era dar sepultura aos mortos:
"Para dar sepultura à grande
quantidade de corpos já não era suficiente a terra sagrada junto às Igrejas;
por isso passaram-se a edificar igrejas nos cemitérios; punham-se nessas
Igrejas, às centenas, os cadáveres que iam chegando; e eles eram empilhados
como as mercadorias nos navios".
Em
Avinhão, na França, vivia Guy de Chauliac, o mais famoso cirurgião dessa época,
médico do Papa Clemente VI, sobreviveu à peste e deixou o seguinte relato:
“A grande mortandade teve início
em Avinhão em janeiro de 1348. A epidemia se apresentou de duas maneiras. Nos
primeiros dois meses manifestava-se com febre e expectoração sanguinolenta e os
doentes morriam em três dias; decorrido esse tempo manifestou-se com febre
contínua e inchação nas axilas e nas virilhas e os doentes morriam em 5 dias.
Era tão contagiosa que se propagava rapidamente de uma pessoa a outra; o pai
não ia ver seu filho nem o filho a seu pai; a caridade desaparecera por
completo". E continua: Não se sabia qual a causa desta grande mortandade.
Em alguns lugares pensava-se que os judeus haviam envenenado o mundo e por isso
os mataram.”
No
meio de tanto desespero e irracionalidade, houve alguns episódios edificantes.
Muitos médicos se dispuseram a atender os pestosos com risco da própria vida.
Adotavam para isso roupas e máscaras especiais. Alguns dentre eles evitavam
aproximar-se dos enfermos. Prescreviam à distância e lancetavam os bubões com
facas de até 1,80 m de comprimento.
Da
península Itálica, espalhou-se através da Europa, atingindo a Grã-Bretanha e
Portugal em 1348 e, na Escandinávia, em 1350. Algumas zonas foram
inexplicavelmente poupadas, como Milão e a Polônia.
Portugal
Em
Portugal, a peste entrou no outono de 1348. Matou entre um terço e metade da
população, segundo as estimativas mais credíveis, levando a nação ao caos.
Foram inclusivamente convocadas as Cortes em 1352 para restaurar a ordem.
Um
dos efeitos indiretos da peste em Portugal seria a revolução após o reinado de
D. Fernando (Crise de 1383-1385). Este interregno, mais que uma guerra civil
pela escolha de novo rei, terá antes sido a luta da nova classe de pequena
nobreza e burguesia que subira a escada social aproveitando as oportunidades
após os desequilíbrios sociais provocados pela peste, contra o "antigo
regime" desacreditado, a enfraquecida e esclerótica alta nobreza que
presidira à catástrofe e cujos titulares, nascidos e criados nos anos da doença,
não terão adquirido as capacidades necessárias à governação eficaz. De facto
esta elite da alta nobreza, clero e Casa Real, terá respondido à substancial
perda de rendimentos e aumento de custos de mão de obra devido à peste com
maior autoritarismo e tirania. Assim se explica a tendência desta frágil alta
nobreza de se aliar com a sua também atacada congênere castelhana.
A
peste, que nunca antes existira na península Ibérica, voltou a Portugal várias
vezes até ao fim do século XVII, ou seja sempre que nasciam suficientes novos
hóspedes não imunes. Nenhuma foi nem remotamente tão devastadora como a
primeira, mas a Grande Peste de Lisboa em 1569 terá matado 600 pessoas por dia,
ao todo 60 000 habitantes da cidade terão sucumbido. A última grande epidemia
foi em 1650. No entanto, no seguimento da terceira pandemia, a peste foi
importada para o Porto em 1899 do Oriente (provavelmente de Macau onde grassou
desde 1895 até ao fim do século). A epidemia do Porto foi estudada por Ricardo
Jorge, que instituiu as medidas de Saúde Pública necessárias, e que a
conseguiram limitar.
Recorrência
A
doença voltou a cada geração à Europa até ao início do século XVIII. Cada
epidemia matava os indivíduos susceptíveis, deixando os restantes imunes. Só
quando uma nova geração não imune crescia é que havia novamente suficiente
número de pessoas vulneráveis para a infecção se propagar. No entanto nenhuma
destas epidemias foi tão mortal como a primeira, devido às modificações de comportamento
e à eliminação dos genes que davam especial susceptibilidade aos seus
portadores. Epidemias notáveis foram a Peste Espanhola de 1596-1602, que matou
quase um milhão de espanhóis, a Peste italiana de 1629-1631, a Grande Praga de
Londres de 1664-1665 e a Grande Peste de Viena em 1679.
A
peste londrina foi a última naquela cidade. O Grande fogo de Londres logo no
ano seguinte, em 1666 queimou completamente as casas de madeira e telhados de
colmo comuns até então, e novos materiais como a pedra, os tijolos e as telhas
foram usados na construção de novas casas, contribuindo para afastar os ratos
das habitações. O mesmo processo, aliado a melhores condições de higiene e à
substituição do rato preto pelo rato cinzento (Rattus norvegicus, que evita as
pessoas), e à resistência genética crescente das populações, contribuíram para
o declínio contínuo das epidemias de peste na Europa.
A peste na China
As
primeiras descrições da peste na China relataram os casos ocorridos em 1334 na
província de Hubei, aparentemente casos limitados. Entre 1353 e 1354, com a
China sob domínio dos mongóis, uma epidemia muito mais extensa ocorreu, nas
províncias de Hubei, Jiangxi, Shanxi, Hunan, Guangdong (Cantão), Guangxi e
Henan. Os autores da época estimaram, talvez exageradamente, que de um terço a
dois terços da população da China teria sucumbido, em algumas regiões mais de
90% da população.
A peste no Médio Oriente
A
doença entrou na região pelo sul da estepe, atual Rússia, em 1347, as tropas
regressavam a Bagdá após campanha militar na estepe do Azerbaidjão. No final de
1348 já está no Egito, Palestina e Antioquia, espalhando a morte. Meca foi
infectada em 1349, sendo a doença trazida pelos peregrinos para o Hajj, e
depois o Iêmen em 1351. Morreu cerca de um quarto da população da época.
A terceira epidemia
A
terceira epidemia ocorreu no século XIX, mas a sua disseminação foi efetivamente
travada pelos esforços das equipes sanitárias.
Iniciou-se
provavelmente na estepe da Manchúria, onde as marmotas infectadas foram caçadas
em grandes números pelos imigrantes chineses que as vendiam aos ocidentais para
produzir casacos. A partir de 1855 espalhou-se por toda a China, ameaçando os
europeus de Hong-Kong em 1894, o que levou ao envio de equipas de médicos e
bacteriologistas para a região. No entanto foi impossível evitar a sua
disseminação por navios para portos em todo o mundo, incluindo na Europa e
Califórnia. Terá sido nesta altura que os roedores selvagens das pradarias
americanas e do Brasil foram infectados.
Esta
pandemia matou 12 milhões de pessoas na China e Índia.
Transmissão
A
peste bubônica é uma doença primariamente de roedores: (ratos, ratazanas,
coelhos, marmotas, esquilos). Espalha-se entre eles por contato direto ou pelas
pulgas, e é-lhes frequentemente fatal.
A
peste nos humanos é uma típica zoonose, causada pelo contato com roedores
infectados. As pulgas dos roedores recolhem a bactéria do sangue dos animais
infectados, e quando estes morrem, procuram novos hóspedes. Entretanto a
bactéria multiplica-se no intestino da pulga. Cães, gatos e seres humanos podem
ser infectados, quando a pulga liberta bactérias na pele da vítima. A Y. pestis
entra então na linfa através de feridas ou micro abrasões na pele, como a da
picada da pulga.
Outra
forma de infecção é por inalação de gotas de líquido de espirros ou tosse de
indivíduo doente.