No dia 03 de julho de 1892, é criado o JOGO DO BICHO pelo
empresário João Batista Viana Drummond (Barão de Drummond), como um sorteio
inocente para manter o Zoológico do Rio de Janeiro.Sucesso imediato, o jornal "O
Tempo" divulgou, naquele ano, uma nota associando o jogo recém-criado à
característica do brasileiro de querer ganhar dinheiro fácil, como atesta o
documento:
"É vir à rua do Ouvidor às 5
horas da tarde, quando a caixa sobe para os que tem de ir ao cofre, para se reconhecer que o inventor da víspora é homem de
gênio. Na primeira revolução em que eu tenha influência fá-lo-ei ministro da
Fazenda. (…) Por aqueles papéis de bichos pintados, avalia-se o gênio de um
povo e a moralidade de um regime político. Ganhar pelo trabalho é uma velharia
e custa uma vida inteira. Hoje reza-se por outra cartilha; o jogo, a sorte, o
ágio e a advocacia administrativa parlamentar que em um abrir e fechar de mãos
levam um homem a habitar palácios principescos em Lisboa ou pelintrar nos boulevards
de Paris. O gênio que criou tudo isso bem sabe o que fez. (Maximo Job, em O
Tempo, 23 de julho de 1892)".
Na imagem, ilustração publicada no Jornal do Commercio,
na última década do século XIX, mostrando duas das sensações do Rio de Janeiro
de então: o Jardim Zoológico e o jogo do bicho.
O jogo do bicho é
uma bolsa ilegal de apostas em números que representam animais. Foi inventado
em 1892 pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do Jardim Zoológico do
Rio de Janeiro, em Vila Isabel, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
A fase de intensa
especulação financeira e jogatina na bolsa de valores nos primeiros anos da
república brasileira imprimiu grave crise ao comércio. Para estimular as
vendas, os comerciantes instituíram sorteios de brindes. Assim é que, querendo
aumentar a frequência popular ao zoológico, o barão decidiu estipular um prêmio
em dinheiro ao portador do bilhete de entrada que tivesse a figura do animal do
dia, o qual era escolhido entre os 25 animais do zoológico e passava o dia inteiro
encoberto com um pano. O pano somente era retirado no final do dia, revelando o
animal do dia. Posteriormente, os animais foram associados a séries numéricas
da loteria e o jogo passou a ser praticado largamente fora do zoológico, a
ponto de transformar a capital da república (de 1889 a 1960) na "capital
do jogo do bicho".
Atualmente, o jogo
do bicho continua a ser praticado em larga escala nas ruas das principais
cidades do Brasil, não obstante ser considerado uma contravenção pela
legislação penal brasileira.
A origem do jogo
do bicho remonta ao fim do Império e início do período republicano. Jornais da
época contam que, para melhorar as finanças do jardim zoológico localizado no
bairro da Vila Isabel, que estava em dificuldades financeiras, o senhor de
terras e escravos João Batista Viana Drummond criou uma loteria em que o
apostador escolhia um entre os 25 bichos do zoológico.
Cada bicho era
representado por quatro números consecutivos compreendidos entre 00 e 99. Havia
25 bichos numerados de 01 até 25 por ordem alfabética. Os números de 00 a 99
correspondiam aos 25 bichos conforme uma progressão aritmética, calculando o
próximo múltiplo de quatro. Por exemplo, o camelo (8) é 29-32, e a vaca (25),
97-00 (hoje, o bicho correspondendo a um número entre 0000 e 9999 é indicado
pelos dois dígitos finais.). Ao final do dia, os organizadores do jogo
revelavam o nome do bicho vencedor e afixavam o resultado num poste, o que até
os dias de hoje continua sendo feito.
O jogo do bicho
permitia apostas de "simples moedas a tostões furados" numa época em
que a recessão tomava conta do Brasil. Essa modalidade de jogo, rapidamente, se
alastrou pelo país e tornou-se para o pobre algo comparável à bolsa de valores
para os mais abastados. Desse modo, quase sempre "investindo" com
poucas moedas, o apostador nunca deixava de "aplicar" na sua
"bolsa de valores", o que deu origem à expressão: "só ganha quem
joga".
A organização do
jogo de bicho preserva uma hierarquia como a de atores, teatro e platéia
(banqueiros, gerentes e apostadores). Nessa hierarquia, o "banqueiro"
é quem banca a totalidade do jogo e quem paga a banca. O "gerente de
banca" ou do ponto é quem repassa as apostas ao banqueiro e o prêmio ao
vendedor. O vendedor é agregado ao gerente de banca e é quem escreve e
intermedia o pagamento entre o apostador e o gerente. A banca e o ponto não
necessitam de um lugar fixo para operar: seus funcionários são, frequentemente,
encontrados nas ruas sentados em cadeiras ou caixas de frutas. Em outras
regiões do Brasil, pode-se entrar em contato por telefone e um motoboy vem
buscar o jogo em sua casa ou trabalho.
O jogo do bicho
tem algumas regras que estipulam limites nas apostas: um exemplo é a
"descarga" de alguns números muito apostados, como o número do túmulo
de Getúlio Vargas ou número do cavalo no dia de São Jorge. Para alguns
organizadores, os números muito jogados são cotados a fim de evitar a
"quebra da banca" tanto por parte das bancas de apostas como durante
a apuração no sorteio. Pelo fato de ser uma atividade que envolve dinheiro não
controlada pelo governo, o jogo tem atraído a atenção das autoridades corruptas
e criou-se um complexo e eficiente sistema para a realização da venda de
facilidades.
A Paraíba era o
único estado da federação onde o jogo do bicho era tolerado. As
"corridas" (extrações dos números premiados) eram feitas pela loteria
do estado da Paraíba e o estado cobrava taxas dos "banqueiros". A
atual administração da loteria, por entender ser ilegal a prática do jogo do
bicho, após duas décadas, voltou a ter seu bilhete lotérico estadual. Com esse
produto lotérico, a Loteria Estadual deu início a uma nova fase comercial, onde
ela chama para si a responsabilidade de produzir, distribuir e comercializar
seus produtos. A mudança vem atender às legislações federal e estadual em
vigor.
Corre uma história
de que durante a ditadura militar, o presidente Humberto de Alencar Castelo
Branco, numa reunião da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste em
Recife, teria cobrado do então governador João Agripino a extinção do jogo na
Paraíba. Agripino teria respondido ao então presidente: "acabo com o jogo
do bicho na hora em que o senhor arranjar emprego para os milhares de
paraibanos que ganham a vida como cambistas".
Relação
com o Carnaval
A ligação do jogo
do bicho com o carnaval começou por volta dos anos 1930, através de Natal da
Portela. Natal, desde cedo, esteve envolvido com o mundo do samba já que, no
quintal de sua casa na esquina com a estrada do Portela no subúrbio de Oswaldo
Cruz, realizavam-se rodas de samba. Nesse local, foi fundado o bloco
carnavalesco "Vai como pode", que se transformaria na Portela.
Após perder um
braço por causa de um acidente de trem, Natal perdeu o emprego e foi trabalhar
como apontador de bicho na região de Turiaçu. Em pouco tempo, virou gerente de
banca e, depois, conseguiu montar a sua própria, vindo a se tornar banqueiro de
jogo do bicho, controlando toda a área de Madureira.
Com a morte de seu
grande amigo Paulo da Portela, Natal, como forma de homenageá-lo, resolveu
investir dinheiro na Portela para que ela pudesse se transformar em uma grande
escola de samba, criando aí a figura do bicheiro patrono. Somado a suas
práticas clientelistas com a população de Madureira já que, devido a sua
infância pobre, Natal sempre procurava ajudar aos pobres através de doação a
igrejas, a instituições de caridade, pagamento de enterros etc., sua ligação
com o carnaval começou a adquirir prestígio, sendo até mesmo convidado pelo
então ministro Negrão de Lima a apresentar a Portela para a Duquesa de Kent no
Palácio Itamaraty em 1959.
Como forma de se
legitimar perante a sociedade, os demais banqueiros de jogo do bicho passaram a
seguir o exemplo de Natal, vinculando-se às escolas de samba de suas
respectivas áreas de atuação, o que posteriormente também seria usado, segundo
alguns, como forma de lavagem de dinheiro da contravenção.
Contravenção
Simples no começo,
o sistema de jogo do bicho multiplicou-se pelo território brasileiro. Câmara
Cascudo, no seu "Dicionário do folclore brasileiro", distinguia o
jogo como sendo "invencível" e que a sua repressão apenas ampliava
sua reprodução por todo o país. "Vício irresistível", escreveu o
folclorista: "(...) contra ele, a repressão policial apenas multiplica a
clandestinidade. O jogo do bicho é invencível. Está, como dizem os viciados, na
massa do sangue".
Em "Ordem e
progresso" (1959) de Gilberto Freyre, descreveu o jogo do bicho como uma
das poucas atividades sem discriminação de classes no início da república. O
historiador José Murilo de Carvalho demonstrou em "Os bestializados: Rio
de Janeiro e a república que não foi" que a sociedade carioca difundia a
crença na sorte como uma forma de ganhar a vida sem trabalhar.
O jogo do bicho é
semelhante a uma loteria federal, mas com algumas diferenças: uma delas é que o
jogador pode apostar qualquer valor, que muitas vezes é bem acima de suas
possibilidades. Quanto maior o valor apostado em uma sequência numérica
(milhar, centena, dezena, etc.), maior será o prêmio em caso de acerto. Com
essa flexibilidade de apostas, o jogador é livre para escolher pelo menor valor
possível o seu número da sorte nas 10 000 chances disponíveis em cada sorteio.
Exemplo: um apostador joga um real em uma milhar no primeiro prêmio (conhecido
como cabeça por ser a primeira milhar no topo da lista de resultados). Caso
acerte ela inteira (os quatro números), ele ganha 3 000 reais (apostas em São
Paulo). Se tivesse jogado cinquenta centavos na mesma aposta e acertado, o
apostador ganharia 1 500 reais. Toda banca (organização que faz a administração
do jogo do bicho) tem uma tabela de valores que são apresentados aos
apostadores, tabela essa que tem muito pouca diferença de banca para banca.
Os problemas do
Jogo do Bicho com a lei começaram apenas duas semanas depois de seu lançamento.
Assim como hoje, os jogos de azar eram proibidos no Brasil do século XIX, e
todo o tipo de sorteio deveria ser previamente aprovado pelas autoridades
locais. Apesar de ter dado o sinal verde para a operação do Jogo do Bicho, logo
a polícia do Rio de Janeiro se arrependeu de sua decisão, tendo considerado que
o jogo havia saído do controle, como mostra este informe público do jornal O
Tempo, ainda em 1892:
“Ao
Dr. 2º Delegado dirigiu ontem o Dr. Chefe de Polícia o seguinte ofício: No
empenho de procurar atrair concorrência de visitantes ao Jardim Zoológico,
solicitou o seu diretor para certo recreio público licença, que lhe foi
concedida pela polícia, em vista da feição disfarçadamente inocente que da
simples primeira descrição do divertimento parecia se deduzir. Entretanto,
posta em prática essa diversão, se verifica que tem ela o alcance de verdadeiro
jogo, manifestamente proibido. Os bilhetes expostos à venda contêm a esperança
puramente aleatória de um prêmio em dinheiro, e o portador do bilhete somente
ganha o prêmio, se tem a felicidade de acertar com o nome a espécie do animal
que está erguido no alto de um mastro. Esta diversão, prejudicial aos
interesses dos encantos, que com a esperança enganadora de um incerto lucro se
deixam ingenuamente seduzir, é precisamente um verdadeiro jogo de azar, porque
a perda e o ganho dependem exclusivamente do acaso e da sorte.”
Neste momento
começou a história de problemas do Jogo do Bicho com a lei, que foi marcada por
idas e vindas, até a sua proibição definitiva, em 1941, quando foi passada a
lei de proibição dos jogos de azar no Brasil. Apesar de sua popularidade e de
ser tolerado por muitas autoridades, o jogo do bicho é considerado uma
contravenção no Brasil, de acordo com o artigo 58 da Lei de Contravenções
Penais (Decreto-lei 3 688, de 3 de outubro de 1941). As pessoas que o exploram
são passíveis de prisão e multa e os apostadores são passíveis de multa.
Legalização
Desde 2014,
tramita no Senado Federal do Brasil, o Projeto de Lei N.186, que dispõe sobre a
exploração de jogos de azar no Brasil, incluindo o jogo do bicho. O tema esta
sendo analisado pelos senadores e debatido publicamente junto a sociedade civil.